Até à passada semana, pouca gente tinha ouvido falar de Heinrich XIII, príncipe de Reuss, o descendente de 71 anos de uma pequena família nobre alemã. Até a família o tinha condenado ao ostracismo, há vários anos, por causa das suas opiniões radicais.
No entanto, para o movimento Reichsbürger - o grupo político por trás do que os promotores recentemente descreveram como uma conspiração frustrada para derrubar a democracia alemã - Heinrich XIII era exatamente o homem, ou melhor, o príncipe de que eles precisavam.
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De forma absurda, o Reichsbürger acredita que a Alemanha Imperial, que desabou há um século, deve ser restabelecida de forma a que a Alemanha possa erguer-se novamente das cinzas.
Porém, para que isso aconteça, precisam de um príncipe verdadeiro, e isso levou a que Heinrich XIII fosse, para eles, uma dádiva de Deus. (O príncipe não comentou publicamente a sua detenção).
Conforme descrito em documentos oficiais do governo, a conspiração fantasista que envolvia um aristocrata idoso e um esconderijo com armas, foi ligada a um grupo de suspeitos detidos. Entre eles está “Frank H.”, reportado na comunicação social como o famoso chef Frank Heppner, cuja filha é namorada da estrela do futebol do Real Madrid, David Alaba.
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Heppner não fez qualquer comentário oficial. O restaurante do chef está atualmente a fazer uma “pausa criativa”, segundo o site.
Heppner aperfeiçoou os seus pratos de assinatura durante os anos que passou na Ásia antes de regressar à Europa. Se a conspiração da semana passada tivesse sido bem-sucedida, o novo governo poderia ter vivido com uma dieta de cozinha de fusão euro-asiática sofisticada, em vez das tradicionais salsichas alemãs.
No mínimo, o novo candidato a líder da Alemanha teria comido como um rei enquanto restabelecia a monarquia.
Uma União PatrióticaMesmo pressupondo a narrativa da acusação, Heinrich XIII, realisticamente, nunca conseguiria derrubar o governo alemão, e é tentador descartá-lo e aos seus alegados co-conspiradores como meros fantasistas.
Quase nenhum alemão acorda de manhã a questionar se a restauração da monarquia ao país ajudaria a enfrentar os seus desafios diários.
Também se tornou rapidamente claro que a maioria das comparações iniciais na comunicação social internacional com a insurreição de 6 de janeiro nos Estados Unidos era exagerada. A conspiração do príncipe Heinrich não tinha o apoio dos principais políticos alemães.
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No entanto, a verdadeira ameaça à democracia não tem apenas que ver com o sucesso desta conspiração em particular. Pelo contrário, o incidente aponta para uma ameaça mais imediata - uma onda iminente de radicalização na Alemanha e no mundo inteiro.
Apesar de a atenção da comunicação social se ter centrado principalmente nas ideias do Reichsbürger, alegadamente, o grupo de conspiradores é conhecido pelo nome “Patriotische Union” (União Patriótica).
O que une os estimados mais de 50 membros da Patriotische Union é principalmente aquilo ao qual se opõem. Além do Reichsbürger, incluem membros ligados ao movimento Querdenker, o grupo antivacinas covid-19; teoristas da conspiração alinhados com Qanon; pelo menos um membro do partido de extrema-direita Alternativa para a Alemanha e apoiantes do Die Basis, um partido marginal empenhado em, alegadamente, devolver a democracia à Alemanha. Em suma, grupos radicais com objetivos às vezes contraditórios.
“Acreditam que a Alemanha está a viver num mundo em crise existencial que os governos existentes são alegadamente incapazes de resolver.”
Thomas Weber
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No entanto, os conspiradores da Patriotische Union estão dispostos a deixar as divergências de lado para se unirem sob uma bandeira e aceitar Heinrich XIII de braços abertos. Fazem-no porque têm uma preocupação primordial em comum.
Acreditam que a Alemanha está a viver num mundo em crise existencial que os governos existentes são alegadamente incapazes de resolver. O que está em jogo é uma ligação entre a percepção da crise e a catastrófica radicalização política.
Por essa razão, a conspiração frustrada aponta para uma ameaça muito mais grave ao nosso mundo do que aquela que emana do pensamento clássico do Reichsbürger. Pois a mesma ligação estava em jogo quando a democracia entrou em colapso na Europa entreguerras.
