Crianças palestiniana, Gaza

Atrasado, Portugal acaba de se atrelar ao comboio do reconhecimento do Estado da Palestina. Depois de Macron ter anunciado que França vai dar esse passo diplomático na assembleia-geral da ONU em setembro, seguido do Canadá e do Reino Unido (este último em modo condicional), o Governo de Luís Montenegro indicou na quinta-feira que pondera seguir as pisadas dos parceiros.

A confirmar-se, o passo terá importância, acima de tudo, pelo seu peso simbólico. Ainda que 147 das 193 nações da ONU já reconheçam o Estado da Palestina, será a primeira vez que países do G7 se juntam à lista. Uma mudança de posição histórica e digna de nota, é certo, mas que não servirá para alimentar as bocas famintas de Gaza. O provérbio diz que mais vale tarde do que nunca, mas a realidade diz-nos que pode já ser tarde demais. 

Trinta e dois anos depois da assinatura dos Acordos de Oslo, que preconizavam a coexistência dos dois Estados vizinhos, com direitos e deveres iguais, “é tudo profundamente inútil”, dizem especialistas como Hussein Agha e Robert Malley, num artigo de opinião coassinado no Guardian.

“A medida está totalmente desligada da realidade e entra em contradição com os seus objetivos. Não contribuirá em nada para pôr termo à ofensiva de Israel. Não aproximará as partes de uma solução de dois Estados. Irá aumentar a sorte política de Benjamin Netanyahu. [E] o povo palestiniano acabará por ser o maior prejudicado.”

Na mesma semana em que duas grandes organizações não-governamentais de Israel acusaram o próprio governo de cometer genocídio, e em que 30 personalidades israelitas de topo exigiram à comunidade internacional que imponha “sanções drásticas” a Israel, a prioridade deveria ser “exercer pressão sobre Israel onde realmente dói e onde realmente importa”, defendem Agha e Malley – ou seja, seguir o passo da Eslovénia, que esta semana se tornou o primeiro Estado-membro da UE a impor um embargo de armas a Israel.

Reconhecer o Estado da Palestina ou suspender o acordo de associação da UE com Israel (uma medida que continua a ser ponderada por Bruxelas mas que, ainda há poucos dias, voltou a ser bloqueada pela Alemanha) são passos importantes, mas não bastam. É preciso, nas palavras dos autores, “impor consequências tangíveis, exigir responsabilidades ou aplicar sanções se o país não parar a guerra, não puser fim ao cerco e não suspender o seu projeto de colonização”.

Manifestação Palestina fotos Trump Netanuyahu (Said Khatib/AFP via Getty Images)

Com os níveis de fome severa no enclave palestiniano e o abate de quem tenta obter comida para a família nos designados locais de distribuição de ajuda geridos pela famigerada GHF, nada mudará enquanto Israel não se sentir isolado e sem meios – algo que a "número 2" da Comissão Europeia, Teresa Ribera, já assumiu, ao defender que a Europa “tem de agir diante do que está a acontecer em Gaza por via do comércio, sanções e medidas diplomáticas e judiciais”. 

Num longo artigo publicado há poucos dias, no mesmo dia em que o número de mortos em Gaza ultrapassou a fasquia das 60 mil pessoas, o Washington Post nomeia as 18.500 crianças que Israel já matou desde outubro de 2023, mais de 900 delas antes de terem cumprido um ano de idade. “Se fosses a um funeral por dia por cada criança morta em Gaza”, destacava há poucas semanas o cartaz de um manifestante em Londres, “estarias a ir [a funerais] todos os dias durante mais de 52 anos”. 

Num aparente desmentido de Netanyahu, que há uma semana disse que "não há fome em Gaza", Trump disse que as crianças de Gaza “parecem esfomeadas” e que há “mesmo fome, eu vi [as fotografias] e não dá para fingir aquilo”. Dias depois, anunciou que está a trabalhar com a Europa para a distribuição de comida em Gaza. Mas sobre sanções ao governo israelita nem uma palavra. E sem essa decisão, o resto do mundo até pode mudar de postura que isso de pouco servirá para acabar com a matança de palestinianos, a anexação de mais território ocupado e a planeada expulsão dos sobreviventes de Gaza para outros países.

Como escreve um colunista do Washington Post, “só Washington detém o tipo de influência que poderia alterar significativamente o comportamento de Israel, mas administração após administração não tem estado disposta a usar essa influência” – e isso é verdade também para a atual, cujo líder já chegou a alardear a ideia de Gaza como "a riviera do Médio Oriente".

“O arco moral do universo pode inclinar-se para a justiça, mas não se inclina por si só – nem suficientemente depressa”, ressalta o colunista Shadi Hamid. “Se Trump, de entre todas as pessoas, pode ser o instrumento para pôr fim a esta catástrofe, então temos de engolir o nosso orgulho e as nossas dúvidas e rezar para que a sua reação visceral às crianças famintas se transforme em algo mais do que palavras.”

O maior favor estratégico à China

Donald Trump e Xi Jinping

Donald Trump tem o poder de ditar o rumo do comércio mundial e é isso que tem feito a toque de caixa. Depois de vários avanços e recuos, numa postura de chantagem e ameaça, conseguiu finalmente fechar um acordo comercial com a União Europeia (UE), que prevê a implementação de uma tarifa geral de 15% sobre a maioria dos produtos exportados pelos Estados-membros para o mercado norte-americano.

