Está mais caro ir ao supermercado, o crédito à habitação subiu e deve subir ainda mais e os últimos meses foram marcados por uma série de casos polémicos no Governo. Mesmo assim, e numa conjunção de fatores que se esperaria infernal, os portugueses estão mais confiantes a nível financeiro. Pelo terceiro mês consecutivo o indicador de confiança dos consumidores e do clima económico aumentou, de acordo com o Instituto Nacional de Estatística (INE), sendo que muitos dos parâmetros atingem níveis que não se viam há vários meses.
Neste momento os portugueses têm uma melhor perspetiva relativamente à situação económica que aí vem (a melhor perspetiva desde março), incluindo à situação económica dos seus agregados familiares, que também entendem ter sido melhor nos últimos 12 meses.
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João Cerejeira admite à CNN Portugal que "não estava à espera" destes dados, sobretudo numa altura em que o custo de vida aumentou de forma generalizada. O professor de Economia da Universidade do Minho refere que estes dados são "surpreendentes", mas avisa que o futuro não deverá ser tão otimista.
"A inflação ainda não teve o impacto que pode vir a ter, o pior ainda virá à frente, porque a inflação, mesmo que baixe, não vai fazer diminuir os preços", explica, apontando que as subidas de juros que ainda se perspetivam - "pelo menos mais dois pontos percentuais" - associadas à perda do poder de compra vão trazer dissabores para muitos portugueses.
Isto porque também há créditos cuja revisão ainda não foi seriamente afetada, nomeadamente os de pessoas que tenham empréstimos a 6 e 12 meses. No primeiro caso já toda a gente sentiu o aumento da prestação mensal, mas até é esperado que um aumento mais gravoso volte a acontecer. Já no segundo caso muitas pessoas ainda não viram efeitos, como é o caso de pessoas que tenham contratos feitos em abril, por exemplo, e cuja revisão da prestação ainda não ocorreu.
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António Caleiro não fica surpreendido com estes dados, ainda que também anteveja uma descida do indicador, o que até pode acontecer "já no próximo mês". O professor de Economia da Universidade de Évora assinala à CNN Portugal que estes indicadores acabam por ser determinados, muitas vezes, com recurso a informação retrospetiva.
"Os agentes económicos formulam expetativas com base na evolução passada da situação económica, e da sua, em particular", explica, relevando o facto de os indicadores da situação financeira do agregado familiar para os últimos e para os próximos 12 meses uma clara correlação.
Na prática, os consumidores têm sempre em consideração aquilo que é a sua situação atual, o que não deixa de influenciar de forma decisiva as respostas que dão, nomeadamente porque podem ter "esquecido informação menos agradável para a sua formulação de confiança". O efeito contrário também pode ocorrer.
Desemprego, salários e os 125 eurosJoão Cerejeira aponta a atual situação de empregabilidade como um dos principais fatores para ainda se vislumbrar um aumento da confiança. Diz o professor que, mesmo perante uma perda do poder de compra e de maiores dificuldades das empresas, o mercado de trabalho ainda não sentiu o verdadeiro choque.
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"Apesar do aumento de preços e perda de poder de compra ainda não houve um choque ao nível da procura. O custo de vida tem sido amortizado pela poupança e o efeito no emprego ainda é diminuto", acrescenta, dizendo que o aumento do desemprego ainda não é significativo, "e isso tem impacto na confiança das pessoas".
Em paralelo, aponta João Cerejeira, o ano começou com uma subida generalizada de salários, mesmo que não acompanhando a inflação. Funcionários públicos e pensionistas receberam aumentos, enquanto o Salário Mínimo Nacional também voltou a subir, o que poderá ter ajudado a "mascarar" o efeito da variação de preços, que acabará por se sentir, mesmo que mais tarde, até porque "a subida dos salários não tem acompanhado a inflação".
E ainda há outro fator que pode ter ajudado numa espécie de anestesia da perceção económica: as ajudas que o Governo tem anunciado, nomeadamente o cheque de 125 euros dado a grande parte das famílias portuguesas, e que em muitos casos serviu para equilibrar as contas.
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É aquilo a que António Caleiro chama "confiança nas instituições", figura na qual está incluída o Governo. "Desse ponto de vista o cheque em causa teve, certamente, efeitos muito positivos", afirma, acrescentando um determinante que julga ser ainda mais decisivo: a sinalização de que existe alguém que percebe as consequências nefastas, para todos, no curto e longo prazo, da situação em causa. No fundo, os consumidores acabam por ver no Governo alguém em quem confiam para gerir uma situação aflitiva, a que o professor chama de "choque negativo". Num contexto político em que o eleitorado deu ao Governo uma maioria absoluta isso pode ser ainda mais significativo.
