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NATO, ONU, EUA e UE. Ucrânia pede ajuda militar, mas ninguém intervém. Porquê?

Ocidente já foi bem claro a dizer que não vai intervir militarmente na Ucrânia. Dos EUA à União Europeia. Antigos embaixadores da NATO e da ONU explicam à CNN Portugal as razões que motivam esta decisão

“Estamos a defender o nosso país sozinhos”. Esta foi a frase marcante no final do primeiro dia de guerra na Ucrânia, e saiu da boca de Volodymyr Zelensky. O presidente do país que está a ser atacado pela Rússia voltou a insistir na ideia esta sexta-feira, e avisou mesmo a Europa de que a ação pode estar a ser muito demorada.

“Tenho a certeza que veêm isto, todos vocês, toda a Europa. Mas não vemos com clareza o que vão fazer sobre isto, como se vão defender se são tão lentos a ajudar a Ucrânia”, disse o chefe de Estado.

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Mas porque é que isto acontece? Porque não intervêm NATO, a ONU ou outros atores internacionais no conflito armado que decorre no leste da Europa? Para todos os casos, a antiga secretária de Estado da Defesa, Ana Santos Pinto, explica à CNN Portugal qual é a diferença: o Ocidente não quer desrespeitar o Direito Internacional coisa que Vladimir Putin fez. Vamos caso a caso.

A questão da NATO

As esperanças de Volodymyr Zelensky voltaram a esfumar-se depois da longa reunião do Conselho Europeu, que terminou já de madrugada. Passava das 02:00 quando António Costa reiterava uma ideia: “Que fique claro que a NATO não vai intervir na Ucrânia”. Mas porquê?

A política de defesa da NATO está consagrada no artigo número 5 do Tratado de Washington, que dita que “um ataque contra um aliado é considerado um ataque contra todos os aliados”. Não fazendo a Ucrânia parte deste tratado, acaba por ficar fora da jurisdição. A única vez que a NATO invocou este artigo para a defesa de um membro foi na sequência dos ataques terroristas do 11 de setembro de 2001 nos Estados Unidos.

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É esse mesmo artigo - "um ataque a um dos aliados é um ataque a todos"- que é invocado à CNN Portugal, pelo embaixador António Martins da Cruz. “É por isso que Portugal é protegido pela NATO. A segurança e a defesa de Portugal dependem da NATO”, explica, sublinhando que a Ucrânia não é abrangida por esta proteção, uma vez que não pertence à organização.

Sobre a NATO, o primeiro-ministro António Costa lembrou que se trata de "uma Aliança defensiva”, que tem “o dever de solidariedade para com todos os países membros da Aliança – a Ucrânia não é um país membro da Aliança . Por isso, acrescentou, "a NATO não pode naturalmente agir fora do seu próprio território sem ser em defesa dos seus membros”. No entanto, vários Estados-membros da UE “têm estado a dar apoio bilateralmente à Ucrânia, inclusive de natureza militar, com a cedência de material letal e não letal”.

Militares húngaros destacados para a fronteira com a Ucrânia (Anna Szilagyi/AP)

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Criada em 1949, na sequência da Segunda Guerra Mundial, a Organização do Tratado Atlântico Norte (NATO, na sigla original) surgiu para responder ao aparecer de um poderoso bloco de leste, liderado pela União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), e que tinha o Pacto de Varsóvia (criado em 1955) a contrapor a aliança atlântica.

Fundada por 12 países, incluindo Portugal, institui como objetivo principal a defesa dos seus membros, nomeadamente de potenciais agressões vindas de leste.

Com o passar dos anos a situação foi-se estabilizando, e o fim da URSS, em 1991, parecia uma vitória para o Ocidente. No final da última década do século XX ainda se juntaram à organização Hungria, República Checa e Polónia, países que faziam parte do Pacto de Varsóvia. Atualmente, dez países que assinaram aquele acordo estão na NATO, sendo que sete desses fazem fronteira com a Ucrânia, e três (Estónia, Letónia e Lituânia) partilham fronteira com a Rússia.

