"Temos de ser corajosas". Futuras jornalistas querem singrar num "mercado cão" mas receiam continuar a depender dos pais
Estudantes de jornalismo (FOTO: Joana Moser)

"Temos de ser corajosas". Futuras jornalistas querem singrar num "mercado cão" mas receiam continuar a depender dos pais

O QUE SE OUVE NOS CORREDORES DAS UNIVERSIDADES || Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra

REPORTAGEM 
JOANA MOSER SOFIA MARVÃO 

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SOFIA MARVÃO 

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JOANA MOSER

Cinco futuras jornalistas partilham as suas apreensões face a uma profissão que consideram estar a "degradar-se". Apesar disso, não querem desistir do seu sonho. Pedem ao Governo ajuda para não terem de "depender dos pais" ou sair do país

“Há muito que o diagnóstico está feito: degradou-se o exercício do jornalismo.” É assim que Luís Simões, presidente do Sindicato dos Jornalistas (SJ), descreve a situação atual. Tendo em conta os baixos salários, a precariedade e degradação das condições de trabalho do setor, o presidente do SJ agendou uma greve geral para 14 de março. 

Em dezembro do ano passado, o Jornal de Notícias não chegou às bancas, pela primeira vez em 35 anos, como consequência da greve que contestou o despedimento coletivo na Global Media. Parte dos trabalhadores do grupo ainda não tinham recebido em janeiro o salário de dezembro, nem o subsídio de Natal. 

Ainda assim, todos os anos vários jovens continuam a inscrever-se no curso de jornalismo e comunicação. É o caso de Ana (18), Gabriela (18), Maria Cecília (19), Eva (19) e Ana Júlia (19) que estão no segundo ano do curso de Jornalismo e Comunicação da Universidade de Coimbra. “É o meu sonho e eu vou lutar por isso”, assegura Eva. São todas estudantes deslocadas e a habitação e os transportes são preocupações prementes. Não obstante, a entrada no mercado de trabalho é o que mais as inquieta.

O que se ouve nos corredores da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra?

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O mercado "cão" de uma profissão que "não é valorizada"

Ana abre a conversa  observando que a profissão de um jornalista em Portugal “não é valorizada de todo”. Na sua perspetiva, basta ter em atenção a quantidade de greves, onde “vários jornalistas reivindicam os seus direitos”. “Ninguém fala disso”. Por isso, Ana gostava de ver os partidos a abordarem este problema, sobretudo porque é daí que surge o seu receio quanto ao mercado de trabalho. “Tenho consciência que, se quiser mesmo seguir esta área, corro o risco de se calhar ter de mudar de país”. 

Por ser um setor pouco valorizado, Eva descreve o mercado como “um mercado cão, muito centrado nas cunhas”. As restantes colegas, que estão sentadas à volta de uma mesa no bar da faculdade, abanam a cabeça concordando com a colega.

Essa é também a maior preocupação de Maria Cecília, que veio do Brasil para estudar em Portugal. “O mercado de trabalho nesta área é muito incerto, tenho medo de continuar a depender dos meus pais.” Essa incerteza também traz ansiedade a Eva: “É difícil conseguir subir muito na carreira de jornalista e fazer algo que nos concretize a 100%.” “Temos de ser corajosas”, responde imediatamente Maria Cecília, que não quer abdicar das suas ambições. “Há muitas oportunidades no jornalismo, simplesmente não é algo tão seguro como noutras áreas. Eu trabalharia em Portugal ou até como correspondente no Brasil”, acrescenta prontamente. 

É a perspetiva de não ter segurança relativamente às condições da carreira de jornalismo que mais inquieta a estudante. “Há outras profissões onde se pode ter uma ideia de quanto se vai ganhar”. Já no jornalismo, essa perspetiva é “muito ampla e confusa, difere muito”. No entanto, não quer ter de abdicar de uma área que gosta, por uma área que lhe traga mais estabilidade. 

