"É muito mais aquilo que nos une do que aquilo que nos separa". Dois jovens do PAN e do Livre juntam-se num bar
Jotas L x PAN

"É muito mais aquilo que nos une do que aquilo que nos separa". Dois jovens do PAN e do Livre juntam-se num bar

Dois jotas entram num bar || Livre x PAN

REPORTAGEM
Joana Moser 
Sofia Marvão

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Sofia Marvão

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Joana Moser

Dois jotas entram num bar, desta vez num speakeasy em Lisboa. São Rodrigo Andrade, 24 anos, representante do PAN, e Tomás Cardoso Pereira, 30 anos, do Livre. Ao contrário daquilo que prevíamos chegam em parelha, bem-dispostos, como quaisquer clientes habituais. Não deixamos de reparar que até as cores das suas indumentárias combinam. Ali percebemos que vamos assistir a uma troca de galhardetes amistosa entre dois potenciais parceiros políticos, e não a um debate aceso entre antagonistas.

Sentam-se a poucos metros um do outro e pedem duas cervejas. Começam por brindar ao combate às alterações climáticas, mas os temas nos quais convergem não ficam por ali. Ao longo da conversa procuram identificar pontos suscetíveis de discussão, mas até na discórdia acabam por concordar. E esta? Vieram juntos e mais unidos saíram.

A CNN Portugal convidou os membros dos dois partidos com deputado único para um frente a frente que acabou por se revelar um lado a lado. Rodrigo e Tomás contam que costumam cruzar-se nos corredores da Assembleia da República, uma vez que os gabinetes são relativamente próximos. Tanto um como o outro deixaram o mestrado em Ciência Política para trás e optaram por passar à prática: Rodrigo é agora assessor de Inês de Sousa Real e Tomás é chefe de gabinete do Livre. 

À medida que os temas são lançados para cima da mesa, um vai ouvindo atentamente os argumentos do outro, sem ousarem atropelar-se. Das poucas vezes que tal acontece, não hesitam no pedido de desculpa. Admitem que se respeitam mutuamente e reconhecem mérito nos partidos ali representados.

Tanto o PAN como o Livre são recentes. O primeiro foi fundado em 2009 como um partido animalista, e o segundo em 2013 como partido ecologista. Até ao momento, nenhum dos dois tem juventudes partidárias estruturadas, ainda que o PAN esteja em processo de formalização. E é aí que os representantes não se mostram em total acordo. Tomás explica que, na perspetiva do Livre, “os jovens devem ter o mesmo poder de decisão de uma pessoa de qualquer outra idade”, e que quiseram fugir ao conceito de “piscina dos pequeninos”. Já Rodrigo defende que “é uma questão de organização do partido”, mas que não é por isso que os jovens têm menos oportunidades no seio partidário. “Eu tenho 24 anos e sou cabeça-de-lista pelo distrito de Leiria”, sustenta.

Esclarece que a criação de uma estrutura de juventude partidária facilita a discussão de temas habitualmente levantados pelos jovens, como a legalização das drogas leves. “Mas isso não é só para os jovens”, reage Tomás cordialmente. Rodrigo concorda, mas reitera que “o foco será maior se for trabalhado pela juventude”. “Se isso se confirmar avisem”, graceja o membro do Livre.

"É muito mais aquilo que nos une do que aquilo que nos separa". Dois jovens do PAN e do Livre juntaram-se num bar: o debate em dez minutos

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Rivais ou aliados?

Entre os oito partidos com assento parlamentar, Rodrigo reconhece que é “sempre mais fácil para o PAN concordar com o Livre”, considerando a evidente partilha de “alguns valores”. Ambos pertencem à família política dos Verdes Europeus e “votam de maneira mais parecida na Assembleia”. Aliás, não consegue lembrar-se de uma proposta que o PAN tenha apresentado e que o Livre tenha votado contra. “E somos os dois progressistas”, atira Tomás. 

Mas como em todas as histórias de amizade, também a dos seus grupos políticos tem os seus altos e baixos. “Não vou dizer que o Livre ignora a causa animal, isso seria desonesto”, admite Rodrigo. Só que a proteção dos animais, “um pilar base” do partido de Inês de Sousa Real, não tem o mesmo peso para o de Rui Tavares. Tomás não desmente: “Não está tão alto na lista de prioridades do partido”, mas está lá, “integrada na sua missão”.

Rodrigo concorda que possa parecer monotemático, mas declara que a causa animal também deve ser inserida no combate às alterações climáticas. “A produção animal é um dos maiores poluentes”, afirma. Essa foi uma das principais razões que o levou a tornar-se vegetariano em 2016, e vegan vários anos depois. 

A propósito das acusações da porta-voz do PAN, sobre o Livre fazer dos animais “slogan eleitoral”, Tomás diz acreditar “verdadeiramente que o bem-estar animal é uma ilustração e atitude que uma sociedade desenvolvida tem de ter presente”. “Há uma tentativa de criar uma clivagem entre os partidos que não existe”, continua. Na sua perspetiva são apenas abordagens diferentes. Enquanto o PAN se posiciona como um partido de causas específicas, o Livre “é mais abrangente”.

