"Porque é que vou esforçar-me a estudar e depois vou ganhar quase o mesmo do que uma pessoa com o salário mínimo?" Eles percebem de economia, mas não percebem a economia do país
“Um mercado pouco desenvolvido. Salários baixos. Medidas deficitárias”. Os futuros economistas não só se interessam por política, como têm propostas para a economia do país.
Maria Santos tem 20 anos e sabe bem o que quer que saia das eleições de domingo: uma solução que lhe permita não emigrar. Infelizmente acha que isso não vai acontecer. “Não me parece que o futuro Governo, qualquer que seja, terá a capacidade de fazer com que as coisas mudem a tempo”, diz a jovem de 20 anos, que está a dois anos de concluir o curso e não acredita que se encontrem soluções “a tempo”.
Como a ela, a azáfama das eleições não passa despercebida nos corredores da NOVA School of Business and Economics. É nos clubes de debate, nas salas de aula e até no café… só se fala de eleições, incluindo entre os estrangeiros que estão a estudar em Carcavelos.
Mas as preocupações dos futuros economistas não ficam por aqui. “O IRS Jovem não passa de uma medida a curto prazo”. O lamento de agora é de Sofia, também de 22 anos, que é mais um eco das várias discussões políticas que se fazem e se vão fazer até ao último minuto.
Como para Sofia e Maria, também Hugo e Francisco têm a economia como tema preponderante e que define onde vão colocar a cruz no próximo domingo. Esse é o foco principal nas eleições que se avizinham, sobretudo pelas condições atuais do mercado de trabalho. Sofia, mestranda em Finanças, começa por criticar “a simples medida de subir o salário mínimo”, sobretudo porque “tem vindo a aproximar o salário médio ao mínimo”. “Porque é que vou esforçar-me a estudar e depois vou ganhar quase o mesmo do que uma pessoa a ganhar o salário mínimo?”.
Os jovens defendem que “a subida de salários obrigatória”, isto é, por decreto, pode ser desvantajosa para os donos das empresas. Sofia coloca-se do lado dos empresários portugueses, sobretudo das pequenas e médias empresas (PME), considerando que “nem sempre é benéfico”, pois “nem todas conseguem responder positivamente face ao aumento dos salários".
A crítica de Sofia divide-se em dois. Por um lado, por se tratar de um aumento de salários de carácter obrigatório, faz com que as empresas “percam o poder de escolha”. Por outro, “pode ajudar a reter trabalhadores, sobretudo aqueles com mais experiência que ponderam emigrar”. No entanto, “este trade-off entre o aumento dos salários e a retenção de trabalhadores não é benéfico para todas as PME”. Isto porque “depende muito de cada empresa e das suas capacidades”.
Hugo Marques, 23 anos, mestrando de Economia, também critica o mercado de trabalho, diz que “não está a convergir com o resto dos mercados europeus”. “Temos os salários mais baixos da Europa, um luxemburguês, por exemplo, tem um poder de compra que é cerca do dobro do português”. É aí que o Governo está a falhar: “não conseguir tornar a economia mais atrativa, cativando os jovens a ficar”. Sofia dá prova disso: esteve a estagiar no Luxemburgo e conheceu vários jovens emigrantes com “zero intenções de voltar”. “Fez-me refletir e ponderar se vale a pena ficar a trabalhar em Portugal”, desabafa.
Ainda sobre os baixos salários, Sofia frisa que ainda que os ordenados mínimos sejam aumentados, continuam sem “acompanhar o custo de vida atual”. Por isso, insiste que “não é a medida mais eficaz, dado que o poder de compra acaba por ficar o mesmo ou até piorar”. Hugo partilha da mesma visão. Na sua ótica, o próximo Governo devia focar-se em dinamizar o mercado para que haja um aumento global dos salários. “Sim, temos um mercado pouco dinâmico”, atira Francisco Pires, 23 anos, mestre em Finanças.
De modo a dinamizar o mercado, Hugo propõe que se incentive empresas estrangeiras para Portugal. “Temos uma economia com pouco capital que precisa de muito investimento estrangeiro”, corrobora Francisco. Esse investimento não passa apenas pela entrada de novas empresas, mas também pela “imigração qualificada”, diz Hugo, sublinhando um dos problemas atuais: “a fuga de cérebros”. Uma das formas de atrair empresas passa pela redução de impostos, nomeadamente do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC), explica. “Envia um sinal às empresas estrangeiras que não estão cá”. A seu ver, neste momento, os elevados impostos afastam várias empresas de Portugal.
