"A Procuradoria-Geral da República não tem obrigatoriedade de referir nada, mas, considerando os danos produzidos, se calhar deveria haver um esclarecimento" sobre o significado da referência ao primeiro-ministro António Costa no comunicado emitido na terça-feira. Esta é a reposta que o jurista João Massano, presidente do Conselho Regional de Lisboa da Ordem dos Advogados, dá ao apelo feito por diversos dirigentes políticos e analistas para que o Ministério Público dê mais esclarecimentos sobre o que está realmente em causa. "Estamos no plano ético, moral", afirma João Massano. "Eticamente acho que deveria fazê-lo."
Já o advogado Paulo Saragoça da Matta considera que a PGR pode, "se assim entendê-lo", dar mais esclarecimentos mas não acredita que isso vá acontecer. Primeiro, porque acredita que "a PGR quando fez o comunicado terá revelado aquilo que poderia revelar neste momento". E, depois, porque "fazê-lo seria admitir que o primeiro comunicado não estava bem feito", diz.
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O comunicado da PGR que explica as diligências realizadas na terça-feira de manhã menciona António Costa no seu último parágrafo, dizendo que o primeiro-ministro será alvo de investigação num processo autónomo. "No decurso das investigações surgiu, além do mais, o conhecimento da invocação por suspeitos do nome e da autoridade do primeiro-ministro e da sua intervenção para desbloquear procedimentos no contexto suprareferido", lê-se no documento. "Tais referências serão autonomamente analisadas no âmbito de inquérito instaurado no Supremo Tribunal de Justiça, por ser esse o foro competente", conclui.
O parágrafo, que vários comentadores apelidaram de "lacónico", não avança quais as suspeitas que recaem sobre António Costa, não explicita se o inquérito já está a decorrer ou ainda vai ser aberto, não dá qualquer indício sobre a gravidade da situação. No entanto, foi com este parágrafo que António Costa justificou o seu pedido de demissão.
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"Fui hoje surpreendido com a informação oficialmente confirmada pelo Gabinete de Imprensa da Procuradoria-Geral da República de que já foi ou irá ser instaurado um processo-crime contra mim", disse, na sua declaração, acrescentando: "É meu entendimento que a dignidade das funções de primeiro-ministro não é compatível com qualquer suspeição sobre a sua integridade, a sua boa conduta e, menos ainda, com a suspeita da prática de qualquer ato criminal."
Perante isto, deverá o Ministério Público dar mais explicações?
Juridicamente parágrafo não é relevante. Mas politicamente "é assassino""Esta é uma situação inédita", sublinha João Massano. "Será que faz sentido num comunicado lançar a suspeita sem ter algo de concreto, tendo em conta a relevância da pessoa atingida?", pergunta. "Tenho defendido que os magistrados devem comunicar com a população e a PGR não foge ao regime. Neste caso, a informação é relevante porque envolve o primeiro-ministro. Se fosse outra pessoa implicada, aquele parágrafo não existiria. No entanto, é óbvio que, precisamente, tendo em conta o facto de ser o primeiro-ministro se deve exigir um cuidado maior no que se diz, porque os danos são obviamente maiores."
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Na opinião deste advogado, o que é dito naquele comunicado sobre o envolvimento de António Costa não é relevante juridicamente. Não há factos concretos, há uma mera suspeita. "Mas aquele parágrafo é assassino politicamente", admite. As consequências estão a ser devastadoras. "Acredito que este comunicado foi pesado até à ínfima grama, que foram pesadas todas as consequências. Por isso, quero acreditar que não se escreve um comunicado destes sem ter factos que o sustentem", diz o jurista. É isto que o faz pensar que haverá mais a dizer, mas que provavelmente não pode ser revelado. "Talvez fosse a isto que o presidente do Supremo, o juiz-conselheiro Henrique Araújo, se referia quando, numa entrevista há dias, falou em corrupção generalizada", avança João Massano. Seja como for, a sua opinião é de que, mesmo sem obrigação para fazê-lo, deveria haver um esclarecimento por parte da PGR, para que não restassem dúvidas.