Os conspiradores e a “perceção da crise”É verdade que a percepção da crise é a principal força motriz por trás da radicalização de vários dos alegados membros-chave da conspiração, incluindo alguns antigos oficiais paraquedistas.
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Uma das pessoas detidas em ligação com a conspiração é “Maximilian E.”, presumivelmente o antigo coronel do exército Maximilian Eder. Num livro que o próprio publicou, Eder expõe em mais de 179 páginas a forma como as inundações de 2021 na Alemanha se transformaram numa crise apenas devido a uma falha de liderança política - exigindo a intervenção de “combatentes da liberdade” como ele mesmo. Eder não comentou a detenção.
Outro suspeito detido pertencente ao ramo militar é “Peter W.”, descrito na comunicação social como Peter Wörner, um homem que dá cursos no deserto sobre “preparação para crises na Alemanha e na Europa” e “prevenção de crises”, segundo consta no site do próprio. Ensina a sobreviver em tempos de “quebra do sistema/colapso financeiro/colapso económico”. Wörner também não comentou a detenção.
E depois há o suspeito detido “Michael F.”, alegadamente Michael Fritsch, antigo político importante do Die Basis que concorreu ao parlamento alemão em 2021. O Die Basis tem uma base de apoio muito mais ampla do que o movimento Reichsbürger, tendo conseguido mais de 735.000 votos nas eleições de 2021.
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O partido foi fundado em resposta à pandemia de covid-19, na base de que a verdadeira crise era humana, ou melhor, causada pelo governo. O partido acusa erroneamente o governo de ter reduzido a vida de todos os alemães em até dez anos. O tema é literalmente apresentado como uma crise existencial de vida ou morte.
Lições da Segunda Guerra MundialMas há também motivos para preocupações muito maiores. Num discurso proferido na Suíça, Heinrich XIII procurou o motivo pelo qual a Alemanha está em crise e, ao fazê-lo, identificou erroneamente o poder do capitalismo financeiro alegadamente judaico como a origem de todos os problemas da Alemanha. Claramente, voltando aos temas dos nazis.
O comportamento e a radicalização dos conspiradores detidos na Alemanha resulta de um fenómeno bem conhecido: o de que, em tempos durante os quais domina a percepção da existência de uma policrise existencial de vida ou morte abrangente, - incluindo, mas não se limitando à Europa entreguerras - as pessoas viram-se contra quem está ao leme da política e ficam mais recetivas ao pensamento conspiratório.
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Em resumo, é nessa altura que estão reunidas as condições para o catastrófico colapso político e a radicalização.
Agora, o movimento Reichsbürger é também lar para pessoas seriamente alienadas que sentem, - por causa da percepção de que vivem num estado permanente de crise – que a democracia liberal perdeu credibilidade e, como tal, voltam-se para o autoritarismo e a política de golpes.
Paralelamente, os governos ocidentais ajudaram inadvertidamente a atiçar o fogo da radicalização em tempos de crise. Ao longo da última geração, os governos começaram a apresentar todas as crises, reais e potenciais, como um desafio político solucionável.
Por exemplo, quando os Países Baixos aprovaram a primeira Estratégia de Segurança Nacional em 2005, optaram por uma “abordagem de todos os riscos” destinada a prevenir, resolver ou mitigar desastres e crises de todos os tipos. Foram criados novos organismos, a legislação foi aprovada e o governo apresentou-se como um gestor de prevenção de crises.
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Mas, ao fazer isso, os governos ocidentais criaram expectativas no eleitorado às quais é impossível corresponder. Como as crises aconteciam fosse como fosse, os cidadãos começaram a ver os governos como criadores de crises. Involuntariamente, tudo isso encaixava perfeitamente na temática do manual populista de que o establishment político tem desiludido o povo e que são necessárias novas respostas radicais, bem como recursos humanos, para acontecer a libertação de um mundo em crise existencial.
A conspiração frustrada deve, portanto, ser entendida como o canário na mina de carvão para aquilo que está para vir, não só na Alemanha, mas no mundo inteiro, a menos que todos encontremos formas urgentes de abordar a crescente percepção da policrise em grande parte do mundo.
Segundo um famoso provérbio chinês, em cada crise há uma oportunidade. Mas, conforme a história nos ensina, em cada policrise há uma catástrofe política.
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