Como na altura, a NATO continua a sustentar hoje que o objetivo da sua criação é puramente “defensivo”, caráter que se aplica aos seus membros. Essa é mesmo uma das aparentes razões da invasão russa à Ucrânia, com Vladimir Putin a querer evitar, a todo o custo, uma adesão ucraniana àquela organização, o que daria a possibilidade de a NATO defender aquele país no terreno.

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“Nenhum dos aliados, incluindo Portugal, vai enviar tropas para combater ao lado das tropas da Ucrânia contra o exército russo”, nota Martins da Cruz, esclarecendo que essa atitude é uma na tentativa do Ocidente evitar que a guerra ganhe outras proporções, até porque a Rússia é a segunda maior potência nuclear do mundo.

Na prática, a NATO não pode intervir em territórios para lá dos seus membros, mas sempre acontece assim.

Do ponto de vista nacional, Portugal participa neste esforço coletivo em várias missões e Operações, nomeadamente na região do Báltico, no Mediterrâneo, no Atlântico, no Afeganistão, Bósnia ou no Kosovo.

antiga secretária de Estado da Defesa, Ana Santos Pinto explica que se tratam de situações diferentes, que, além de terem ocorrido há mais tempo, diziam respeito a conflitos localizados, centrados em questões como genocídio, em que uma parte do Estado sufoca outra.

Além disso, nota a especialista, nem a NATO nem nenhuma outra organização querem envolver-se em conflito direto com a Rússia, uma vez que isso traria consequências devastadoras, tendo em conta a proliferação de armas nucleares de ambos os lados.

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Assim, o que cabe à Aliança Atlântica é o garantir de que os seus membros estão protegidos, tentando forças as tropas russas a um recuo por meio da dissuasão, mostrando e explicando que um conflito seria mau para todos.

Mulher empurra carrinho de bebé minutos depois de passar a fronteira da Ucrânia para a Roménia (Alexandru Dobre/AP)

“Se a NATO fizesse uma intervenção e entrasse em conflito direto com a Rússia seria absolutamente catastrófico. Essa não é a solução”, afirma Ana Santos Pinto.

No caso da Ucrânia, refira-se, a NATO chegou a enviar alguns materiais antes de a guerra começar. Agora, explica Martins da Cruz, o envio de mais materiais poderia ser considerado pela Rússia como um ato de hostilidade, o que faria escalar ainda mais a tensão.

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E os capacetes azuis?

A Organização das Nações Unidas (ONU) tem cerca de 70 mil operacionais que contribuem para a força militar em todo o globo, e que são fornecidos pelos 193 Estados-membros. São os chamados capacetes azuis, que, de acordo com a organização, "promovem a estabilidade, segurança e os processos de paz", além de trabalharem com as comunidades locais. Para já, uma intervenção militar está afastada, e, ironia das ironias, a Rússia é a grande razão.

Existe um fator à partida relevante para esta questão. Desde o início de fevereiro que a Rússia detém a presidência rotativa do Conselho de Segurança da ONU (no qual tem lugar permanente), um papel largamente administrativo, mas que dá a Vladimir Putin a possibilidade de ir jogando com o calendário, adiando reuniões onde a situação poderia ser discutida.

O embaixador António Monteiro, que representou Portugal na ONU, lembra à CNN Portugal que, sendo a Rússia um dos cinco membros permanentes do Conselho de Segurança, a organização fica "de mãos e pés atados".

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O que poderia ser feito era um pedido de ajuda para a manutenção da paz, caminho que não poderia ocorrer por duas razões: não existe paz para manter atualmente, e a Rússia vetaria sempre essa resolução.

A solução podia ser suspender a Rússia da ONU, como aconteceu em tempos à África do Sul, durante o Apartheid, mas a condição de membro permanente voltaria a tornar isso impossível. António Monteiro fala mesmo numa "aristocracia" de países quando se refere aos membros permanentes do Conselho de Segurança, referindo que "todos os caminhos vão dar ao veto da Rússia".