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O advogado Paulo Saragoça da Matta sublinha que o Ministério Público está autorizado a fazer comunicados relativamente a investigações e processos em curso, nomeadamente para garantir a ordem pública. "Nesse sentido, tendo em atenção a qualidade das pessoas envolvidas nestas operações, faz-me sentido que o comunicado tenha existido", considera. "Mas a extensão do comunicado já me suscita algumas dúvidas. Num comunicado sobre as diligências que estão a ser efetuadas, não consigo perceber qual foi a necessidade de informar o público da existência de um processo sobre uma pessoa que tem funções públicas, como primeiro-ministro, mas no âmbito do qual não está a haver quaisquer diligências."
"Na perspetiva do investigador, o interesse é poder fazer a sua investigação o mais serenamente possível, sem interferências. Porquê anunciá-la?" O advogado destaca um facto importante: "Não foi a operação em si que interferiu na política, foi a comunicação do Ministério Público que levou à demissão." Uma comunicação que, no seu entender, teve falhas.
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"As investigações criminais ou são totalmente públicas, e aí temos o direito de saber tudo o que se passa, ou então, se são secretas não se podem divulgar. Se a investigação estiver sob segredo de justiça, tem de haver um fundamento para a divulgar", explica Saragoça da Matta. Qual o fundamento neste caso? "Não consigo alcançar nenhuma razão de ser para aquela parte do comunicado", responde.
"A justiça também tem de se explicar"A questão tem sido levantada por diversos intervenientes políticos. Esta manhã, à saída da audiência com o Presidente da República, Rui Tavares, deputado do Livre deixou um apelo aos vários protagonistas deste caso, "a começar pela Procuradora-Geral da República", Lucília Gago, para que prestem esclarecimentos sobre o caso, que não pode ser apenas explicado com “um parágrafo de um comunicado de imprensa da PGR”.
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"Para o bom funcionamento da justiça, o Ministério Público deve explicar a abertura do inquérito e o ter comunicado esse inquérito", afirmou também a coordenadora do Bloco de Esquerda (BE), Mariana Mortágua, considerando que, "pela gravidade das suspeitas", é preciso que o "Ministério Público esclareça" o que está em causa e que a "investigação seja o mais célere possível".
Da mesma forma, também a porta-voz do PAN, Inês de Sousa Real, considerou que este caso, tendo em conta a pessoa em causa, "exigiria mais por parte da Procuradoria-Geral da República e do Ministério Público". "É com preocupação que vemos o poder judicial deitar abaixo um Governo", afirmou após a reunião com Marcelo Rebelo de Sousa.
"Ou assistimos a uma descoberta de uma imensa teia no coração do poder político, como jamais aconteceu na democracia portuguesa, ou o Ministério Público tomou o poder", disse Miguel Sousa Tavares, no Jornal Nacional da TVI na terça-feira à noite. "Não avanço suspeitas sobre o Ministério Público e quero acreditar, porque isso equivale a acreditar na democracia e no estado de direito, que o MP tem provas fortíssimas. Agora, acho que é devida uma explicação para além daquele lacónico comunicado que foi feito pelo seu gabinete de imprensa. Infelizmente, sabemos por experiências anteriores, que a justiça vai levar anos a esclarecer isso. (...) Defendo que o MP tem toda a autonomia para investigar, mas não defendo a irresponsabilidade. Se o MP tropeçou aqui, tem de haver responsáveis e esses responsáveis têm de pagar."
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Sousa Tavares defende por isso que "o MP tem de ir além do que se disse no comunicado", uma vez que "não é todos os dias que se derruba um Governo com maioria na Assembleia da República". Miguel Sousa Tavares não é o único analista político a pensar assim.
