“Os bons exemplos de comunismo acabam em morte, fome e miséria.” Resposta: “O teu bom exemplo de liberalismo é uma bimby política”
CDU x IL

“Os bons exemplos de comunismo acabam em morte, fome e miséria.” Resposta: “O teu bom exemplo de liberalismo é uma bimby política”

Dois jotas entram num bar || CDU x IL

REPORTAGEM 
JOANA MOSER SOFIA MARVÃO 

VÍDEO 
SOFIA MARVÃO 

FOTOGRAFIA 
JOANA MOSER

Dois jotas entram no bar de um restaurante mexicano em Lisboa. Na ponta de um sofá preto aveludado senta-se o liberal Gonçalo Cordeiro, 30 anos, que começa por pedir uma cerveja Corona. Posicionada no cadeirão da frente, a comunista Inês Rodrigues, 22 anos, acompanha-o na bebida. Veio propositadamente do Norte e trouxe consigo dois camaradas, que aguardam numa mesa ao lado a tirar notas.

Gonçalo é assessor parlamentar da Iniciativa Liberal (IL) e candidato número 8 por Lisboa às eleições legislativas. Inês, apesar de mais nova, já é membro da direção nacional da Juventude Comunista Portuguesa (JCP) e candidata número 2 da CDU por Braga.

Dá-me um bom exemplo de comunismo, dá-me um bom exemplo de liberalismo

Inês lembra-se de quando se juntou à JCP, em 2017, num período em que já se faziam sentir os resquícios da crise na Educação. Não havia cacifos nem professor de duas disciplinas na escola que frequentava, levando-a a unir-se à luta dos estudantes e a conhecer os comunistas que também lá estudavam. Acabou, pouco tempo depois, no congresso da juventude partidária. “Decidi avançar e juntar-me à JCP, fazia sentido dar força a esta luta e desde aí nunca parei.”

Gonçalo quer explicar “porque é que o liberalismo funciona”, Inês sorri sarcasticamente e revira os olhos ao ouvir isto. O local onde falam parece traçar exatamente o tom do debate: um ringue de box no primeiro andar do restaurante onde há adereços alusivos ao Cinco de Mayo – data em que, pela primeira vez, o exército mexicano derrotou a França.

Tudo a postos, começa o combate retórico.

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Round 1. Bimby política || Morte, fome, miséria

Inês começa com uma explicação sobre como “o comunismo é a solução ideal para Portugal”. “Faz falta uma democracia avançada com os valores de Abril no futuro de Portugal. É preciso construir uma sociedade mais justa, onde não haja exploração do homem pelo homem e onde estejamos realmente livres para podermos ser quem somos, para podermos ter a vida que queremos sem a exploração de um pelo outro.” Discursa quase como se estivesse num comício: “Nestas eleições está à boca de todos, faz realmente falta garantir que o país não anda para trás e que não se regride nos 50 anos de 25 de Abril - que cumpra portanto aquilo que nos foi prometido”.

Gonçalo olha Inês nos olhos e desafia-a a “encontrar um regime comunista que tenha sido bem-sucedido”. Inês não refere um país que seja um exemplo positivo do comunismo, ao invés responde que “cada povo está a traçar a sua própria história, o seu próprio caminho, e nós estamos aqui a traçar o nosso”.

“A realidade empírica não mostra que o projeto comunista alguma vez tenha sido bem-sucedido em qualquer parte”, interrompe Gonçalo. É aí que Inês dá o primeiro soco deste combate: “E o liberalismo funcionou?”. Gonçalo não se deixa cair: “Eu não sei que liberalismo é este em que o PS governa desde 2015 e a culpa é nossa. É algo fascinante. A não ser que o PCP tenha, entre 2015 e 2021, aprovado orçamentos de um partido liberal, consta que não”.

Gonçalo diz que há vários exemplos de regimes liberais que funcionam, nomeadamente na Holanda e na Alemanha, a nível do Sistema Nacional de Saúde. “Outro exemplo são as medidas fiscais que a Estónia aplica”. “Ah, pegas uma coisa aqui e ali e fazemos uma bimby política de liberalismo”, troça Inês. “Antes misturar as coisas para fazer uma receita boa do que não ter um exemplo concreto para dar”, responde Gonçalo, rematando com “não há bons exemplos do comunismo que não tenham dado em morte, fome e miséria”.

E assim termina a primeira ronda deste combate. 

