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Nuno Rebelo de Sousa não cedeu, nem depois de ameaçado. E não respondeu a nada sobre o caso das gémeas

Sem surpresas, o filho do Presidente da República não respondeu a nenhuma pergunta dos parlamentares da Comissão de Inquérito. Durante duas horas, não quebrou o silêncio - exceto para dizer o seu nome completo e a sua profissão. Deputados dizem que pode estar em causa um crime de desobediência qualificada

Que relação tem com o antigo secretário de Estado da Saúde, António Lacerda Sales, e com a mãe das gémeas? O que procurou atingir quando chamou de “pai” em e-mails enviados ao gabinete de Marcelo Rebelo de Sousa? Porque é que escreveu à Casa Civil do Presidente da República a pedir que se acelerasse o tratamento às gémeas? Considera-se lobista? Recebe ou não contrapartidas? Em que outros casos é que pediu ajuda ao pai? É um “Robin dos Bosques da Solidariedade”? Durante duas horas, os deputados da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) ao alegado favorecimento no tratamento milionário das gémeas no Hospital de Santa Maria, questionaram, insistiram, ironizaram, levantaram a voz e ‘tiraram coelhos da cartola’ para tentar levar Nuno Rebelo de Sousa a dizer mais do que o seu nome completo, idade, morada e profissão.

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Mas falharam. Em nenhum momento da audição, o filho do Presidente da República contornou o guião que, nos primeiros minutos, leu em voz alta. Nele explicava que, devido à “coincidência entre o objeto deste inquérito e o objeto do processo” - que corre termos no Ministério Público e no qual é arguido -, iria “exercer o direito ao silêncio”. “O meu silêncio nesta comissão é integral pois foi esse o conselho profissional que recebi e que sigo”, afirmou, desde logo.

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E assim foi, mesmo relativamente a perguntas fora do âmbito da investigação, como, por exemplo, se considerava bom ou mau o preço que se tem de pagar para ter acesso ao Zolgensma - o medicamento que custa dois milhões de euros e que foi dado às gémeas luso-brasileiras. Nuno Rebelo de Sousa manteve a mesma resposta a tudo: “Pelas razões referidas, não respondo".

E essa resposta, muitas vezes acompanhada por um apertar de lábios, manteve-se mesmo perante o risco de vir a enfrentar consequências legais. Só João Almeida, deputado do CDS, conseguiu arrancar do filho de Marcelo Rebelo de Sousa algo que não fosse um "não respondo" e conseguiu-o perguntando o básico - ou seja, que se identificasse: “Pedia ao presidente da comissão que questionasse a testemunha sobre o que faz da vida".

Nuno Rebelo de Sousa respondeu que era diretor da EDP Brasil, onde trabalha há 11 anos, e também respondeu que não tem qualquer outra ocupação. Nesse momento, o deputado centrista jogou outra carta: sustentando-se na alínea 3 do artigo 138.º do Código de Processo Penal que manda que durante a identificação do depoente também se identifique outras relações de interesse com testemunhas ou partes do processo, perguntou-lhe que relação tinha com a mãe das gémeas, Daniela Martins, e com o ex-governante António Lacerda Sales. 

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“Pelas razões referidas, não respondo", devolveu o filho de Marcelo. “Não pode não responder”, argumentou João Almeida, sublinhando que é uma mera questão de identificação que não lhe coloca em risco de se autoincriminar. Nuno Rebelo de Sousa não cedeu e foi ameaçado: “Está a desobedecer a uma obrigação de qualquer testemunha”, "teremos de ponderar a existência de um eventual crime de desobediência qualificado", afirmou João Almeida. 

Audição de Nuno Rebelo de Sousa no Parlamento/ LUSA

Mais tarde, também os deputados de PS, PAN e Bloco viriam a olhar para esta recusa como possível alvo criminal. "Que se retire as legais consequências da ausência de resposta àquilo que era legalmente exigível hoje", pediu Inês de Sousa Real. "Para além de estar em desobediência segundo o enquadramento legal, é um desrespeito enorme para todas as pessoas que arrastou para isto", atacou, por seu lado, o socialista João Paulo Correia.

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Por não ter respondido a nada, disseram os deputados, neste caso presume-se todas as teorias. Tanto a de que é um bom samaritano numa “história de ficção que parece um livro best-seller”, como descreveu o social-democrata António Rodrigues; como a de que é um “lobista, convencido por alguma contrapartida, direta ou indireta”, referiu a bloquista Joana Mortágua.

Sem respostas, os deputados colocaram como hipótese voltar a chamar o filho do Presidente da República no futuro, caso se verifiquem desenvolvimentos ou caso repita a estratégia de "ir novamente para a imprensa fazer comentários" sobre a investigação (referindo-se a uma entrevista para a revista Sábado), como observou João Paulo Correia, deputado do PS, que condenou também o facto de Nuno Rebelo de Sousa ter omitido o seu estatuto de arguido quando foi contactado pelo Parlamento.

Enquanto progressivamente iam percebendo que Nuno Rebelo de Sousa dificilmente cederia, os deputados aproveitaram o tempo que tinham para desferirem golpes ao filho de Marcelo, dramatizando o impacto que este caso teve no pai. “Tem noção que criou para o Presidente da República um dos maiores problemas que a nação alguma vez teve?”, perguntou André Ventura, que o apelidou de “rosto do que é uma cunha em Portugal”.

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E apontaram também contradições a depoimentos anteriores, como afirmou Joana Mortágua: "Nuno Rebelo de Sousa tem negado conhecer os pais das gémeas, mas ao Ministério Público terá dito que a mãe lhe enviou informação por WhatsApp e reenviou a mesma para Lacerda Sales depois de uma reunião entre ambos." 

Esta quarta-feira, a Comissão Parlamentar de Inquérito aprovou mais três audições - já são mais de 50 - sobre este caso. Os deputados vão chamar ao Parlamento os ex-ministros Augusto Santos Silva (à data ministro dos Negócios Estrangeiros), Francisca van Dunem (antiga ministra da Justiça) e a mulher de Nuno Rebelo de Sousa, Juliana Drummond.

A justificação para esta última audição, pedida pelo PSD, surge porque a mulher de Nuno Rebelo de Sousa recebeu um e-mail da mãe das gémeas a agradecer a ajuda de Lacerda Sales e, nesse e-mail, aparece um endereço que liga o nome de Juliana Drummond ao de uma seguradora. “Pode haver uma ligação entre o benefício que a companhia de seguros poderia ter neste processo”, justificou António Rodrigues.

No final de junho, a TVI e a CNN Portugal noticiaram que o tratamento das gémeas luso-brasileiras no SNS poupou milhões de euros à seguradora brasileira que, até então, pagava o primeiro tratamento das crianças com outro medicamento. Esta mesma seguradora pertencia a uma empresa que, na altura, era dona do hospital privado Lusíadas, onde a família das gémeas chegou a garantir a marcação de uma consulta com a mesma médica do hospital Santa Maria.

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