Dois jotas entram num bar, um pede cerveja e o outro vinho. Depois, bem, depois: debate rasgadinho
Jotas PS x PSD

Dois jotas entram num bar, um pede cerveja e o outro vinho. Depois, bem, depois: debate rasgadinho

Dois jotas entram num bar || PS x PSD

REPORTAGEM
Joana Moser 
Sofia Marvão

VÍDEO
Sofia Marvão

FOTOGRAFIAS
Joana Moser

Dois jotas entram no Corner, na Praça Marquês de Pombal. Do lado esquerdo vemos Miguel Costa Matos, 29 anos, secretário-geral da Juventude Socialista (JS). À direita Alexandre Poço, 31 anos, presidente da Juventude Social Democrata (JSD). Um aparece à hora exata, o outro chega meia hora mais cedo. Um pede cerveja, o outro pede vinho tinto. Cumprimentam-se cordialmente, ficando cada um no seu canto ao telemóvel, e pouco ou nada interagem.

A CNN Portugal convidou dois líderes de juventudes partidárias para um frente a frente, onde não há espaço para formalidades. Ou não teria sido um bar o cenário escolhido para o encontro. Mas estes não são dois líderes quaisquer: são os mais antigos e estão a um ano de terminar um mandato. 

Encontramos uma mesa vazia e pedimos que se sentem em cada ponta. O olhar de Alexandre percorre todos os cantos do espaço. Costumava frequentá-lo com amigos, quando ainda era apenas um consultor. Miguel também por lá passou uma vez ou outra. 

Finalmente os seus olhares encontram-se e sorriem. Ficamos a saber imediatamente que, afinal, têm “uma ótima relação”. “O Alexandre até já veio jantar lá a casa”, desvenda Miguel. O opositor não poupa nos elogios, admitindo que já previa que o socialista viesse a ser líder daquela juventude. “Não se podia dizer o mesmo de ti do nosso lado”, graceja o último.  

Mas como diz o próprio Miguel ao longo da conversa, “nem tudo é um mar de rosas”, e as “grandes pegas e despiques” também fazem parte. “Já tentou colar-me ao epíteto de fascista”, denuncia Alexandre. Miguel não contém as gargalhadas, mas apressa-se a defender-se: “Também não é bem assim”.

Dois jotas entram num bar, um pede cerveja e o outro vinho. Depois, bem, depois: debate rasgadinho

04
Trazes chaves de casa?

Ao contrário da maioria das pessoas das suas idades, Alexandre e Miguel têm casa própria. Os dados mais recentes do Banco de Portugal apontam que apenas 40% das pessoas entre os 25 e os 34 anos têm casa, num dado que caiu para metade relativamente há 20 anos. Em paralelo, os jovens portugueses são também daqueles que demoram mais tempo a deixar a casa dos pais, segundo o Eurostat.

“O Miguel acorda todos os dias a pensar no Chega, eu acordo todos os dias a pensar como conseguimos que o nosso país deixe de ser uma sangria de jovens para fora”. Para Alexandre a solução passa por resolver duas das maiores preocupações desta geração: salários e habitação.

A verdade é que a crise na habitação afeta a todos, mas ainda afeta mais os “jovens que pretendem comprar a sua primeira casa”. Para combater este problema, Alexandre destaca medidas concretas que o PSD tem vindo a propor, acrescentando um reparo: “Não são apenas compromissos eleitorais”, são propostas que têm vindo a defender no Parlamento.

Por um lado, o PSD tem soluções para os jovens que entendem que devem ter um maior rendimento ao final do mês. Por outro, tem “um novo regime fiscal próprio só para jovens até aos 35 anos, a pagarem um terço do IRS que pagam hoje”. “Defendemos um aumento do IRS progressivo, permitindo que um aumento de imposto não signifique uma perda de rendimento”, explica o presidente da JSD, clarificando que defende um IRS máximo de 15%, à exceção do último escalão. Também é a favor de um prémio à produtividade, que se traduziria numa isenção de impostos e contribuições para as pessoas mais produtivas. Será o tal 15.º mês com o qual Luís Montenegro tanto acenou, e que as empresas também já vieram defender.

Mas não é só comprar casa. O mercado de arrendamento também está deficitário. Alexandre critica o programa Porta 65: “Obriga as pessoas a ter primeiro um contrato de arrendamento, antes de se candidatarem, e depois sabem se vão ou não ter o apoio”. 

“Isso existe. Tens de atualizar”, interrompe Miguel, já depois de ouvir Alexandre dizer que o PSD quer “antecipar” essa decisão. O líder da JSD ignora a boca, dizendo apenas que basta ir ao site. E passa para a sua segunda solução: “Não percebo como é que um país exige aos jovens que paguem imposto da sua primeira habitação”. É o doloroso Imposto Municipal Sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT), que pode significar pagar quase outra entrada para a casa. Para Alexandre não: nem IMT, nem imposto de selo na compra da primeira casa.