Gabriela partilha da mesma opinião: “Não fui eu que escolhi jornalismo, foi o jornalismo que me escolheu.” Conta que a sua primeira opção era Psicologia, só que acabou por entrar na segunda opção, Jornalismo, e ao ingressar no curso apercebeu-se de que era a sua vocação. Por outro lado, mesmo sendo a sua paixão, Gabriela tem incertezas sobre profissão que escolheu, sobretudo quanto ao lugar onde escolheu estudar. “Vamos ser sinceros, não estando no Porto ou em Lisboa, estando numa cidade mais pequena em Portugal, que possibilidades é que eu tenho?”

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"Será que a IA não vai fazer o trabalho por nós?"

Gabriela também tem apreensões quanto à entrada no mercado de trabalho. No entanto, por razões distintas: "O que me assusta mesmo é o avanço da Inteligência Artificial." 

“Não sei se daqui a uns anos os jornalistas vão continuar a ser tão necessários, será que a IA não vai fazer o trabalho por nós?”. A jovem está preocupada com a possibilidade de os jornalistas serem “descartados e deixados de parte” e receia que, quando chegar ao fim da licenciatura, a sua profissão esteja “completamente desvalorizada”.

Foi a única que se mostrou seriamente preocupada com o avanço das tecnologias, as restantes admitem utilizar o ChatGPT para resumir informações, por exemplo.

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Curso "pouco prático" seguido de "estágios não remunerados"

Outra preocupação apontada por Gabriela passa pela formação que recebem. “O que nos ensinam não é nada prático, é tudo teórico.” Considera que lhes falta ter alguma experiência na área que facilite a entrada no mercado de trabalho. Para comprovar descreve as suas aulas: “Há uns powerpoints a dizer como devemos falar, mas é pouco o contacto com câmaras, por exemplo.” Diz que a única parte prática que tem é a sua participação na rádio universitária, uma atividade extracurricular e voluntária. 

Ana Júlia, 19 anos, partilha da mesma visão, a parte prática é proveniente da iniciativa dos estudantes: “A rádio, a TV e o jornal universitário dão-nos o lado prático do nosso curso.” A seu ver, a universidade devia estabelecer um maior contacto com aquilo que é realmente a prática jornalística, de forma a não serem "atirados aos leões". 

“E é por isso que os estágios são importantes”, frisa Eva. Contudo, o problema é que não são remunerados. “Eu já gasto bastante dinheiro na universidade, não me posso dar ao luxo de me deslocar para um estágio sem receber. Um estágio não remunerado não deveria existir”, acrescenta. Eva defende que “as empresas deveriam ser incentivadas a contratar estagiários” e as próprias deveriam “ajudar com os custos de alimentação e/ou transportes”.

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Rendas altas, transportes caros

As cinco futuras jornalistas estão deslocadas e queixam-se dos preços da habitação e dos transportes. Para todas, ir a casa durante o fim de semana é demasiado caro. Por exemplo, Eva é do Algarve e paga 74 euros para ir e voltar para Coimbra. “Para além de já ter muitas despesas como alimentação, propinas e alojamento, deixo de poder visitar a minha família pois fica demasiado caro.” Na sua ótica, o sentimento de não ter a família presente vai-se acentuando cada vez mais, e “é difícil lidar com isso”. A estudante universitária defende que o Governo devia baixar o preço dos transportes para estudantes deslocados.

Apesar das rendas de alojamento em Coimbra serem mais baixas, a elevada procura impossibilita que haja condições para todos os estudantes, explica Eva, que continua a procurar um quarto melhor, uma vez que vive longe da universidade. As restantes colegas vivem com mais duas pessoas pelo menos. Gabriela é a que vive com mais, divide casa com cinco estudantes de enfermagem. Além disso, o problema principal é o facto de grande parte dos edifícios em Coimbra serem muito antigos, pelo que as condições são reduzidas. 

Ana Júlia explica que as residências da universidade são para bolseiros e pessoas com condições económicas mais baixas. Na maioria dos casos estes quartos são partilhados por três alunos.

 

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