Pessoas da política, façam lá o vídeo das dancinhas mas depois não se esqueçam do vídeo a sério: Rui Lopo - as leis do TikTok seguidas das "48 leis do poder"
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Pessoas da política, façam lá o vídeo das dancinhas mas depois não se esqueçam do vídeo a sério: Rui Lopo - as leis do TikTok seguidas das "48 leis do poder"

REPORTAGEM
Joana Moser 
Sofia Marvão

VÍDEO
Sofia Marvão

FOTOGRAFIAS
Joana Moser

Começou no TikTok e foi no TikTok que cresceu. Entretanto quer começar uma vida como professor universitário e crescer como comentador político. Pretende entrevistar Marcelo, Moedas e Rui Moreira. A mãe é de direita, o pai é de esquerda. Ele espera que os partidos percebam as virtudes do meio-termo quando se põem a fazer vídeos de beijinhos e dancinhas
 

3 de abril de 2023 – Rui Lopo, à data com 21 anos, sentava-se num pequeno banco do seu quarto em casa do pai, onde reside até ao momento. À sua frente, uma secretária branca, um telemóvel e um copo a servir de apoio era todo o material que tinha para produzir o primeiro TikTok para uma página com apenas 107 seguidores. Preparava-se para abordar o protesto pela habitação em Lisboa que ficou marcado por confrontos entre os manifestantes e a polícia, comparando-o ao caso francês. 

Fez uma seleção de imagens e das notícias que considerava mais credíveis e ligou a câmara do telemóvel, que imediatamente refletiu o seu rosto. Como imagem de fundo, dois dos artigos que ia utilizar como referência. 

Um, dois, três…a gravar! Levou cerca de três horas a fazer um vídeo de um minuto. Era a primeira vez que improvisava algo semelhante. Não precisava de guião, as palavras iam saindo à medida que carregava repetidamente no botão vermelho.

“Não é preciso ter dois dedos de testa para perceber que o preço do arrendamento é absolutamente insuportável”, ouve-se o jovem dizer enquanto aponta para uma notícia do Jornal Económico. Aos 18 segundos aborda os referidos desacatos com a polícia, servindo-se de uma notícia do Observador: “Felizmente nestas situações até somos um país mais ou menos pacífico. Eu acho que ninguém quer assistir a cenários como, por exemplo, em França, onde os manifestantes queimam tudo o lhes passa à frente e passam a vida a pilhar lojas sem se quer se lembrarem do porquê de estarem lá”.

O relógio marcava a 1:00 quando publicou o único conteúdo numa página com apenas 107 seguidores. Mas não foi por acaso. Aliás, manteve exatamente esse ritual nos quatro ou cinco vídeos seguintes. Não queria encarar a imprevisibilidade das reações e atualizar o TikTok antes de ir dormir era, na sua perspetiva, a melhor forma de o evitar.

Não contou a ninguém, mas lentamente as pessoas mais próximas foram-se apercebendo da sua presença no digital. A própria mãe, por exemplo, soube uma semana depois. O pai também não levou muito a descobrir, mas, segundo o jovem, “não reagiu muito positivamente”. É que no seio familiar “política, futebol e religião não se discutem à mesa”. Uma é de direita, ao passo que o outro é profundamente de esquerda. 

Quase um ano depois, abre-nos a porta e dá-nos a conhecer o lugar por trás da câmara. Descobrimos um quarto bem arrumado e repleto de livros de política, incluindo aqueles escritos pelos professores junto dos quais ambiciona lecionar. Trocou a secretária por uma mesa retangular, o copo por um tripé, a luz do candeeiro por uma ‘ring light’ e o microfone do telemóvel por um de lapela. “Foi um investimento”, declara orgulhoso. O tempo que leva a fazer um TikTok reduziu para uma hora e meia, “para não falar da qualidade”. 

Pedimos-lhe uma demonstração do seu trabalho e, assim que põe a gravar a voz, altera-se nitidamente. 