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Da "indefinição" do PAN à "tão esquerda" do Livre

Outro fator de ligeira discórdia é a indefinição ideológica do PAN que, para Tomás, “gera certos problemas”, como não passar “a imagem certa ao eleitorado”. “A mim, pessoalmente, isso afasta-me”, assume.

Rodrigo explica que, de facto, “não se identifica nem à direita, nem à esquerda”. É que do seu ponto de vista, bem como dos seus colegas, questões como a emergência climática e a proteção animal “devem ser alvo de preocupação de todos os partidos, independentemente do espectro ideológico". “Se o mundo vai acabar em 2050 ou 2075, isso deve ser algo que deve preocupar a todos”, argumenta. 

Lembra-se do dia em que se juntou ao PAN, por não considerar nenhum outro partido “verdadeiramente ambientalista”. Perguntamos-lhe o que faria se à data já existisse o Livre. Tomás olha-o, aguardando uma resposta e tenta conter as gargalhadas. Mas Rodrigo não esconde que não é “tão de esquerda” como o jovem que ali tem à sua frente. 

Paralelamente, Tomás considera que o somatório das propostas que o Livre propõe “resulta num partido de esquerda”. E o mesmo não acontece com o PAN, que “cai no centro-esquerda”. “É impossível que o somatório das propostas de um partido não se traduza num espectro político”, defende.

No que concerne às políticas de coligação do PAN, o seu representante diz que não é “inédito partidos verdes coligarem-se com partidos de direita”. O PAN é muito claro, diz, mesmo não se definindo ideologicamente: “Tendo em conta que só o PS e o PSD podem formar Governo, ambos podem ter o apoio do PAN num cenário pós-eleitoral.” Mas isso depende das propostas que apresentem.

Mas não é só a indefinição ideológica do PAN que afasta Tomás deste partido, são as medidas que incentivam as terapias não convencionais. Argumenta que os fundos públicos devem ser dirigidos para políticas baseadas em “ciência sólida”. Rodrigo rebate: “Nós acreditamos que as terapias convencionais devem servir como complemento às evidências científicas presentes no SNS.” 

“Eu percebo isso”, discerne Tomás, ao mesmo tempo que destaca o estado atual do Sistema Nacional de Saúde. “Certo. Nós estamos conscientes disso”, reage Rodrigo, explicando que a prioridade do PAN é “consertar os problemas do SNS”. “Nunca será prioridade do PAN mandar o SNS para o lixo e dizer ‘não, agora só terapias não convencionais’“, acrescenta. “Também não achava que fosse esse o caso”, assegura Tomás.

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"P" é para "Pessoas"

A ideia de que o PAN prioriza os animais em detrimento das pessoas existe, mas Rodrigo esclarece que não corresponde à verdade. Dá como exemplo a proposta da descida do IVA dos atos médicos veterinários e das rações para 6%. “Quem vai pagar as rações e atos médicos são as pessoas, não são os animais.” 

Atualmente, a taxa de IVA aplicada a atos médico-veterinários em animais de companhia é de 23%, “é considerado um bem de luxo”. Por isso, o PAN defende que ao diminuir esse valor, está a “ajudar diretamente as famílias que beneficiam desses impostos”. 

Tomás concorda: “Se baixassem o preço das rações para a minha cadela também me ajudava.”. Diz-nos que tem uma cadela Yorky resgatada, chamada Nara - nome de uma terra no Japão. O cão de Rodrigo chama-se Dobby, também ele resgatado. Ambos admitem as dificuldades económicas inerentes aos animais de companhia.  

Rodrigo tem consciência do quão utópico é Portugal deixar de ter animais abandonados, mas esse é um dos objetivos do partido. E crê que medidas como a referida anteriormente ajudam não só os animais, mas essencialmente os tutores.

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Viver fora de Lisboa, viver em Lisboa

Tal como tantas outras pessoas, Rodrigo não vive na Grande Lisboa. Todos os dias viaja de Vale Covo, no Bombarral, para o centro da cidade da capital. O seu trajeto demora mais ou menos uma hora e meia: vai de carro a gasóleo até à estação de autocarro (que demoraria meia hora a pé), depois sai no Campo Grande, onde apanha o metro até ao Rato. Por fim, vai do Rato a pé para a Assembleia da República onde trabalha. “O PAN não se preocupa apenas com os animais”, reitera o representante do partido, trazendo os tópicos da habitação e dos transportes para cima da mesa. São temas que também preocupam Tomás, apesar de viver a minutos a pé da Assembleia.  

“Não somos contra, nem demonizamos o mercado e a iniciativa privada”, explica Rodrigo, referindo-se à proposta do PAN de dar um incentivo fiscal aos senhorios que arrendam quartos a jovens. Assim, não sendo o PAN nem de esquerda, nem de direita, consegue aproveitar o que é de bom dos dois espetros políticos. “Nós também não demonizamos”, sublinha Tomás, admitindo, contudo, que o Livre se foca na iniciativa estatal.

