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Como os mercados derrubaram Liz Truss

Liz Truss procurou ser a nova Margaret Thatcher, mas a sua inspiração na Dama de Ferro acabou por virar os mercados contra si. Especialistas ouvidos pela CNN Portugal afirmam que o seu plano de cortes maciços nos impostos gerou uma onda de incerteza nos mercados que a ex-primeira-ministra não foi capaz de dominar. "As grandes agências financeiras apostaram na queda, e ganharam”, explica Francisco Louçã

Não é segredo para ninguém no Partido Conservador britânico que Liz Truss é admiradora de Margaret Thatcher e a própria já fez questão de o admitir publicamente. O plano maciço de corte de impostos com que fez campanha e que a levou a Downing Street teve a sua parte de inspiração na Dama de Ferro, mas, ao contrário daquilo que acontecia nos anos 80, apercebeu-se rapidamente de que não tinha instrumentos na sua posse para aguentar o impacto financeiro de 161 milhões de libras do seu mini-orçamento. E, no final, os mercados não a perdoaram.

“A Liz Truss queria ser a Thatcher, num momento em que não pode haver Thatcher e não há as condições para se ser Thatcher”, afirma Francisco Louçã à CNN Portugal, explicando que foi “a desconfiança dos mercados financeiros” que liquidou a agora ex-primeira ministra do Reino Unido. “A apresentação deste plano com um custo orçamental gigantesco não tinha o suporte que Thatcher tinha na sua época, como um banco central que comprasse a sua dívida. O facto de hoje o banco central inglês ter uma decisão separada das escolhas governamentais destruiu-a”, analisa o economista.

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Liz Truss, que será lembrada nos próximos tempos como a detentora do mandato mais curto da história dos primeiros-ministros do Reino Unido - 45 dias, menos do que aparentemente sobrevive uma alface, chegou ao cargo num momento de alta volatilidade económica determinada pela subida das taxas de juro que já tinham colocado o seu predecessor em cheque e, com os mercados reticentes, fez aprovar um plano estrutural e a longo prazo, “esquecendo-se que não podia aprovar um programa deste género quando a dívida da Inglaterra regista grandes aumentos e, sobretudo, introduzir um programa expansionista em tempo de inflação”, considera Abel Mateus, Senior Fellow no University College de Londres e ex-economista sénior do Banco Mundial.

O momento em que Liz Truss anuncia a sua demissão/AP

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Uma conjunção "terrível"

“Os mercados castigaram as políticas económicas que não eram apropriadas, tendo em conta a conjuntura internacional”, continua Abel Mateus, observando que três dias após o anúncio do plano orçamental, a libra derrapou para valores recorde - aproximando-se da paridade com o dólar - e a venda de dívida pública aumentou. “Temos uma conjunção terrível que é o Banco de Inglaterra a subir as taxas de juro e o governo a desenvolver uma política orçamental que também faz subir as taxas de juro, pelo facto de toda a gente se querer livrar das obrigações de tesouro”, aponta, por sua vez, o economista Jorge Bateira.

Para evitar este cenário, o banco central inglês anunciou um plano de emergência e lançou um plano de compra de dívida até 14 de outubro, com uma dotação de até 65 mil milhões de libras, mas anunciou logo que o plano era finito. Não podendo ter o banco central como instrumento de ação orçamental, o Reino Unido passou a depender do financiamento dos mercados e “os mercados desconfiaram que o aumento dos juros ia provocar falências de fundos de pensões”, afirma Francisco Louçã, garantindo que isso iria ditar um “resgate público de preço muito elevado”. “Mesmo uma grande potência como a Inglaterra tem uma soberania relativamente limitada, porque não tem instrumentos monetários”, acrescenta.

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O efeito nos mercados foi vincado e desencadeou reações instantâneas. O ministro das Finanças que o projetou, Kwasi Kwarteng, demitiu-se no mesmo dia em que o banco central avançou com a compra de dívida e o seu sucessor, Jeremy Hunt, foi forçado, quase de imediato, a dar sinais aos mercados de que não seria tomada nenhuma decisão que pudesse aumentar os níveis de endividamento. Liz Truss até pediu desculpa e reverteu o plano, no início de outubro, o que acalmou ligeiramente os mercados, mas não o suficiente para a salvar. 

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As grandes agências financeiras apostaram... e ganharam

Para José Paulo Esperança, professor Catedrático de Finanças no ISCTE, as críticas do Fundo Monetário Internacional ao mini-orçamento e o seu pedido para que o executivo britânico voltasse atrás com o plano de 45 milhões de libras de corte de impostos tiveram um grande impacto na sequência de eventos que terminaram com a demissão de Truss.  “Os investidores individualmente são influenciados pela opinião de analistas que têm muito peso. As agências de rating são muito importantes nessa matéria e, no caso do Reino Unido, foi o próprio FMI que ficou bastante preocupado e foi muito crítico das medidas que foram tomadas”, observa José Paulo Esperança. O professor catedrático sublinha também que os “mercados de capitais estão muito apreensivos com a instabilidade que se gera no Reino Unido”. Assim, se de facto “não houver uma consistência nas políticas”, isso gera uma “grande ansiedade”. “A estabilidade governamental é muito importante.”

Se Liz Truss levasse adiante o plano sobre o qual foi eleita, diz Francisco Louçã, “tinha de financiar o défice e aguentar”. Este plano, no entanto, era "inviável e inaplicável", já que o executivo não tinha instrumentos para o levar a bom porto. “Isso era muito evidente para os investidores e encostaram o governo à parede. As grandes agências financeiras apostaram na queda, e ganharam”, acrescenta o economista.

Há, ainda assim, sinais de recuperação. No momento em que Liz Truss anunciou que tinha falado com o rei Carlos III para pedir a sua demissão da liderança do Partido Conservador, a libra disparou, registando uma valorização de 0,45%. “Toda esta crise mostra o resultado de políticas inconsequentes. O normal é que os mercados financeiros fiquem felizes porque Liz Truss foi embora”, diz o economista Jorge Bateira. Agora, “esperam alguém mais sensato”.

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