"Face à incerteza lançada por Trump, era necessário que a UE pudesse gerar certezas, daí este mau acordo, que é melhor do que acordo nenhum", diz o ex-ministro da Economia, Manuel Caldeira Cabral, na grande entrevista desta semana. "Não podemos lidar com o bully americano com este nível de incerteza e o pragmatismo da UE vem permitir alguma estabilidade."

Há mais do que aquilo que está à vista neste acordo, cujos contornos ainda têm de ser negociados minuciosamente antes de seguirem para votação no Conselho e no Parlamento Europeu. Sim, houve "alguma capitulação" da UE face às exigências dos EUA, mas não é apenas a Europa que perde com ele nem ele diz só respeito a trocas comerciais.

"Trump firmou uma perda de valor para o mundo ocidental e, com isso, fez o maior favor estratégico à China", ressalta Caldeira Cabral. "Se os EUA saem do jogo, perdem por falta de comparência e o que isto vai fazer é facilitar a vida à China." Para os europeus, há ainda uma grande lição a aprender: "Eleger pessoas radicais que se afirmam no poder de uma forma destrutiva é uma ideia muito má e perigosa."

Quem está a ganhar a guerra

Guerra na Ucrânia (D.R.)

Já passaram sete meses desde a tomada de posse de Donald Trump e a promessa do presidente americano de acabar com a guerra na Ucrânia "em 24 horas" continua a esbarrar na dura realidade do terreno e da diplomacia. Ainda assim, a Ucrânia observou com esperança a decisão do presidente americano de encurtar o prazo de 50 dias para apenas dez. "É nojento" o que os russos estão a fazer, disse Trump, que critica o governo russo não só pelos ataques contra a população ucraniana como pelo elevado número de mortos russos que surgem no campo de batalha. O líder norte-americano garante que são mais de 20 mil só no último mês.

O novo prazo imposto à Rússia termina no dia 8 de agosto. Depois desse dia, os Estados Unidos estão prontos a impor algum tipo de sanções contra o regime russo, embora os detalhes sejam vagos e os resultados incertos. "Sim, vamos impor sanções - não sei se as sanções incomodam... não sei se isso terá algum efeito, mas vamos fazê-lo", insistiu Trump.

O mais provável será a utilização de "tarifas secundárias", num ataque contra os países que compram os produtos petrolíferos russos, contornando o teto no preço imposto pelo ocidente e permitindo ao governo em Moscovo continuar a financiar o gigantesco esforço de guerra. No final do mês, Trump anunciou uma tarifa de 25% aos bens indianos devido ao facto de Nova Deli ser uma das principais fontes de receita russa. Há a possibilidade de que os ataques não fiquem por aqui e que empresas específicas possam ser alvo de sanções. E essa possibilidade já levou várias empresas indianas a travar as compras de crude russo, deixando pelo menos quatro petroleiros russos parados na costa indiana. 

Isto acontece numa altura em que a economia russa começa a demonstrar alguns sinais de séria retração, apesar dos enormes gastos militares estarem a atingir quase todas as partes da economia. O Fundo Monetário Internacional baixou as previsões económicas russas, projetando um crescimento de 0,9%, um valor significativamente inferior aos 4,3% registados no ano anterior. A atividade industrial no país está a cair, os fabricantes automóveis locais estão a reduzir salários e horas de trabalho e mais de 20% dos stands automóveis no país correm o risco de fechar portas devido à queda de vendas.

Mas a pressão americana não parece ficar apenas pelo campo económico. Donald Trump ordenou a deslocação de dois submarinos nucleares para zonas "apropriadas", em resposta a ameaças feitas pelo ex-presidente Medvedev. “Ordenei que dois submarinos nucleares fossem posicionados nas regiões apropriadas, para o caso de estas declarações insensatas e incendiárias serem mais do que simples palavras,” escreveu Trump na rede Truth Social.

Mas dificilmente estas ações poderão alterar o curso dos acontecimentos no terreno, pelo menos a curto prazo. A Ucrânia está a sofrer cada vez mais com o número ataques de drone de longo alcance, todas as noites. Não só a Rússia utiliza mais drones, como o faz com maior frequência. E quem está a pagar é a população civil ucraniana. Apenas na sexta-feira, um único ataque tirou a vida a 31 pessoas só na capital ucraniana, tornando-se o bombardeamento mais mortífero do ano. 

Mas na linha da frente a situação continua tensa. Embora a Rússia não tenha conseguido romper as linhas defensivas ucranianas, continua a avançar lentamente e a pressionar em quase todas as direções da frente de batalha. Na quinta-feira, a Rússia anunciou a captura da cidade de Chasiv Yar, um importante bastião que perseguia há vários meses na região de Donetsk, e que pode abrir caminho para vários objetivos naquela zona. A conquista desta localidade, que a Ucrânia considera ainda em disputa, pode abrir o caminho para o ataque às cidades de Kostiantynivka, Sloviansk e Kramatorsk, as três principais da região de Donetsk.  - João Guerreiro Rodrigues