Caso Russiagate. Ativistas russos processam Câmara Municipal de Lisboa em 120 mil euros por "danos morais"

Agência Lusa , CF
23 fev 2023, 16:23
Câmara Municipal de Lisboa (foto: domjisch/ Flickr)

Caso remonta a março de 2019, quando a autarquia comunicou à embaixada russa dados pessoais de manifestantes russos. Ativistas afirmam que a partilha dos dados colocou “em risco” a sua segurança

Os ativistas que viram os seus dados pessoais partilhados pela Câmara Municipal de Lisboa com a embaixada russa vão processar a autarquia, exigindo uma indemnização de 120 mil euros como “reparação dos danos morais sofridos”.

Em comunicado, Pavel Elizarov, ativista russo da associação Parus; Katsiaryna Drozhzha, ativista bielorrussa da associação Pradmova; e Alexandra Correia, ativista portuguesa do Grupo de Apoio ao Tibete-Portugal, adiantam que, “com o patrocínio dos advogados Leonor Caldeira e Francisco Teixeira da Mota” decidiram avançar com uma ação indemnizatória contra a CML no valor de 120 mil euros “que também reverterão para as entidades” que representam.

“Em fevereiro de 2022, a Comissão Nacional de Proteção de Dados aplicou à CML uma multa de 1.250.000 euros, mas essa multa não beneficiou nenhuma pessoa ou entidade vítima desta prática reiterada de partilha indevida de dados pessoais. É precisamente este o objetivo da nossa ação: a reparação dos danos morais sofridos por estas três pessoas concretamente afetadas”, escrevem os ativistas na nota divulgada esta quinta-feira.

No comunicado os ativistas afirmam que a partilha dos dados colocou “em risco” a sua segurança, bem como das suas famílias, tendo as referidas partilhas contribuindo “para um sentimento generalizado de medo e perigo acrescido”.

“Temos esperança de uma decisão positiva que permita reparar (dentro do possível) os danos morais sofridos, trazendo justiça para as vítimas e contribuindo para a jurisprudência que fortaleça os direitos dos ativistas em Portugal”, afirmam os ativistas.

Caso "Russiagate" remonta a 2019

Um processo foi aberto devido a uma participação - que deu entrada na Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNDP) em 19 de março de 2021 - relativa à comunicação pela autarquia de Lisboa à embaixada da Rússia em Portugal e ao Ministério dos Negócios Estrangeiros russo de dados pessoais dos promotores de uma manifestação realizada junto à embaixada.

Os ativistas, dissidentes do regime russo, tinham realizado em janeiro de 2021 um protesto pela libertação de Alexey Navalny, opositor do Governo russo, e argumentaram que a Câmara Municipal de Lisboa, liderada então por Fernando Medina, atual ministro das Finanças, pôs em causa a sua segurança e a dos seus familiares na Rússia aquando da divulgação dos seus dados.

Fernando Medina pediu "desculpas públicas" pela partilha desses dados, assumindo que foi "um erro lamentável que não podia ter acontecido", e disse que soube do caso através da comunicação social.

Um mês depois de conhecida a divulgação de dados às autoridades russas, a Câmara de Lisboa aprovou por maioria (com oito votos a favor, seis contra e três abstenções) a exoneração do encarregado de proteção de dados do município e coordenador da equipa de projeto de proteção de dados pessoais, Luís Feliciano.

A presidente da CNPD, Filipa Calvão, ouvida no parlamento sobre esta matéria, defendeu que o encarregado de proteção de dados não deveria ser destituído, sublinhando que a responsabilidade deveria ser imputada apenas ao município.

Medina recusou que a exoneração do responsável tivesse servido como “bode expiatório” e definiu-a como uma necessidade para “restabelecer a confiança no funcionamento dos serviços”.

Questionado na altura sobre a polémica, o primeiro-ministro António Costa considerou não haver responsabilidades políticas a extrair da transmissão de dados, lamentando a ideia lançada de que a CML seria “uma espécie de centro de espionagem do senhor Putin”.

Também confrontado com o caso, o embaixador da Rússia em Portugal, Mikhail Kamynin, afirmou em junho de 2021 que a embaixada eliminou os dados dos manifestantes do protesto, frisando que as informações não foram transmitidas a Moscovo.

Já em janeiro de 2022, a CNPD multou a Câmara de Lisboa em 1,2 milhões de euros no processo relativo ao tratamento de dados pessoais de participantes em manifestações, depois de ter identificado 225 contraordenações nas comunicações feitas pelo município no âmbito de manifestações, comícios ou desfiles.

A coima relativa à contraordenação pela ausência da avaliação do impacto sobre a proteção de dados poderia atingir 10 milhões de euros, enquanto as restantes 224 poderiam ir, cada uma, até aos 20 milhões de euros.

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