É isso mesmo que Ana Santos Pinto refere, lembrando que as resoluções do Conselho de Segurança não podem ter votos contra, como aconteceria neste caso, sendo expectável que essa fosse a decisão russa. Isso deita por terra a possibilidade de uma intervenção da ONU, que surgiria na sequência de um pedido de ajuda da Ucrânia, mas que seria sempre recusado pelo Conselho de Segurança.

"Todas as resoluções têm de ser aprovadas por unanimidade dos membros permanentes. Podem existir abstenções, mas não o veto, que seria antecipável", diz.

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Para especialistas internacionais citados pela agência Reuters, a ação da ONU deve decorrer de forma semelhante ao que aconteceu com a anexação da Crimeia, em 2014. Desde então, o Conselho de Segurança das Nações Unidas reuniu-se dezenas de vezes para discutir a situação.

Num dos atos mais importantes, logo em março de 2014, a ONU realizou uma votação para se opor a um referendo que ia decidir se a Crimeia fazia ou não parte da Ucrânia. Na altura a proposta recebeu 13 votos a favor, sendo que a China se absteve e a Rússia vetou, chumbando assim a proposta.

A ONU tentou então demonstrar que a Rússia estava isolada internacionalmente, e pediu que os 193 membros votassem em Assembleia Geral, onde não há poder de veto, para declarar o referendo como inválido. Aí, 100 votaram a favor, 58 abstiveram-se e 11 votaram contra.

Estados Unidos de fora, incluindo a população

Habituados a várias guerras ao longo das décadas (Coreia, Vietname, Iraque ou Afeganistão), os Estados Unidos já deixaram claro que não vão intervir militarmente em solo ucraniano. Qual é a diferença?

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Muito ativo nos canais diplomáticos, o presidente dos Estados Unidos está a evitar claramente um envolvimento de tropas. De resto, desde o início do conflito, Joe Biden até ordenou a retirada de conselheiros militares que estavam na Ucrânia.

De acordo com os analistas internacionais, existe um fator preponderante: o facto de a guerra não estar a ocorrer perto da fronteira norte-americana, nem sequer de uma base militar do país. Além disso, a Ucrânia não tem reservas de petróleo estratégicas, e nem sequer é um país considerado importante nas transações comerciais. Mas outras alturas houve em que o mesmo aconteceu, com os Estados Unidos a tomarem decisões diferentes: Bill Clinton ordenou uma intervenção militar após o colapso da Jugoslávia e Barack Obama enviou tropas para a guerra civil na Líbia, em grande parte por razões humanitárias.

Antes disso, George H. W. Bush justificou uma ação internacional para expulsar as forças iraquianas do Kuwait, na altura muito apoiado pelos principais conselheiros, que falavam na força da lei contra a selva.

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Ao contrário disso, os conselheiros de Joe Biden afastam a hipótese de operações militares, preferindo a aplicação de sanções económicas, muitas das quais já em vigor.

Os analistas internacionais atribuem esta postura norte-americana a uma espécie de “instinto não-intervencionista” de Joe Biden, algo que o presidente foi desenvolvendo ao longo do tempo, até porque, na década de 1990, apoiou a entrada nos Balcãs, tal como fez na entrada americana no Iraque em 2003. Mais tarde, porém, acabaria por se opor à ida para a Líbia.

Um dos grandes influenciadores do presidente será o seu principal diplomata, Antony Blinken, que entende que a segurança nacional passa, atualmente, pelo combate às alterações climáticas e pela competição económica com a China. Esse será um ponto também relevante, porque a China, que parece ficar à margem de todo o conflito, ficaria a assistir ao desgaste americano provocado por uma guerra.

Além disso, e de acordo com uma sondagem da AP-NORC, 72% dos norte-americanos consideram que o país deve desempenhar um papel minoritário no conflito, sendo que alguns desses pensam mesmo que os Estados Unidos não devem intervir de todo.

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O artigo número 5 do tratado de Washington também se aplica aos Estados Unidos, o que foi relembrado por Antony Blinken.