No que toca aos transportes, ambos apelam à redução da utilização do automóvel. Mas Rodrigo, a viver fora da cidade, reconhece que os transportes públicos não são uma opção viável para muita gente. Isto, sobretudo porque estão em falta. 

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A IA e os trabalhadores

No debate entre Rui Tavares e Rui Rocha, o líder do Livre referiu a aplicação de uma taxa sobre a automação para fazer frente às eventuais adversidades que os trabalhadores possam vir a sofrer. Uma das críticas apontadas a esta medida é que desincentiva o progresso tecnológico em Portugal. 

Numa altura em que é discutida a semana de quatro dias, Tomás considera que "as duas coisas até são complementares”. Ou seja, com o aumento da automação, é possível compensar os trabalhadores, reduzindo-lhes algumas horas, recorrendo a essa taxa. 

O representante do Livre descreve a crítica de Rui Rocha como “risível”, lembrando a comparação que fez entre a implementação da taxa de automação e a substituição de um polícia sinaleiro por um semáforo. Para Tomás, a taxa de automação trata-se de “preparar a possibilidade do aumento da taxa de desemprego”. “É um futuro que não está assim tão longe.”

A ideia é poder acautelar financeiramente as pessoas que ficaram sem trabalho por conta dos progressos tecnológicos, explica Tomás. “Fiquei chocado com a crítica de Rui Rocha. Tanto Bill Gates, como Elon Musk, reconhecem a pertinência do debate.” “Quem parece que está desatualizado não é o Rui Tavares, é o outro Rui”, acrescenta. Também a semana de quatro dias é um debate importante para Tomás, pois irá permitir “acomodar o modelo de produção mais robotizado”.

Não é só o Livre que se preocupa com o desenvolvimento tecnológico, também o PAN pretende acautelar o desenvolvimento tecnológico que venha a substituir funções humanas por inteligência artificial ou similares. “Nós concordamos muito com isso, até apresentámos um projeto de resolução escrito pelo ChatGPT, para haver regulação da inteligência artificial”, revela Rodrigo. Para o jovem, a mensagem é clara: “a IA pode ser benéfica para a sociedade, tem é de estar aliada ao progresso social”. 

O que os distingue é que “o PAN não pretende criar um imposto sobre a utilização das máquinas”. Mas sim “mexendo na taxa social única” -  imposto mensal obrigatório que incide sobre o vencimento do trabalhador e que é pago pela entidade empregadora à Segurança Social. O objetivo é que havendo empresas que apostem mais em máquinas, deve haver uma compensação para a Segurança Social, explica o jovem do PAN. “Desta forma, aqueles que ficaram sem trabalho podem investir em si mesmos.” 

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Juntos no combate à crise climática

Há cada vez mais iniciativas de combate às alterações climáticas por todo o mundo. E Portugal não é exceção. As manifestações têm vindo a tornar-se virais, mas há quem condene os seus métodos. “Condenar é uma palavra forte”, defende Tomás. 

Tomás apela ao pragmatismo e inteligência daqueles que defendem o combate às alterações climáticas. Isto porque, “estamos num ponto de inflexão na política europeia e no mundo”. “Este combate faz-se com as pessoas e não contra as pessoas.” Por isso, há certas formas de protesto utilizadas pela Climáximo e outros, como bloquear estradas e atirar tinta a quadros, que “não são as mais inteligentes, pois viram pessoas contra esta causa”, defende o representante do Livre. 

“As obras de arte e a cultura também são importantes para a humanidade”, reforça. Apesar de Tomás reconhecer a eficácia de protestos que causem desconforto para chamar a atenção, sublinha que é um “caminho muito estreito”. “Se gera demasiado desconforto, vira a opinião pública contra esse tipo de protesto, acaba por ser mais nocivo do que benéfico”, frisa. “Partilho as mesmas ansiedades ecológicas de quem se manifesta, mas nesta fase é importante arranjar formas de luta que não virem as pessoas umas contra as outras.” 

Rodrigo partilha da mesma visão: "As causas são excelentes, mas o método não é o melhor. Tal como o Tomás disse, precisamos de todos para o combate às alterações climáticas.” Para o representante do PAN, quando as iniciativas viram a opinião pública contra o protesto, “é a causa que sai prejudicada”. “É preciso sermos uns para os outros, estamos juntos nisto.”

Depois de uma conversa entre o Livre e o PAN, Rodrigo confessa que valoriza “a partilha da causa ambiental” e o próprio Rui Tavares. “Já gostava dele pelo seu trabalho de historiador. E também admiro o Tomás.” “Estragaste-me a resposta”, ri Tomás, que ia dizer que também admira Rodrigo. No que toca ao partido, Tomás admira a capacidade de trabalho do PAN.

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