"Estou a buscar jovens e a fazer com que se interessem por política": Rui Lopo, tiktoker de 22 anos, não tem "medo de influenciar opiniões"

Conta-nos que o vídeo que alavancou a sua iniciativa, onde abordava a demissão de João Galamba do Governo, ultrapassou as 150 mil visualizações no fim do primeiro mês, “quando nem sequer tinha material”. Conseguiu alcançar mil seguidores na mesma altura e fez até uma captura de ecrã para o comprovar. “Faço print screen a cada mil.” O crescimento foi de tal maneira rápido que só agora sente que os números estão a estabilizar. Atualmente é seguido por mais de 56 mil pessoas. Para já não tem razão de queixa, mas quem sabe “onde isto vai parar”. 

Antes de enveredar por este caminho nas redes sociais, Rui teve de tomar uma decisão: “Ser completamente imparcial ou dar o lado político”. Acabou por optar pela segunda opção, explorando um equilíbrio entre exposição de factos e uma vertente mais opinativa. As expressões “na minha opinião” e “eu acho” tornaram-se uma constante no seu discurso. Aliás, hoje em dia mostra ter desenvolvido uma linguagem muito própria, facilmente identificada por aqueles que religiosamente o seguem. “Já cheguei a ser reconhecido na rua.” Sorri. “Dizem que parece que estão a ouvir um TikTok meu ao vivo.” 

Nos pequenos clipes que publica quase diariamente aborda temas da atualidade, que sempre lhe chamaram à atenção. “Eram coisas que já pensava, a diferença é que não falava para a internet.” Agora, em vez de pensar só para ele, tem “uma luz e um microfone à frente” e milhares de ouvintes do outro lado. “Dá algum trabalho, mas compensa porque o faço com gosto. Todos os dias tenho o sentimento de que ‘tenho de gravar’, ainda não chegou àquela fase do ‘tornou-se um emprego, tornou-se chato’, que toda a gente diz.” 

O podcast “Fora da Bolha”, no qual debate os mesmos assuntos com um dos seus melhores amigos, veio depois. “Mas a ideia já tinha surgido antes de começar a fazer TikToks.” Mostra-nos uma caneca com a identidade visual da dupla.

Entre os dois formatos, Rui escolhe o podcast, sendo que tem mais tempo para esclarecer as coisas. Só que “a tendência não está para os podcasts”. Explica que o objetivo do Tiktok é “esclarecer rápido”, revela que tem um público “mais apolítico” e que procura ter cuidado com os temas mais sensíveis, nomeadamente a transexualidade, casas de banho mistas ou touradas. 

“Há ondas de interesse na política entre os jovens, que hoje estão a voltar a ter interesse, muito pelo Tiktok.” Por outro lado, observa que ainda não existem muitos criadores de conteúdos semelhantes aos seus. Então de esquerda “não há quase nenhum”. 

Rui Lopo (FOTO: Joana Moser)

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A saída de Passos e um exame cancelado: como tudo começou

A concluir o último ano de licenciatura em Ciência Política e Relações Internacionais na Universidade Católica, lembra o dia em que começou a interessar-se pelos assuntos da nação. Tinha 14 anos e viu um exame de inglês ser cancelado “porque o Governo tinha mudado”. Pedro Passos Coelho tinha vencido as eleições legislativas de 4 de outubro de 2015, mas a geringonça tinha a maioria absoluta do Parlamento. “Passos Coelho foi tirado do Governo por António Costa, mas porque é que não ia ter exame de inglês?”, questionou-se Rui. A partir daquele momento, procurou perceber as diferenças entre as ideologias de esquerda e as de direita e “foi uma bola de neve que chegou ao dia de hoje”. 

Agora acredita que ajuda a atrair jovens como ele para a política. Foi o que lhe disse um estudante, durante um dos vários debates e palestras em escolas para os quais já foi convidado. “Entre o risco de influenciar opiniões ou simplesmente não fazer nada, escolho esse risco e ter cuidado com isso.” Sublinha que, por vezes, “as pessoas esquecem-se de que somos todos seres humanos” e culpa os políticos, “que são políticos de palco”. “Isso não cola, a relação fica distante.” 