“A atração de empresas deve ser o foco”, defende Hugo, criticando que os partidos à esquerda “não têm medidas para um verdadeiro crescimento económico” e que a direita “acha que se resolve tudo com impostos”. “Mas qual o interesse de termos mais empresas?” É que mais empresas, geram mais contratações e, consequentemente, estimulam a economia, levando a uma subida dos salários. “É preciso gerar competitividade para que as empresas subam os salários”, defende, dando como exemplo o aparecimento da DIGI – uma empresa de telecomunicações com operações na Roménia, Espanha e Itália. Hugo explica que a DIGI veio competir diretamente com a Altice, atual líder de mercado. “A Altice tem vindo a aumentar continuadamente os seus lucros sem redistribuir pelos trabalhadores”, afirma Hugo, responsabilizando a falta de incentivos para as empresas. Assim, “os salários mantêm-se e a empresa acaba por servir de formadora, em que os jovens ficam dois ou três anos e saem”. Com a vinda da DIGI o jovem economista tem a expetativa que o mercado das telecomunicações “abane” e que a “Altice se veja obrigada a aumentar os salários dos trabalhadores”.
“Contrariando a perspectiva da direita”, Hugo defende que a solução não passa apenas por mexer nos impostos. Sugere que “os tempos de espera dos tribunais sejam reduzidos”. Pois a morosidade da Justiça é também um entrave à cativação de empresas estrangeiras. “As empresas não apreciam que a resolução de um litígio ou mesmo o processamento de impostos seja bastante demorado em Portugal”. Para além disso, “as empresas gastam muito tempo com processos de legalização de imigrantes”. Por isso, defende a redução desses tempos também.
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"É preciso haver literacia financeira"
Mas não basta apenas atrair novas empresas. “É preciso apostar nas que já temos”, defende Francisco, sublinhando que “não nos podemos esquecer do resto das pessoas, sobretudo aqueles que têm cargos e posições de liderança”.
Reconhecendo que “a geração mais qualificada é até aos 35 anos”, Francisco defende que o Estado “deve apostar em políticas públicas para dar mais qualificações às gerações mais velhas”. Em primeiro lugar, ajudar essas gerações a transitar a gestão e funcionamento das empresas para o mundo digital, defende.
De acordo com o Eurostat, as pequenas e médias empresas (PME) dominam o tecido empresarial português, 99,3% são de pequena dimensão e as restantes de média. Razão pela qual Francisco relembra que as padarias, os cabeleireiros ou as pequenas empresas de contabilidade, por exemplo, não devem ser esquecidas. E sugere que o Governo apoio os empresários portugueses, através de literacia financeira, para que “aprendam a gerir e investir melhor o dinheiro”. Hugo interrompe para concordar e introduz a ideia de que “muita gente não tem qualificação digital”. Por esse motivo, Francisco propõe que haja “cursos de literacia financeira, para educar a população como um todo”. “O Estado devia financiar essa formação para que hajam quadros mais qualificados”, diz Hugo, explicando que esta é também uma forma de atrair novas empresas a sediar-se em Portugal. Além disso, Francisco defende “a criação de incentivos adicionais para as empresas que cumpram essas formações, desde que devidamente certificadas”.
Outro problema destacado por Hugo é a pouca flexibilidade na contratação. “É muito difícil de despedir um trabalhador”. E é por essa razão que “muitas empresas contratam a recibos verdes”. Assim, se a contratação fosse mais flexível iria permitir contratos mais estáveis para os trabalhadores, defende. Francisco intervém, diz que discorda da magnitude da proposta de flexibilidade. Isto porque, “o indivíduo sozinho tem sempre muito menos poder negocial comparado com a empresa em si”. Por isso, defende que haja um equilíbrio.
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A "fuga de cérebros"
Enquanto jovem, Francisco vê “uma fuga de talentos para o estrangeiro”. Apesar de ser a favor que se incentivem experiências no estrangeiro, considera que Portugal “não pode continuar a investir na educação e não ter retorno”. Uma das medidas que poderá ajudar a manter um jovem cá é o IRS Jovem, um regime criado para ajudar pessoas entre os 18 e 35 anos, que estão no início da vida adulta, com o intuito de aumentar o seu rendimento disponível através de um desconto no imposto a pagar. A partir deste ano, este regime dá isenção de 100% no primeiro ano de trabalho.
Em primeiro lugar, Francisco diz que é uma medida confusa. “Daí que muitos partidos a querem alterar”. Depois, “não é tão atrativo como parece”. Sofia e Maria também descredibilizam esta medida. “É aliciante nos dois primeiros anos, mas não passa de uma medida a curto prazo. Não é suficiente para convencer os jovens a não emigrar”, diz Sofia.