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Round 2. A medida mais importante de todas || 15% de IRS

Para Inês, a medida mais importante do programa eleitoral da CDU é o aumento geral dos salários. “O Gonçalo vai ter outras opiniões”, começa por dizer, antes de destacar que “é preciso um aumento do salário mínimo de 15% mas nunca inferior a 150 euros”. Este golpe vem com um gancho: trata-se de uma medida que o PCP já tinha apresentado ao PS em 2021 e que a IL chumbou. “É a medida mais importante de todas. Precisamos de garantir que quem trabalha tenha uma remuneração digna”.

Gonçalo não se deixa ficar e responde à provocação de Inês: “Estou de acordo com o aumento geral dos salários, onde nós discordamos é nas soluções. Se os problemas do país se resolvessem pelo salário mínimo, não haveria qualquer problema em aumentá-lo. ” A resposta tem tom irónico porque “há uma realidade económica que é indissociável desse salário mínimo”. Essa realidade é referente ao facto de o tecido empresarial português ser composto por micro, pequenas e médias empresas, explica Gonçalo, que tem mestrado em Finanças. “Ou seja, aumentar o salário mínimo é estar a aumentar os custos diretos dessas empresas que, em grande parte, não têm capital para os suportar.” 

Gonçalo diz que a IL “tem medidas na ótica das pessoas e na ótica das empresas”. Por um lado, em sede de IRS defende um imposto fixo de 15%. “Serve para deixar mais dinheiro no bolso das pessoas e como incentivo para não emigrar. Alguém que ganhe 1500€ brutos por mês recebe mais 1500€ líquidos por ano.” Por outro, sublinha que a IL também apresenta medidas para atrair empresas com maior capital e que consigam pagar melhores salários. “É de facto incrível como é que um país com tão pouca riqueza como o nosso destrate as empresas ao ponto de desincentivar que elas estabeleçam a sua sede em Portugal.” 

Inês discorda, refere que a maioria dos custos das micro, pequenas e médias empresas são com “eletricidade, telecomunicações, combustíveis e custos bancários”. E faz uma ressalva: “Quando o PCP apresenta a proposta de redução do IVA da eletricidade para 6%, a Iniciativa Liberal vota ao lado do PS para chumbar”. Gonçalo intervém de imediato: “Só uma pequena reposição de verdade: nós temos no nosso programa a baixa do IVA de 6% para a eletricidade, que é um bem essencial”. 

No tema dos impostos, que a IL pretende reduzir, Inês esclarece que “a narrativa criada pela direita de que o grande problema nacional são os altos impostos é algo que o PCP não acompanha”. “Nós não temos um problema de grandes impostos, nós temos um problema de injustiça fiscal”, defende Inês. “Os impostos são muito duros com quem tem menos e são muito grandes com quem lucra muito.” Para o PCP, é preciso “reduzir a carga fiscal nos salários e no consumo”, daí a medida de descida do IVA da eletricidade. “Temos de garantir uma melhor redistribuição, não podemos garantir borlas fiscais.”

Gonçalo reage à explicação de Inês e sugere uma troca: “Vocês acabam com os benefícios fiscais que tanto querem e nós criamos condições para que o resto dos 99% que não beneficiam desses benefícios fiscais possam ter uma vida digna em Portugal”.

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Round 3. Inês ri-se de Gonçalo a borrifar-se

A segunda proposta do PCP que Inês destaca é o investimento no Serviço Nacional de Saúde (SNS), que vê como “uma das grandes conquistas da Revolução de Abril”. Inês defende que o papel do Estado é que haja “um grande investimento no SNS, que não pode ser canalizado para grupos privados”. Gonçalo refuta esta ideia. “Estou-me borrifando se o prestador é público ou privado, eu quero é tratar as pessoas”. “Pois claro”, ri-se Inês. Para o representante da IL é “irrelevante se alguém tem lucro ou não por um ato médico”. Inês riposta: “Lá vem esta ideia da liberdade de escolha que a IL diz que apresenta, mas a liberdade vem só é quando é assegurada com serviços universais para todos e em condições de igualdade”.

“Duvido que a população de Braga, que tu conheces tão bem, concorde contigo”, diz Gonçalo, criticando o fim do regime das parcerias público-privadas (PPP), que na sua ótica foi um erro. “Conheço várias pessoas de Braga e eu duvido muito que concordem contigo e que considerem que o Hospital de Braga hoje funciona melhor do que funcionava antes do fim da PPP.”

