O Psicólogo Responde: A saúde mental melhora no Verão?
Praia (Associated Press)

O Psicólogo Responde: A saúde mental melhora no Verão?

O Psicólogo Responde é uma rubrica sobre saúde mental para ler todas as semanas. Tem comentários ou sugestões? Escreva para opsicologoresponde@cnnportugal.pt

Ana Isabel Lage Ferreira
Psicóloga e membro da direção da Ordem dos Psicólogos Portugueses

“Já arranjei muito bem 

Tudo quanto convém 

P'ra praia levar  

O pente, o espelho, o batom 

E o creme muito bom 

Pra me bronzear” 

É muito provável que depois de ler estes versos esteja já a cantarolar o resto da música que ficou mais famosa do que a própria cantora que lhe deu voz. Ficou famosa porque a associamos ao Verão e a esta leveza e energia positiva que o calor e as férias parecem trazer. Apesar de ser uma canção dos anos 1960s, é ainda hoje comum ouvi-la como música de fundo nas reportagens da “silly season”. 

É também muito provável que não se lembre de todo o poema e das contradições que ele mostra sobre o que pode ser a época do Verão – um tempo para estar na praia, relaxada a ouvir música com um biquíni e batom encarnados, muito bem penteada e protegida com creme. E sem esquecer os óculos de sol para esconder o “seu sofrer” e para “ninguém ver”. 

Talvez seja também assim a Saúde Mental no Verão – ora pode melhorar, ora pode piorar.  

Por um lado, temos mais tempo para fazer o que gostamos. Os dias são mais longos, os horários menos rígidos, as crianças têm menos atividades fixas e não têm de acordar tão cedo, o trânsito é menos intenso, as esplanadas multiplicam-se e todos parecemos ter mais disponibilidade para nos juntarmos.  

Até no trabalho as exigências podem diminuir. É frequente ouvir “o melhor é deixar isso para setembro” quando se trata de novos projetos ou situações mais complexas. As equipas estão menos inteiras, com alguém sempre de férias e tudo parece mais lento e menos urgente.  

Em casa, com as rotinas mais soltas, é mais fácil fazer programas em família. As férias significam para muitos sair mesmo de casa e viajar para outros sítios. Jantar fora, comer gelados, beber cerveja, apanhar sol, descansar. Fazer tudo mais devagar.  

A tudo isto parecem estar associados indicadores de melhor saúde mental: menos stress, mais interação social, mais tempo com a família, mais tempo para relaxar, mais luz solar e até mais alguma atividade física.  

Mas, tal como na canção, também o Verão traz contradição. (rima não intencional) 

Porque o Verão também é altura de temperaturas mais altas, de férias e de tempo em família para aqueles que têm espaços menos climatizados e confortáveis, para outros com menos orçamento para viajar, e para muitos que têm relações familiares e laços sociais mais frágeis, complicados ou inexistentes. O Verão pode revelar muitas dessas fragilidades e até mesmo agravá-las. E nesse sentido pode piorar a saúde mental, porque traz mais stress associado à gestão de um orçamento familiar reduzido ou à organização de rotinas e de espaços de comunicação que já não são habituais e que geram desconforto e conflitos. Porque nas rotinas de escola/trabalho é mais fácil evitar conversas difíceis, negociações, silêncios incómodos.  

A promessa que o Verão e o tempo de descanso trarão mais harmonia nas relações, que o dinheiro extra do subsídio de férias permitirá algum alívio nas contas, que os dias mais compridos permitirão sair de casa e relaxar, acaba por não se cumprir, aumentando ainda mais a frustração e a desesperança. Um indicador claro deste desapontamento acontece em muitos países (inclusive o nosso) com as taxas de divórcio a aumentar imediatamente a seguir às férias de Verão.  

Então, e para que o seu Verão não se torne na canção que acaba com “E eu vou passar a tarde a chorar uhu, uhu..”, aqui ficam algumas sugestões.  

Sugestões 

  1. Faça planos. Ao planear, sobretudo se o fizer em conjunto com as pessoas com quem vai passar esse tempo, está simultaneamente a antecipar imprevistos, sintonizar expectativas e reforçar a relação. Estão já a fazer algo juntos. 

  2. Seja realista. Entusiasme-se, mas seja realista com esses planos. Procure definir atividades ou projetos que caibam no seu orçamento familiar. Considere possibilidades que impliquem poucos gastos, como picnics, ou ser turista na sua própria cidade, ou passeios na natureza, ou tire fotos e organize-as. A investigação mostra que gastar dinheiro em experiências tem um impacto mais positivo no bem-estar do que comprar coisas.  

  3. Procure a novidade. Experimente algo novo que possa incluir na sua vida. Desde comida diferente, sítios que nunca visitou, falar com alguém diferente ou até falar de forma diferente com alguém que já conhece. Quando experimentamos algo novo quebramos o ciclo da habituação e da monotonia. 

  4. Cuide das relações. Comece por pequenos gestos – mensagens, telefonemas, convites para um final de tarde. Volte a sentir prazer em estar junto sem planos de futuro.  

  5. Pense em si. Aproveite esta pausa para fazer balanços. O que está a ser mais fácil e mais difícil. Quem pode ajudar. Que outros caminhos pode tomar. Às vezes estas reflexões com um profissional são ainda mais produtivas. Pense nisso.

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