Logo na terça-feira, Mafalda Anjos afirmou que "faltam justificações da justiça". A comentadora da CNN Portugal citou o comunicado da PGR, que "não fala sequer em indícios fortes, fala em invocação por suspeitos do nome e da autoridade do primeiro-ministro", considerando que isto é muito pouco: "Isto fará cair um governo de maioria absoluta. Tudo isto é de uma gravidade inaudita", observou. "Ou o inquérito tem substância e vem-se a revelar que existem provas fortes e indícios muito coerentes, e isto é de facto grave, ou então este inquérito não tem solidez suficiente e a justiça acabou de cometer uma espécie de haraquiri, porque pegou na espada e espetou-a contra a própria barriga, e arrumou de vez com a réstia de credibilidade que ainda lhe restava. Nenhuma das saídas para este imbróglio político é boa."
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Da mesma forma, Sérgio Sousa Pinto, comentador da CNN Portugal, considerou que "o comunicado do Ministério Público não é suficientemente esclarecedor. Certamente mais cedo do que tarde, tendo em conta o impacto das suas decisões, e sem prejudicar as diligências que está a fazer no âmbito das suas investigações, vai ter de dar ao país explicações que ajudem o país a compreender o que está a acontecer".
A antiga ministra socialista Alexandra Leitão considera que a PGR deve dar mais explicações sobre o processo que envolve o primeiro-ministro, uma vez que o "comunicado não é sequer muito claro".
No X (antigo Twitter) a deputada do Partido Socialista Isabel Moreira, advogada constitucionalista, afirmou: "Continuo a ler um parágrafo de uma nota de imprensa que não contém factos nem indícios imputáveis ao PM. Espero agora que a PGR explique que não pôs a democracia em risco." E continuou: "Aguardo com serenidade. Mas com preocupação. Pronunciei-me vezes sem conta sobre atuações que tive por altamente criticáveis do MP. A última vez que o fiz, foi em relação a Rui Rio. Mas ontem foi um dia zero para um teste brutal ao estado de direito . Não está só em causa o nome do PM, nem a recordação de casos de nomes que foram destruídos sem justiça, como Paulo Pedroso, Leonor Beleza, Miguel Macedo ou Azeredo Lopes. Está em causa a vontade do povo expressada nas urnas ter sido derrubada assim. Estamos em causa, portanto. Todo o escrutínio à política , toda a exigência de explicações aos políticos. A justiça também tem de se explicar. Não aceito a dicotomia da política com o lugar do pecado e a da justiça como lugar da virtude absoluta."
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Teremos de aguardar. António Costa já disse que está de consciência tranquila . Do lado da justiça, continuo a ler um parágrafo de uma nota de imprensa que não contém factos nem indícios imputáveis ao PM. Espero agora que a PGR explique que não pôs a democracia em risco .
— Isabel Moreira (@IsabelLMMoreira) November 8, 2023
O comentador Daniel Oliveira afirma que aquele último parágrafo do comunicado da PGR "levanta uma questão de regime, que é a PGR lançar uma suspeita sobre um PM em funções sem dar fundamentos". "É sempre bom pensar nos precedentes. Sempre", sublinha, num comentário no X. Já esta quarta-feira, publicou um artigo no Expresso no qual defende: "Temos de saber que suspeita concreta levou Costa a demitir-se". E explica: "Por Galamba, Escária ou Lacerda Machado, é provável que a demissão de Costa fosse inevitável. Mas demitiu-se por um parágrafo vago sobre uma vaga suspeita. Temos direito a conhecer em pormenor o que em última análise levou à queda de um governo de maioria absoluta. Não se leva um país para uma crise política pedindo fé absoluta em ninguém. A transparência também se aplica à justiça."
A demissão dependia de avaliação política. A minha provavelmente seria essa. A do PM também. O parágrafo torna obrigatória. E levanta uma questão de regime, que é a PGR lançar uma suspeita sobre um PM em funções sem dar fundamentos. É sempre bom pensar nos precedentes. Sempre.
— Daniel Oliveira (@danielolivalx) November 8, 2023
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