"Temos terroristas a atacar pessoas. Não precisamos de muita motivação para vestir o uniforme, pegar numa arma e fazer o que temos de fazer"
Reservistas

"Temos terroristas a atacar pessoas. Não precisamos de muita motivação para vestir o uniforme, pegar numa arma e fazer o que temos de fazer"

Texto
Joana Moser

Os relatos dos reservistas de Israel. Não são militares no ativo, mas largaram tudo, família e trabalho, para combater pelo país contra o Hamas

O telefone tocou. Era meio dia e do outro lado da linha estava um dos responsáveis do exército a informar Itai, de 35 anos, que tudo indicava que seria preciso ir combater pelo seu país. Perto das 15:00 naquele dia, 7 de outubro, recebeu também por telefone a convocatória oficial. Desligou, vestiu de imediato o uniforme e saiu a caminho da base militar a sul de Israel, onde se iria encontrar com outros elementos. Itai é um dos reservistas do exército israelita. Mas é também gestor de produtos numa empresa de alta tecnologia. No dia em que o Hamas atacou Israel deixou tudo para trás e aceitou juntar-se ao exército. Não sabe quando e se voltará para casa.

Despedir-me da minha mulher foi provavelmente uma das coisas mais difíceis que já tive de fazer", relata por telefone à CNN Portugal, a partir da fronteira norte perto do Líbano, onde se encontra

Itai foi um dos 360 mil reservistas chamados pelas Forças de Defesa de Israel. "O serviço militar é obrigatório para a maioria dos israelitas quando completam 18 anos. Os homens têm de cumprir 32 meses e as mulheres 24. Depois, a maior parte pode ser convocada para unidades de reserva, até aos 40 anos, em caso de emergência nacional", explica à CNN Portugal Omer, um militar das forças especiais da marinha. "Em tempos de guerra lutam ao lado de soldados ativos, que treinam uma vida inteira por Israel". 

Centenas de reservistas regressam a Israel. (Imagem: AP News)

Aliás, antes sequer de Netanyahu, o primeiro-ministro israelita, ter declarado guerra a 8 de outubro, já vários reservistas por todo o país se estavam a preparar. "Almog, de 26 anos, foi um deles. Na manhã de 8 de outubro, relatava à CNN Portugal que estava já no terreno a aguardar ordens do exécito.  "Já estou na base militar a preparar-me para a guerra", contou. Até então trabalhava num restaurante em Telavive; agora está nas linhas da frente a combater. 

Tal como Almog, quando o conflito deflagrou  muitos dos reservistas estavam a estudar, a trabalhar, a passar tempo com a família ou fora do país. Mas no segundo em que Israel declarou guerra e convocou os seus reservistas, a maioria decidiu regressar, para lutar pelo seu país. Foi o que fez o guarda-costas da estrela pop Taylor Swift. Deixou o seu trabalho e vida nos EUA para viajar até Israel e combater contra o Hamas. 

Itai também não hesitou quando recebeu o telefonema, apesar de ter sentido que a sua vida iria mudar “num piscar de olhos”.

Reservista da Brigada de Paraquedistas, das Forças de Defesa de Israel, Itai é agora comandante de uma equipa. Para ele, foi fácil arranjar motivação para combater. “Temos terroristas a atacar pessoas dentro das nossas próprias fronteiras, não precisamos de muita motivação para vestir o uniforme, pegar numa arma e fazer o que temos de fazer”, sublinha o comandante, admitindo: “São coisas que para uma pessoa comum, é difícil de entender”.

Itai, 35 anos, é reservista e está com a sua equipa na fronteira norte de Israel. (Imagem: DR)

Os reservistas israelitas podem ser convocados até aos 40 anos de idade. No entanto, podem recusar. “Ninguém, certamente, nos vai obrigar a entrar em combate”, diz Itai. “Entre os 35 e os 40 anos chega aquela idade em que já é razoável pendurar as botas e dizer: 'Já servi o suficiente'”, afirma o comandante que, ainda assim, decidiu avançar para o terreno.

Partiu com a sua equipa para o sul do país no início do conflito. No domingo, 8 de outubro, foi “um dia de logísticas". "Só fizemos alguns disparos e juntámos o nosso equipamento", descreve.

Na segunda-feira, quando a guerra já tinha sido declarada, Itai deslocou-se com a sua equipa a Kfar Aza, local onde as forças israelitas garantem ter encontrado dezenas de crianças mortas, a maioria decapitadas. Quando o reservista lá chegou, as noticias do que ali tinha sucedido estavam a correr o mundo.  “A maior parte do que se ouvia nas notícias já tinha acontecido”, conta o comandante, garantindo que quando entrou em Kfar Aza ainda havia alguns terroristas do Hamas. “Tínhamos informações de que ainda havia terroristas à volta, por isso, entrámos em Aza como se fôssemos entrar em combate”.

Soldados israelitas posicionam-se no kibutz Kfar Azza. (Imagem: Ohad Zwigenberg/AP Photo)

O reservista explica que em qualquer tipo de missão são dadas orientações específicas que todos os soldados têm de cumprir, sobretudo para proteger a população. “Neste tipo de missões estruturadas (Kfar Aza) é importante saber quem está e quem não devia estar no local, sobretudo para não ferir civis”. Durante o combate, explica, cada soldado tem a sua posição específica na equipa. “Uns podem ser atiradores de elite, outros especialistas em metralhadoras pesadas”. 

