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Surpresa: uma derrota de Trump, um alívio de Biden (análise)

O tsunami vermelho passou a onda, a onda a ondulação, e até ela veio a conta-gotas. O Partido Republicano não esmagou o Partido Democrata nas eleições intercalares desta madrugada. No apurar mais recente de resultados, a corrida pelo Senado mantém-se incerta e até as projeções do Congresso oferecem alguma esperança à maioria incumbente.

À meia-noite americana, nosso crepúsculo, ainda estava tudo em aberto ‒ e só isso já era uma vitória para um Presidente que esperava o pior.

Os republicanos, mesmo que consigam recuperar a câmara dos representantes, já não o farão por margens astronómicas como as obtidas, por exemplo, em 2010, frente ao primeiro mandato de Barack Obama, quando roubaram 63 assentos ao partido então na Casa Branca. Ontem ‒ ou hoje, consoante o fuso horário ‒ não foi assim. Não houve avalanche trumpista, nem arraso a Biden. Os ganhos no Congresso podem não ultrapassar as duas dezenas.

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Os 43 milhões de votantes antecipados escudaram os democratas do descontentamento com a inflação e o aumento do custo de vida. Uma repartição invulgarmente equitativa dos eleitores independentes, que habitualmente favorecem quem está na oposição, também serviram de cama de rede à presidência de Joe Biden no trapézio desta noite. Corridas senatoriais que os republicanos ambicionavam disputar ‒ Washington, Colorado, New Hampshire ‒ não se aproximaram disso.

Havia um otimismo na atmosfera conservadora quando o dia começou; as suas expectativas saíram rogadas.

Na oposição sem estar na oposição

O que levou os republicanos a não concretizarem uma dinâmica de vitória contra um Presidente sem popularidade, uma perda de poder de compra dolorosa e a subida de juros da Reserva Federal? Não é claro ainda, sendo cedo para certezas.

A reversão de direitos reprodutivos este ano, pelo Supremo Tribunal, poderá ter emprestado uma falsa sensação de poder à direita, retirando-lhe o favoritismo que historicamente beneficia quem está na oposição nas intercalares. As projeções confirmam esse favoritismo republicano, mas numa moldura de subperformance. Em resumo: esperavam melhor, muito melhor. Em bom português: ganhando, ganham por poucochinho.

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Isto, num cenário de crise económica, é um alívio para os democratas e uma surpresa para todos.

Como perguntava com pertinência o Washington Examiner, jornal à direita, “terá o otimismo republicano sido suplantado pela realidade?”. 

Depois da radicalização, a radicalização

Este é um cenário mau para os republicanos, péssimo para Trump e não necessariamente positivo para a democracia americana. Por um lado, porque se a maioria republicana for diminuta obriga a liderança de bancada a negociar com as fações mais extremistas do seu partido. Por outro, porque as vitórias modestas dos candidatos mais apoiados por Donald Trump fragilizam a força do ex-presidente junto do seu partido. As dificuldades dos republicanos na Geórgia (vai atrás) e na Pensilvânia (já perdeu) são coincidentes com endorsements de Trump.

Ambas as debilidades ‒ da liderança no congresso e da posição interna de Trump ‒ trarão mais radicalização a um ambiente político já polarizado.  

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Primárias e o win-win man

Há um vencedor inquestionável desta noite e o seu sucesso, apesar de republicano, será fonte de amarguras para Donald Trump.

Ron DeSantis foi reeleito governador do estado da Flórida com uma vantagem de mais de um milhão de votos. No condado de Miami Dade, onde 70% do eleitorado é hispânico, DeSantis ganhou por 53%. Nas presidenciais de 2020, Trump conseguiu menos 10%.

A grande vitória dos republicanos esta noite eleitoral foi na Florida, graças a Ron DeSantis. Ironicamente, foi também o único candidato republicano que Trump atacou nas 24 horas anteriores, ameaçando revelar segredos sobre ele caso avançasse para lhe disputar as primárias para as presidenciais de 2024. A soma dos resultados murchos do Partido Republicano trumpista com o êxito eleitoral de DeSantis é uma tensão que não abandonará a direita americana até ao próximo ciclo eleitoral.

Ontem, se os trumpistas tivessem vergado os democratas, as presidenciais (Biden vs Trump) começariam mais cedo. Com a ascensão de Ron DeSantis e a derrota honrosa dos democratas, são as primárias do Partido Republicano que começam mais cedo: Trump vs. DeSantis.

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“Entre ser um ou ser o outro, preferiria ser Ron DeSantis esta noite”, confessou Mick Muvalney, ex-chefe de gabinete de Donald Trump, à CBS. “DeSantis ganhou e Trump não está tão bem”.

Nos aplausos ao discurso de vitória do governador da Florida, os seus apoiantes gritavam: “Mais dois anos!”. E era a Casa Branca que tinham em mente. Para isso, precisarão de roubar a nomeação a um homem que já lá morou.

DeSantis, sendo ou não o candidato presidencial daqui a dois anos, vive uma situação de win-win. Se Trump for condenado num dos processos judiciais que o cercam, converte-se imediatamente no favorito a concorrer à presidência. Se Trump for o nomeado republicano em 2024, DeSantis é o óbvio preferido para a vice-presidência.

Se não o conhecia, aponte o nome: Ron DeSantis.

Vai ouvir falar dele mais vezes depois desta noite.

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