Em todo o caso, João Cerejeira, que até já esperava uma descida dos indicadores para este mês, vê como inevitável que isso venha a acontecer, mesmo que mais tarde. Para isso contribuirá a já falada situação laboral. "Quando o mercado de trabalho começar a dar sinais de aumento de desemprego vai piorar. Ainda não há muitos despedimentos, mas já há menos contratações", sublinha, apontando que muitas empresas deverão optar pela não renovação de contratos, o que na prática fará aumentar o número de desempregados.
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António Caleiro concorda com esta visão sobre a estabilidade do emprego. O professor universitário indica que "a evolução da taxa de desemprego parece ser um elemento importante", apontando que há fatores como eleições ou crises de saúde pública que podem ajudar a forte volatilidade que se verifica nos indicadores. Ora, Portugal passou, recentemente, por ambas as situações: a pandemia de covid-19 ainda não acabou oficialmente e o ano de 2022 começou com eleições legislativas após a queda do Governo, o que originou uma crise política.
Melhor, mas longe dos melhoresA melhoria nos indicadores económicos aconteceu pelo terceiro mês consecutivo, mas João Cerejeira lembra que continuamos muito longe da média da União Europeia, mesmo num cenário de inversão das expectativas.
É isso que dizem os dados do Eurostat, com Portugal a ter uma indicação de confiança do consumidor quase duas vezes pior que a Zona Euro. De resto, segundo os mesmos dados, apenas Grécia (47,4 pontos), Hungria (41,1) e Eslovénia (35,3) têm perspetivas piores que Portugal, onde o número se cifrou nos 33 pontos, segundo o Eurostat, 32,5 para o INE.
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Olhando para dentro, estamos também longe daquilo que é a média da série portuguesa, o que significa que os indicadores são melhores que há uns meses, mas são muito piores que aquilo que já foram. Com efeito, e comparando com fevereiro do ano passado, a expectativa dos portugueses está muito mais negativa, tendo aumentado de 14,5 para 32,5 pontos.
A isto João Cerejeira junta outro fator, um que pode já deixar uma pista que indica que a confiança não está assim tão sólida. É que o indicador de confiança na realização de compras importantes nos próximos 12 meses agravou-se, subindo quase mais quatro pontos. Foi o único a subir, mas o professor de Economia diz que isso é sintomático.
"O indicador é consistente com a subida das taxas de juro, porque as pessoas optam por cortar em bens que necessitam de crédito, como automóveis ou casas. Este dado é consistente com isso, é como que um adiamento de uma expectativa negativa. Acaba por ser o lado mais consistente com a situação atual", conclui.
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A subida da confiança dos consumidores fez-se num período muito conturbado a nível político. Várias demissões no Governo marcaram o fim de 2022, com as saídas de Pedro Nuno Santos e Alexandra Reis à cabeça, no polémico caso da indemnização de 500 mil euros dada pela TAP àquela que meses depois viria a ser a secretária de Estado do Tesouro. Um caso que ainda não morreu, e que ainda espera por uma conclusão da Inspeção-Geral de Finanças.
Paula do Espírito Santo entende que a credibilidade do Executivo saiu beliscada pela sequência de casos, mas vê dois fatores importantes para que a confiança dos consumidores acabe por não ser influenciada: a guerra e a inflação. É um pouco a ideia de António Caleiro da "confiança nas instituições", uma vez que, num cenário de incerteza, grande parte do eleitorado que deu uma maioria absoluta ao PS continua a confiar que aquele é o caminho.
"Sabendo a aritmética parlamentar existente percebe-se essa sensação. Há uma estabilidade governativa importante", reforça a professora de Ciência Política. Uma ideia que também parece ter sido a do Presidente da República, uma vez que Marcelo Rebelo de Sousa disse sempre que era muito cedo para dissolver a Assembleia da República, deixando transparecer que ainda entendia que a maioria dos portugueses entende esta como a solução governativa pretendida.
Sobre o efeito de medidas como o cheque de 125 euros Paula do Espírito Santo vê uma possível correlação com o aumento da confiança, mesmo que isso só tenha um significado a "curto prazo", como diz poder ser o caso. "Há a falta de credibilidade que fez mossa no plano político, mas houve respostas que se foram dando".
No fundo, e no tal contexto de guerra e inflação, os consumidores acabam por perceber que o Governo terá sempre de agir nesse contexto. "Há alguma imprevisibilidade e os preços estão a subir, mas, em primeira e última fase, de forma imediata terá de ser o Governo a lidar. Depois, se algo não correr bem tem de ser o Governo a equilibrar", nota Paula do Espírito Santo, reforçando que ainda há essa confiança da maioria do eleitorado que votou no PS.
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