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“É inaceitável!” Embaixador chinês provoca fúria europeia

Embaixador chinês causa indignação europeia com sugestão de que antigos Estados soviéticos não existem

Os países europeus estão a exigir respostas de Pequim depois de o seu diplomata de topo em Paris ter questionado a soberania das antigas repúblicas soviéticas. Os seus comentários poderão minar os esforços da China para ser vista como um potencial mediador entre a Rússia e a Ucrânia.

As afirmações do embaixador da China em França, Lu Shaye, que durante uma entrevista televisiva disse que os países da ex-URSS não têm “estatuto efetivo no direito internacional”, causaram consternação diplomática, especialmente nos Estados Bálticos.

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A Lituânia, Letónia e Estónia instaram representantes chineses a prestar esclarecimentos, segundo confirmou esta segunda-feira o ministro dos Negócios Estrangeiros lituano, Gabrielius Landsbergis.

Vários representantes oficiais, incluindo da Ucrânia, Moldávia, França e União Europeia, também responderam com as suas próprias críticas aos comentários de Lu.

Lu fez estas observações em resposta a uma pergunta sobre se a Crimeia, que foi ilegalmente anexada pela Rússia em 2014, fazia parte da Ucrânia.

“Mesmo estes países ex-soviéticos não têm um estatuto efetivo no direito internacional, porque não houve um acordo internacional para materializar o seu estatuto de países soberanos”, disse Lu, depois de notar primeiro que a questão da Crimeia “depende de como o problema é percecionado”, uma vez que a região era “no princípio russa” e depois foi “oferecida à Ucrânia durante a era soviética”.

As observações pareceram negar a soberania de países que se tornaram Estados independentes e membros das Nações Unidas após a queda da União Soviética, em 1991 - e surgem no meio da invasão brutal da Ucrânia pela Rússia, sob a liderança de Vladimir Putin, cuja visão defende que o país deverá fazer parte da Rússia.

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Até agora, a China recusou-se a condenar a invasão russa da Ucrânia ou a apelar à retirada das suas tropas, apelando em vez disso à contenção por “todas as partes” e acusando a NATO de alimentar o conflito. A China tem também continuado a aprofundar os laços diplomáticos e económicos com Moscovo.

Quando questionado sobre os comentários de Lu, um porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros da China disse numa conferência de imprensa regular esta segunda-feira que a China respeita o “estatuto de Estado soberano” dos países da ex-União Soviética.

“Depois da dissolução da União Soviética, a China foi um dos primeiros países a estabelecer laços diplomáticos com os países em questão... A China sempre aderiu aos princípios de solicitação mútua e igualdade no seu desenvolvimento de relações bilaterais amigáveis e de cooperação”, disse o porta-voz Mao Ning, sem abordar diretamente questões sobre os pontos de vista de Lu.

“Esperamos que a China explique a sua posição de forma inequívoca”

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Entretanto, o chefe dos Negócios Estrangeiros da UE, Josep Borrell, disse que a China seria tema de debate durante uma reunião de ministros dos Negócios Estrangeiros na segunda-feira.

“Temos falado muito sobre a China nos últimos dias, mas teremos de continuar a debater a China, porque é uma das questões mais importantes para a nossa política externa”, disse Borrell.

Os ministros dos Negócios Estrangeiros da UE irão também abordar a situação na Moldávia e na Geórgia, uma vez que estes países “veem a guerra [na Ucrânia] muito de perto, sentem a ameaça”, acrescentou.

A Moldova é um pequeno país na fronteira sudoeste da Ucrânia, que foi apanhado no fogo cruzado da invasão russa.

A Geórgia, que faz fronteira com a Rússia a leste, também tem estado sob os holofotes, depois de terem surgido protestos por causa de uma controversa lei sobre agentes estrangeiros, semelhante à adotada pelo Kremlin para reprimir a dissidência política.

“Para nós, a Geórgia é um país muito importante e não podemos esquecer que tem problemas de segurança específicos, uma vez que o seu território está parcialmente ocupado pela Rússia”, afirmou Borrell.

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No domingo, Borrell afirmou que os comentários do embaixador chinês eram “inaceitáveis” e que “a UE apenas pode supor que estas declarações não representam a política oficial da China”.

A França também reagiu no domingo, com o seu Ministério dos Negócios Estrangeiros a declarar a sua “total solidariedade” com todos os países aliados afetados e a apelar à China para que esclareça se estes comentários refletem a sua posição, de acordo com a Reuters.

A Alemanha disse que espera que a China explique a sua posição sobre a soberania dos antigos Estados soviéticos, dizendo que “tomou nota das declarações do embaixador chinês na televisão francesa com grande espanto, especialmente porque as declarações não estão em linha com a posição chinesa conhecida até agora”.

“Claro que esperamos que a China explique inequivocamente a sua posição”, disse na segunda-feira o porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros alemão, Christian Wagner.

Como a Federação Russa e os outros Estados que emergiram da dissolução da União Soviética se reconheceram mutuamente como Estados soberanos dentro das suas fronteiras, “a soberania e integridade territorial destes Estados é inviolável”, acrescentou Wagner.

