A 17 de junho, a Comissão Europeia recomendou que a Ucrânia (e a Moldova) recebessem o estatuto de país candidato à UE com o "entendimento" de que são necessárias mais reformas. Esta decisão tem um significado histórico tanto para a Ucrânia como para a Europa.
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Desde que o presidente Putin iniciou a sua brutal guerra, a 24 de fevereiro, o povo ucraniano tem lutado não só pela sua existência e soberania, mas também pela defesa dos valores europeus da democracia e dos direitos e liberdades fundamentais. Mas esta é uma luta que na verdade começou já durante a Revolução Laranja de 2004 e continuou nos protestos Euromaidan de 2013.
Agora que a Comissão deu uma recomendação positiva, a Ucrânia deve receber o estatuto de país candidato sem condições ex ante na reunião do Conselho Europeu de 23 e 24 de junho.
Isto enviaria um sinal forte de que a Ucrânia faz parte da família da UE, não um parente distante. Seria um enorme alento moral para os ucranianos num momento crítico da guerra. E clarificaria também a natureza das futuras relações entre Kiev e Bruxelas, bem como o rumo do desenvolvimento da Ucrânia a médio e longo prazo.
Além disso, enviaria uma mensagem forte ao Kremlin de que o despertar geopolítico da UE é uma realidade e não apenas um mito. A não atribuição do estatuto de candidato seria um erro e revelaria uma Europa dividida sem uma orientação estratégica clara. Com efeito, isto seria uma dádiva para a Rússia e outros atores globais que desejam alterar a atual ordem internacional. Seria mais uma ‘entrada de leão, saída de sendeiro’ da UE.
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Por último, qualquer passo a não ser a concessão do estatuto de candidato à Ucrânia poderia minar a unidade transatlântica que neste momento é fundamental para enfrentar a ameaça da Rússia à segurança da Europa.
O primeiro passo de uma longa viagemO estatuto de país candidato não é uma garantia estanque da adesão à UE. Pelo contrário, trata-se do primeiro passo num longo caminho de reformas. Não há entrada rápida ou atalhos para o clube da UE. Com a guerra ainda em curso, Kiev terá dificuldade em implementar rapidamente a totalidade dos critérios de adesão, ou seja, os critérios de Copenhaga.
Mas a Ucrânia não está a começar do zero. Está a implementar um Acordo de Associação e um Acordo de Comércio Livre Abrangente e Aprofundado com a UE desde 2014. Muitos dos requisitos foram já cumpridos com sucesso. Como reconheceu a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, a Ucrânia já cumpre 70% das regras, normas e padrões da UE.
Embora persistam muitos desafios, nomeadamente em questões como a corrupção, a independência do poder judicial ou a influência indevida de oligarcas, a Ucrânia de hoje é um país totalmente diferente de há uma década. Com efeito, a Ucrânia progrediu mais no seu caminho de reforma do que alguns países dos Balcãs Ocidentais que estão atualmente a negociar a sua adesão à UE.
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A sociedade civil ucraniana também desempenha um papel vital. O seu ativismo, robustez e pressão têm sido cruciais na transformação da Ucrânia e na prossecução das aspirações europeias do país. Dinâmica e engenhosa a nível nacional e local, a sociedade civil tem agido como um importante ‘fiscalizador’ do governo e continuará a ser uma força motriz nos próximos meses e anos. As reformas que a Ucrânia tem de empreender não fazem apenas parte de uma lista de critérios para a adesão à UE; elas são também do interesse dos ucranianos.
Sem alternativas, sem hesitaçõesA confirmação da Ucrânia como país candidato requer a aprovação unânime dos 27 líderes da União.
Apesar das palavras de apoio e solidariedade, alguns países da UE continuam relutantes. Isto reflete a falta de apetite político, que já vem de trás, para alargar a União, mas que se acentua quando a UE enfrenta múltiplas crises e a sua política de alargamento está desatualizada. A França e a Alemanha acabaram por dar o seu apoio ao "estatuto de candidato imediato" da Ucrânia durante uma visita a Kiev a 16 de junho, e os Países Baixos parecem estar a mudar de posição. Mas outros países como a Dinamarca e Portugal continuam céticos.
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Além disso, não é claro se os líderes da UE tencionam condicionar a atribuição do estatuto de candidato à Ucrânia exigindo requisitos adicionais. Tal seria política e estrategicamente incompreensível, dada a avaliação positiva da Comissão Europeia, e daria a ideia de que estão a ser erguidas barreiras artificiais ao país.
Deixar a Ucrânia no limbo com uma meia promessa de adesão seria uma receita para o desastre. Kiev sentir-se-ia abandonada e Moscovo receberia a mensagem de que a UE continua dividida e fraca e não leva a sério a atual situação na Ucrânia. Por outras palavras, seria uma bênção para ser explorada pela máquina de propaganda do Kremlin e reforçar o apetite de Putin para construir uma esfera de influência no flanco oriental da Europa.
O “Zeitenwende” da política de alargamentoPara se tornar um ator geopolítico, o fortalecimento da política de alargamento deve ser uma questão prioritária para a UE. O bloco não deve esquecer os benefícios de soft power do alargamento e deve oferecer um processo de adesão à UE mais credível e equipado com melhores instrumentos e incentivos.
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É, pois, urgente injetar nova vida no processo de alargamento da UE através de ideias inovadoras e abandonar a atual abordagem do ‘tudo ou nada,’ em que os candidatos têm de esperar até ao final de um longo processo para serem integrados na UE. Esta abordagem poderia e deveria ser substituída por um método de integração faseada que recompensa reformas e progresso na implementação dos requisitos para a adesão com medidas faseadas de integração em diferentes políticas da UE. Qualquer inversão reformista deve igualmente resultar num congelamento do processo.
Mas, se de facto, a guerra lançada pela Rússia à Ucrânia a 24 de fevereiro foi um "momento de viragem", nas palavras de Ursula von der Leyen; "un tournant dans l'Histoire de l'Europe", como disse Emmanuel Macron; ou um "Zeitenwende" à la Olaf Scholz, então a política de alargamento precisa tanto de ser repensada como a política energética da UE ou as cadeias de abastecimento.
Uma terceira via?A ideia da "comunidade política europeia" do presidente Macron está também em cima da mesa. Uma espécie de ‘antecâmara’ ou estatuto provisório, aquela facilitaria o reforço das relações entre a UE e países em diferentes fases no processo de adesão – e mesmo com outros países europeus que não desejam tornar-se membros. Tal como foi comunicada até agora, a CPE estaria aberta a todos os países europeus não membros da EU – da Ucrânia ao Reino Unido.
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Sendo uma proposta ainda com poucos detalhes conhecidos e entendida como uma alternativa à adesão, a Ucrânia rejeitou imediatamente a ideia.
Mas se o conceito de Macron não for concebido como uma alternativa ao processo de adesão ou um expediente, mas sim como algo que acrescenta valor real e imediato, então não deve ser rejeitado à partida.
Um imperativo geopolítico e moralUma União geopolítica não será feita de discursos, mas de decisões concretas, de ações e de visão estratégica. Conceder à Ucrânia o estatuto de país candidato à UE é imperativo para tornar a UE num ator global mais relevante e fiável. É também o dever moral da Europa para com todos os ucranianos que derramaram lágrimas, sangue e vidas pelo seu sonho europeu.
Ricardo Borges de Castro é Diretor Associado e Chefe do Programa ‘Europa no Mundo’ do European Policy Centre.
Amanda Paul é Analista Sénior no Programa ‘Europa no Mundo’ do European Policy Centre.
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