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Inércia do Estado leva prédio à ruína em Lisboa e custa meio milhão de euros a família

Entidades que ao longo de vários anos representaram o Estado nunca deixaram arrendar, nem fazer obras. O destino só podia ser um

Imagine que tem 75% de um imóvel e que os restantes 25% são do Estado. A família de Ana Borlido tem dois pequenos prédios em Lisboa nessa situação e desde que os comprou, no final da década de 1990, o pai meteu-se numa enorme carga de trabalhos que nos últimos anos já lhes custou bem mais de meio milhão de euros.

Tudo começou em 2008 quando o primeiro inquilino de um dos prédios saiu e Manuel Borlido (o pai de Ana) pediu autorização ao representante do Estado (o já extinto Governo Civil de Lisboa), dono dos 25% do imóvel, para arrendar de novo a fracção.

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A resposta foi negativa e nunca mais existiu luz verde para fazer qualquer arrendamento, impossível sem o aval dos dois proprietários, mesmo que um deles seja minoritário.

Os outros inquilinos foram saindo ou morrendo e as casas ficaram vazias. Sem receitas das rendas e sem autorização do Estado para fazer obras nos prédios, o pai de Ana Borlido ficou com 75% de dois imóveis no centro de Lisboa, perto da Fundação Calouste Gulbenkian - uma zona nobre da cidade -, que não servem para nada e que, pelo contrário, só dão despesa.

Município íntima proprietários

Cética quando ouve as sucessivas promessas dos governos para resolver a falta de habitação nas grandes cidades, Ana Borlido explica ao Exclusivo da TVI, do mesmo grupo da CNN Portugal, que estamos a falar de casas vazias, sem obras, por inércia completa do Estado que, pior, nem deixou o proprietário privado fazer algo com os imóveis.

Os edifícios estão cada vez mais degradados e um deles foi em 2017 alvo de uma intimação da Câmara Municipal de Lisboa para que se façam obras urgentes que permitam ter condições de habitabilidade.

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O tempo passa, as obras urgentes nunca foram feitas e até a pala para proteger quem passa na rua da queda de algum pedaço do edifício demorou cinco anos a ser instalada por falta de resposta da direção-geral do Ministério das Finanças que geria o património imobiliário público. 

Vizinha ganha queixa em tribunal

Entretanto, depois de uma queixa da proprietária do prédio vizinho que já começava a sofrer estragos no seu imóvel pela decadência do prédio do lado, uma sentença judicial de junho de 2023 confirma o estado de "insegurança e insalubridade" do edifício na Rua D. Manuel de Noronha, com nova ordem para se fazerem obras.

Ana Borlido diz que a empresa pública que nos últimos tempos passou a gerir este tipo de património do Estado já aceitou pagar a sua parte das obras, mas apenas aquelas que garantam a segurança do edifício, sem certezas se será possível pagar as obras que permitam ao edifício ser, de facto, habitável, como exige o município que entretanto agravou o Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) em 500% devido ao facto do prédio estar devoluto e sem condições de ser usado.

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A Estamo, empresa pública tutelada pelo Ministério das Finanças, garante ao Exclusivo da TVI que "dispôs-se de imediato a cumprir com as decisões administrativas e judiciais, aceitando a realização das obras". "Neste momento, encontra-se em articulação entre o Estado e o outro proprietário o valor da obra e o seu faseamento."

Estado sem meios

A inércia do passado está justificada numa resposta de 2022 ao secretário de Estado com a tutela do património do Estado, assinada pela Direção-Geral do Tesouro e Finanças, que até há pouco tempo geria os imóveis públicos: "A falta de meios para a execução de obras de vulto impede esta Direção-Geral de agir com a diligência que gostaria."

"A área da gestão do imobiliário público nunca possuiu recursos para a execução de obras em imóveis carenciados", acrescenta a mesma resposta consultada pela TVI.

Meio milhão de prejuízo

Com tantas dúvidas sobre o futuro e a resposta que o Estado dará ou não à solução do problema, Ana Borlido faz contas e admite que a incapacidade pública já custou mais de meio milhão de euros à família.

Sem contar com as rendas que os imóveis não geram há incontáveis anos, os preços das obras de reabilitação não param de aumentar.

"Em 2017 tinha um orçamento de 320 mil euros. Neste momento são 900 mil... Isto é brincar com o dinheiro dos outros, pois o dinheiro do Estado não é de ninguém, é de todas as pessoas, e é gerido assim, de ânimo leve", conclui Ana Borlido, que sublinha que deverão gastar uma fortuna em obras sem saber, sequer, se depois o Estado permite que os imóveis sejam, finalmente, arrendados.

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