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Vários líderes de antigos Estados soviéticos, incluindo a Ucrânia, reagiram rapidamente após a entrevista, que foi transmitida na sexta-feira na estação francesa LCI.

O ministro dos Negócios Estrangeiros da Letónia, Edgars Rinkevics, apelou a uma “explicação do lado chinês e a uma completa retratação desta declaração” numa publicação no Twitter no sábado. Rinkevics comprometeu-se a levantar a questão durante a reunião dos ministros dos Negócios Estrangeiros da UE na segunda-feira, onde se espera que as relações com a China sejam discutidas.

“Estamos surpreendidos com as declarações chinesas (do embaixador) que questionam a soberania dos países que declararam a independência em 91. O respeito mútuo & integridade (territorial) têm sido fundamentais para os laços Moldova-China”, disse o Ministério moldavo na sua conta oficial no Twitter.

“As nossas expectativas são de que estas declarações não representem a política oficial da China”.

“É estranho ouvir uma versão absurda da 'história da Crimeia' de um representante de um país que é escrupuloso acerca dos seus mil anos de história”, escreveu também no Twitter Mykhailo Podolyak, conselheiro da Administração Presidencial da Ucrânia.

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“Se queres ser um ator político importante, não papagueies a propaganda de forasteiros russos”, acrescentou.

Os laços europeus da China

Esta não é a primeira vez que Lu - uma voz proeminente entre os chamados diplomatas agressivos do “guerreiro-lobo” da China - suscita controvérsia pelas suas opiniões.

“Ele tem sido um conhecido provocador”, disse Jean-Pierre Cabestan, professor de Ciência Política na Universidade Baptista de Hong Kong.

“Mas ele é um diplomata, representa o seu governo, pelo que isso de alguma forma reflete o pensamento na China sobre o assunto", disse ele, acrescentando, contudo, que este “não é o momento para a China pôr em risco a sua relação” com França.

Os comentários colocam Pequim sob os holofotes num momento particularmente sensível para a sua diplomacia europeia.

Os laços azedaram quando a Europa observou com inquietação o estreitamento do relacionamento da China com a Rússia e sua recusa em condenar a invasão de Putin.

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Nos últimos meses, Pequim tem procurado corrigir a sua imagem, destacando a sua declarada neutralidade no conflito e o seu desejo de desempenhar um “papel construtivo”no diálogo e na negociação, alimentando ainda mais o debate nas capitais europeias sobre como calibrar a sua relação com a China, que é um parceiro económico chave.

Esse debate intensificou-se este mês, depois de uma visita a Pequim do Presidente francês, Emmanuel Macron, que assinou uma série de acordos de cooperação com a China durante uma viagem que ele enquadrou como sendo uma oportunidade para começar a trabalhar com Pequim para promover a paz na Ucrânia.

Xi Jinping e Emmanuel Macron no jardim da residência do Governor de Guangdong, a 7 de abril 2023. Foto Jacques Witt _ Pool AFP via Getty Images

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Entre os que criticam tal abordagem na Europa estão vozes nos ex-estados soviéticos, onde muitos se lembram de estar sob o regime autoritário comunista.

“"Se alguém ainda se pergunta por que razão os Estados Bálticos não confiam na China para 'intermediar a paz na Ucrânia', eis um embaixador chinês a defender que a Crimeia é russa e que as fronteiras dos nossos países não têm base legal”, escreveu o ministro dos Negócios Estrangeiros lituano, Landsbergis, no Twitter no sábado, a seguir à entrevista de Lu.

Moritz Rudolf, investigador no Centro Paul Tsai China da Faculdade de Direito de Yale, nos EUA, disse que a China tinha sido “cada vez mais bem-sucedida em ser vista como uma potência responsável que poderá desempenhar um papel construtivo num processo de paz na Ucrânia”.

“Resta saber se a liderança em Pequim se apercebe do quanto essas palavras podem ser prejudiciais para as suas ambições na Europa, se o Ministério dos Negócios Estrangeiros não distanciar a (República Popular da China) das palavras do Embaixador Lu", afirmou.

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E acrescentou que a “posição e prática oficiais da China” contradizem os comentários de Lu, inclusive porque a China não tinha reconhecido a soberania da Rússia sobre a Crimeia ou qualquer território anexado desde 2014.

Outras vozes sugerem que as observações de Lu podem também lançar luz sobre as verdadeiras prioridades diplomáticas de Pequim.

Para a Rússia, desistir do controlo da Crimeia é amplamente visto como um obstáculo em qualquer acordo de paz em potencial na Ucrânia. Isto significa que Pequim pode ter dificuldade em dar uma resposta direta a esta questão, segundo explica Yun Sun, diretor do Programa China no Stimson Center, sediado em Washington.

“A questão é impossível de responder para a China. A relação da China com a Rússia é de onde vem a sua influência”, disse ela, acrescentando que isso não significava que Lu poderia ter dado uma “resposta melhor”.

“Entre sabotar a relação da China com a Rússia e enfurecer a Europa, (Lu) escolheu a última”.

Radina Gigova, Inke Kappeler, Xiaofei Xu e Wayne Chang, da CNN, contribuíram para este artigo.

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