Mas, se os Estados Unidos afastam uma intervenção na Ucrânia, o mesmo não acontece no resto dos países. Joe Biden já ordenou o envio de mais tropas para países aliados da NATO, garantindo a segurança dos mesmos, sobretudo daqueles que ficam perto da fronteira ucraniana.

“Se [Vladimir Putin] avançar para países da NATO, vamos envolver-nos”, afirmou Joe Biden.

União Europeia, que "não é uma organização militar"

A questão da União Europeia (UE) foi resumida pelo primeiro-ministro português. António Costa, disse em Bruxelas que a UE “não é uma organização militar”.

 “A UE não é uma organização militar e, portanto, o que aprovámos foi o endossar de uma proposta que a Comissão Europeia apresentou”, de um segundo pacote de sanções, a ser adotado pelos ministros dos Negócios Estrangeiros numa reunião em Bruxelas, disse.

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O pacote, assinalou António Costa, contém sanções duras “que visam atingir em particular o setor financeiro, o setor da energia, o setor dos transportes, limitar a capacidade de financiamento internacional das empresas estatais russas e do Estado russo, e também limitar a concessão de vistos a titulares de passaportes diplomáticos ou de serviço”.

As palavras do primeiro-ministro ecoaram aquilo que vinha sendo dito pelos chefes de Estado e de governo dos 27, que veêm na UE apenas a capacidade de aplicar as tais sanções.

Sobre a União Europeia, Ana Santos Pinto lembra que é uma instituição que costuma estar vinculada às resoluções do Conselho de Segurança da ONU.

Questionado sobre se a Ucrânia não está a ser deixada sozinha perante a agressão russa, António Costa sublinhou que “a resposta que o Conselho deu foi apoio financeiro, apoio humanitário, apoio à Ucrânia”, além de “um conjunto de medidas muito duras relativamente à Rússia e a um conjunto de personalidades russas e também da Bielorrússia”, sendo que, “simultaneamente, na NATO, vão ser adotadas medidas tendo em vista uma ação dissuasora”.

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“Portanto, a solidariedade que a UE pode expressar traduziu-se na medida em que a UE pode agir. Como é sabido, a UE não é uma organização de natureza militar, portanto não pode naturalmente dar apoio militar à Ucrânia”, reiterou.

Observando que “a Rússia passou da violação do direito internacional a uma ação de guerra contra um país livre e democrático, e, portanto, trata-se de uma guerra contra a liberdade de autodeterminação de um país democrático”, António Costa abordou a intervenção do presidente ucraniano na cimeira.

“O Conselho teve a oportunidade de dialogar por videoconferência com o presidente Volodymyr Zelensky, o que foi um momento particularmente dramático, mas também emocionante”, disse ainda.

Segundo António Costa, Zelensky relatou o que está a acontecer no território, “desmentindo claramente a versão de que se trata de uma missão militar focada nas regiões separatistas”. Pelo contrário, assiste-se a “um conjunto de ações em larga escala cobrindo todo o território da Ucrânia, designadamente a sua capital Kiev”, disse.

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António Costa sublinhou ainda que, “obviamente, se a Rússia prosseguir” a sua agressão, a UE “considerará medidas suplementares”, tendo já mandatado a Comissão para estudar um terceiro pacote de sanções.

Havia três vias, mas uma delas só Putin escolheu

Segundo Ana Santos Pinto, havia três vias de o Ocidente intervir militarmente na Ucrânia. Uma delas seria por intermédio da NATO, que teria de aprovar uma resolução do Conselho de Segurança, votada depois de um pedido de ajuda ucraniano. Como vimos, e tendo em conta o papel da Rússia na organização, isso seria impossível.

A outra via era a Ucrânia ter acordos bilaterais de defesa, algo que a investigadora de Relações Internacionais diz que não existe.

A terceira via, sublinha a especialista, é impensável para o Ocidente, mas foi a tomada por Vladimir Putin;"Não cumprir as regras do Direito Internacional e violar essas regras, não respeitando a integridade territorial".

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