Ao longo dos últimos anos, enquanto reservista, Itai treinou algumas vezes no terreno. No entanto, a preparação dos reservistas não se limita à parte técnica do combate. Tal como os veteranos da Guerra do Yom Kippur enfrentaram o desafio do stress pós-traumático, os reservistas também poderão vir a sofrer impactos psicológicos. Assim, o comandante sublinha a importância do apoio da sua equipa. “É assim que nos mantemos unidos e com uma força de espírito elevada. Quando alguém está em baixo, nós levantamo-lo". Itai desvenda o lema da sua equipa: "Se estiveres a passar um mau bocado, ajuda os outros. Isso fará-te-á sentir bem". Além disso, acrescenta Itai, a sua equipa conta com a presença de um “psicólogo clínico que tem experiência em psicologia pós-trauma e que serviu no ativo durante a segunda guerra do Líbano”.

Nadav, 26 anos, durante o serviço militar obrigatório. (Imagem: DR)

Embora os soldados sejam muitas vezes vistos coletivamente como uma entidade uniforme, cada um deles tem uma história única para contar. Nadav tem 26 anos e estuda engenharia mecânica. É de Ness Ziona, uma pequena terra a sul de Israel, e já cumpriu o seu serviço militar obrigatório. Agora, perante o atual conflito, aguarda ser chamado a qualquer momento. “Sinto-me pronto”, diz o jovem à CNN Portugal, lembrando que acordou na madrugada daquele sábado, 7 de outubro, com o “ensurdecedor som das sirenes”, que depressa o fizeram correr para o abrigo de sua casa. 

“Estamos habituados a ter segundos para correr para um abrigo, nascemos com isso. Sempre que ouvimos um alarme, sabemos para onde temos de ir. Temos apenas alguns minutos para lá chegar". Nadav sublinha, porém, que se os foguetes são algo com o qual sempre tiveram de conviver, nunca passaram por um ataque destes. 

“Numa cidade a 45 minutos de mim, o Hamas queimou pessoas vivas dentro dos abrigos. Chegaram a esperar que o fumo as  matasse ou que as pessoas os abandonassem para dispararem contra elas”, relata Nadav. É com base nas atrocidades que o Hamas cometeu em Israel que os reservistas explicam como encontraram motivação para ‘num piscar de olhos’, sem hesitações, combaterem pelo seu país.

"O Hamas não quer viver em paz. Só nos querem matar. Nós não somos o problema, nós não matamos bebés e mulheres. Nós matamos o terrorismo”, diz Nadav.

Sala que ardeu num Kibutz em Israel, por ataques do Hamas. (Imagem: AP News)

Omer faz parte das forças especiais israelitas, mas não se conseguiu juntar aos militares que estão a combater em Israel por razões de saúde. Tem uma lesão grave na perna. "Se fosse capaz de andar teria, sem hesitar, apanhado um voo para Israel”, garante.

Está em Portugal, a recuperar, mas sempre a pensar no que se passa na Faixa de Gaza. Aliás, são vários episódios que guarda desta zona onde esteve envolvido em diferentes operações. “Uma vez tivemos de entrar em casa de uma família em Gaza, como parte das operações, porque havia terroristas por perto. O dono da casa chorava. Abraçámo-nos, pedi-lhe desculpa e ele disse-me: 'Eu compreendo, algumas das minhas pessoas são animais'”, lembra o militar, salientando que sempre que se encontram com a população civil, tentam protegê-la. 

“Dava tudo para ajudar a eliminar o Hamas”, diz Omer, defendendo que “isto foi planeado”. “Os membros do Hamas fingiram ser agentes e militares, e quando juntaram pessoas suficientes, massacraram-nas. Tal como os alemães fizeram aos judeus no Holocausto, puseram-nos em fila e mataram-nos a todos”.

No entanto, Omer vê este ataque como uma falha do próprio sistema de segurança interno. “Este é o maior fracasso dos serviços secretos desde o dia em que o estado israelita foi criado em 1948, incluindo todas as terríveis guerras que tiveram”, defende Omer, comparando este ataque ao 11 de setembro. 

Se olharmos para o 11 de setembro e o compararmos com o tamanho da população dos EUA, isto é como ter 10 ‘11 de setembro’, é devastador”

O sistema de defesa antimíssil israelita, Iron Dome, dispara intercetores a partir de Ashkelon, no sul de Israel, contra foguetes lançados de Gaza. (Imagem: Tsafrir Abayov/AP Photo)

Nos últimos anos, a região do Médio Oriente tem assistido a um padrão recorrente de conflito, com perdas de vidas e lançamentos de foguetes. No entanto, “a situação atual marca uma mudança fundamental nesta narrativa contínua”, afirma Omer. Segundo o militar, “esta transformação é visível no discurso de Biden” e na "abordagem adotada por Israel nas suas operações em Gaza”. “Dói-nos ver os civis de Gaza. Mas não nos podemos esquecer dos mais de 100 sacos com os corpos sem vida de crianças que recolhemos, das nossas mulheres que foram violadas e dos bebés que foram decapitados”, lembra.

Omer só vê um final possível: “Israel ganhar efetivamente uma guerra contra o Hamas”. No entanto, admite que “inocentes vão acabar feridos de ambos os lados”. Para este militar, assim como para Itai e Nadav, só há uma solução: "Eliminar as organizações terroristas".

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