Inês responde: “Mas em Braga, particularmente com o fim das PPP, conseguimos recuperar muitos dos direitos daqueles trabalhadores que não estavam a ser assegurados”. Ressalva que “o problema foi que o PS devia ter continuado a assegurar o SNS e não o fez - havendo investimento para os privados, tem de haver investimento para garantir um serviço de qualidade no público”. 

“Então assumes que as populações têm serviços piores? Têm um serviço pior?”, soco de Gonçalo. “Em alguns casos”, assume Inês. “Em 99% dos casos”, volta a reagir Gonçalo, frisando o atual estado dos hospitais. “Passámos de hospitais que não estavam nas notícias para hospitais que estão constantemente nas notícias”, afirma o representante da IL, enumerando diferentes problemas: “Ou é uma urgência fechada ou é consultas que estão atrasadas ou é cirurgias que têm de ser remarcadas. Isto tornou-se banal. Isto não acontecia antes”.

Para Inês, o foco do problema no SNS está na “desvalorização das carreiras da função pública - que se espelha na administração privada”. A solução, diz, passa por garantir a questão do SIADAP (sistema integrado de gestão e avaliação do desempenho na administração pública) - que “é só um método de avaliação que não garante a progressão na carreira” - e garantir o contrato de exclusividade no SNS, com benesses para os profissionais, principalmente os médicos, de forma a fixá-los no Serviço Nacional de Saúde. “E isto é uma das principais propostas do PCP, é valorizar quem lá trabalha, não é acabar com os serviços públicos.”

Gonçalo interrompe: afirma que nem ele nem a IL defendem a extinção dos serviços públicos. “Em nenhum momento sugeri, neste debate ou noutro, que a IL defende a extinção dos serviços públicos.” Gonçalo faz uma análise crítica do sector público, apontando a sua aparente disfunção. 

No recente debate com Rui Rocha, Pedro Nuno Santos colocou a questão: “O que é que não está a funcionar?”. Para Gonçalo, a pergunta mais pertinente devia ter sido “o que é que está a funcionar?”. Tendo em conta o estado dos serviços públicos do país, Gonçalo contesta a ideia de que o Estado deve ser o único prestador de serviços e defende uma mudança de orientação. “O Estado tem de financiar o serviço. Se o presta ou não é irrelevante.”

Novo golpe de Inês: “Mas porque é que será o Estado a financiar os privados para prestar um serviço que o Estado tem condições de prestar?”. Gonçalo: “Mas o Estado não tem condições. É isso que nós estamos a constatar. O Estado não tem condições de prestar”.

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Round 4. Breves considerações sobre um tema delicado

“Aquilo que o PCP defendeu desde o início sobre a eutanásia é aquilo que continuamos a defender hoje”, diz Inês. “Precisamos de garantir condições de dignidade num estado terminal e de serviços continuados que realmente confiram conforto aos pacientes e aos familiares para garantir um fim de vida digno.” 

Já do lado da IL, Gonçalo reconhece a fragilidade do tema. “Todos os temas morais envolvem uma carga subjetiva e a eutanásia não deixa de ser um deles.” Destaca o contributo da IL para o projeto de lei, nomeadamente na formulação do aspeto que permite aos profissionais de saúde oporem-se ao ato por motivos de consciência.

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Round 5. Dois jotas quase a sair de um bar elogiam a coerência alheia

Questionados sobre se apoiam os respetivos partidos a 100%, a resposta diverge.

Gonçalo: “Se quisesse criar um partido em que concordo a 100% com tudo o que defendo estaria sozinho nesse partido”. É “saudável que as pessoas discordem de algumas coisas”, mas não se recorda de uma medida em concreto do partido com a qual não tenha concordado.

Inês responde que “concorda essencialmente com tudo”, justificando que “todas as propostas são discutidas coletivamente com uma ampla participação do coletivo partidário”. Defende de tal forma o seu partido que, confrontada com a situação do minuto de silêncio pelas vítimas da guerra da Ucrânia, realizado no Parlamento no ano passado, diz que faria como o PCP fez - não participaria. “Seguiria o meu grupo parlamentar”.

Gonçalo explica que “só há uma coisa que admira no PCP - a coerência”: “Independentemente dos danos que isso pode causar eleitoralmente, o PCP é sempre coerente”. Inês não admira nada em concreto na IL mas se tivesse de escolher algo seria a coerência também, "sabemos sempre com o que contar da IL".

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