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"Políticos como influencers" ou "influencers políticos"

Face à crescente adesão dos partidos mais recentes às redes sociais, nomeadamente o TikTok, Rui deixa um reparo: “Há uma sensação de falsidade”. 

Mas porquê? “Não pode ser só dizer mal do outro, fazer uma dancinha ou dar abraços às velhinhas na praça.” Diz que é preciso haver “um jogo equilibrado” e que depois de “uma dancinha é importante ter um vídeo com conteúdo". 

Apesar de não ser apologista dos vídeos “menos sérios” de alguns partidos, admite que se use “o ridículo” para depois “arrastar o jovem para a política”. Isto porque, para um partido chegar aos jovens, “é pelas redes sociais”. 

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Com um pé dentro da Assembleia

Sonha ser comentador político, mas antes professor universitário. E como pensa chegar lá? “Talvez com um mestrado em Economia ou Direito.” 

Deseja ainda vir a entrevistar Carlos Moedas, Rui Moreira e Marcelo Rebelo de Sousa. “São pessoas importantes.” Os primeiros porque são os presidentes das maiores câmaras do país, “onde há muita coisa a acontecer”. Em relação ao Presidente da República, “por razões óbvias”. Mas não está longe disso. Lançou o projeto O Resgate, onde entrevista figuras políticas dentro da Assembleia da República. “Não fico nervoso, fico mais ansioso.” A estreia do projeto contou com a participação de Bernardo Blanco, deputado da Iniciativa Liberal, seguido de Rita Matias, deputada do Chega e líder daquela juventude partidária.

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De um jovem para os jovens

A retórica e os conhecimentos de Rui fazem-no parecer mais velho do que aquilo que realmente é, mas considera-se apenas um rapaz preocupado com o que há de vir. Tem duas prioridades, que são “a primeira habitação e perspetivas de futuro”, mas observa que “finalmente” já são “uma preocupação da maioria dos partidos”. Fica calado e pensativo, até que interrompe o silêncio: “Mas os partidos à direita têm mais lógica nas medidas que apresentam”.

Defende que duas formas de combater os problemas referidos são: o Estado cobrir, em parte, a entrada da primeira casa e fixar o IRS, por exemplo, “até 15%”, para jovens até aos 35 anos. Recorde-se que a última foi inclusive uma proposta do PSD, chumbada no Parlamento em setembro de 2023. 

“Estamos a entrar num cúmulo perigosíssimo”, diz, queixando-se do “conformismo dos jovens portugueses” em relação a viverem em casa dos pais. Critica o discurso “com eles até estou bem, fazem-me a comida, tenho a cama feita pela minha mãe”. “Isto é um erro”, frisa, e explica que Portugal já passou a fase de identificação deste problema. Considera que, agora que “estamos habituados”, as pessoas já não o querem resolver. 

Segundo os dados do Eurostat, correspondentes a 2022, a idade média de saída da habitação dos pais ficou nos 29 anos de idade. 

Emigrar, para Rui, não é uma opção. Gosta da política nacional e tem vontade de ajudar o país. Acredita que “ainda vamos a tempo de mudar isto”, mas a sua geração “já não se safa”. Não culpa as gerações mais velhas e apela a que os pensionistas não devem ser esquecidos, “já deram muito a Portugal”. 

E a educação? “Não a vejo com bons olhos aqui.” Argumenta que a escola pública “está a tornar-se um problema”, levando a classe média, sem rendimentos para pagar o privado, a “fazer o esforço” pela educação dos filhos. Segundo o Ministério da Educação, há 1650 alunos sem professor em pelo menos uma disciplina desde o início do ano.

Enquanto fala com a CNN Portugal tem ao seu lado “48 leis do poder”, descreve-o como um livro “importante porque tem todas as mesquinhices e tramoias da política, de um ponto de vista histórico”. “O que acontecia com António Costa acontecia em França em 1700, na Grécia Antiga. Os políticos não são tão diferentes dos de há 200 anos.”

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