“É preciso haver ambição neste país, é preciso haver sonho, é preciso haver esperança”, frisa, citando dados do Eurostat: “30% dos jovens estão a emigrar, um em cada quatro jovens estão desempregados, dos empregados três em quatro ganham menos de mil euros líquidos”. 

Miguel volta a interromper: “Esses dados têm seis anos. Tens de te atualizar. Os salários subiram 40% para os jovens”, remata. Alexandre mantém-se firme: “Eu não estou a negar que, hoje em dia, possam existir pessoas com um melhor salário, que país é que seria este se as pessoas não tivessem um melhor salário em 2024”.

Os dados corretos, esses, vêm num documento elaborado pelo Gabinete de Estratégia e Planeamento do Ministério do Trabalho, apresentado na Concertação Social, em 2022, e que dá conta de que 65% dos jovens ganhavam abaixo de mil euros, pelo que há 35% de jovens a ganhar acima desse valor. Não são os 75% de Alexandre, mas também não são os 40% de Miguel.

O presidente da JSD menciona ainda que “30% dos jovens vivem fora de Portugal”. Miguel rebate: “a emigração reduziu 40%”. E ainda aponta o dedo a Alexandre e diz: “Quando é que eles saíram? No período da vossa governação”. Aqui os números do Observatório da Emigração dão razão a Alexandre.

Sobre o aumento do apoio ao alojamento de estudantes deslocados, Miguel ressalva que “as residências não estão a sair do forno tão rapidamente como gostavam”. “Mas estão a ser construídas pelo país fora”. Alexandre responde: “Andamos desde 2018 a serem prometidas 15 mil camas, estamos em 2024 e temos pouco mais de 470 camas concluídas. É um falhanço brutal”. Miguel reconhece que os jovens “não podem esperar, só são estudantes durante três anos”. Por isso, foi feita a proposta de aumento do apoio ao alojamento de estudantes deslocados, de 75 para 400 euros

06
Diz-me quanto ganhas, dir-te-ei se és jovem

Nem Alexandre, nem Miguel estão na média de vencimento dos jovens portugueses. Não estão sequer na média de vencimento de todos os portugueses. De acordo com o estatuto remuneratório dos deputados, ambos recebem 4.096 euros por mês pelas funções na Assembleia da República. Mas como é que se chega lá sem ser deputado?

Miguel lembra que Pedro Nuno Santos adotou três medidas apresentadas pela Juventude Socialista, e uma delas é sobre o IRS Jovem. “Neste momento é só para jovens licenciados, nós queremos que seja para jovens até aos 35 anos”, diz, defendendo também uma poupança básica universal.

Acerca do aumento do apoio ao alojamento de estudantes deslocados, começa por apelar que “as residências não estão a sair do forno tão rapidamente como gostavam”. “Mas estão a ser construídas pelo país fora”. Alexandre responde: “Andamos desde 2018 a serem prometidas 15 mil camas, estamos em 2024 e temos pouco mais de 470 camas concluídas. É um falhanço brutal”. Miguel reconhece que os jovens “não podem esperar, só são estudantes durante 3 anos”. Por isso, foi feita a proposta de aumento do apoio ao alojamento de estudantes deslocados, de 75 para 400 euros.

07
Corrupção, um problema meu e teu

É um tema sensível, não fossem PS e PSD os partidos com mais casos de arguidos por corrupção. À semelhança dos próprios partidos, em relação a este tema, do lado direito, Alexandre mostra-se mais frontal e vai direto ao assunto; do lado socialista, a resposta fica um pouco no ar. 

“É um tema em que não devemos ser muito ‘politiqueiros’”, diz Alexandre, admitindo a sensibilidade do tema e colocando a ênfase na crença de que os indivíduos podem participar em partidos políticos sem se envolverem em atividades corruptas. A tónica deve antes ser colocada na garantia de que o sistema funciona com autonomia e liberdade de investigação, apresentando resultados tangíveis, defende.

“Acredito que quem faz política, fá-lo com a melhor das intenções”, atira Miguel, ele que vê na militância partidária uma das chaves para “filtrar algumas pessoas com más intenções”. Só que “nem sempre é assim”. “Às vezes criam-se vícios e essas pessoas conseguem manter-se no partido. É absolutamente condenável”, continua, manifestando preocupação com a possível utilização dos casos de corrupção como “arma de arremesso” e acusando os envolvidos em casos judiciais de “manchar” a reputação de todos aqueles que fazem política. Para esses, tem uma solução: afastá-los das atividades políticas.

Isto apesar da importância de não se fazerem “julgamentos precipitados”. É isso que pede Alexandre, referindo que “a esmagadora maioria dos partidos políticos não são um bando de corruptores e de ladrões”.

Por isso mesmo o social-democrata evita falar em casos. Já Miguel, que até vem de um partido que critica os “casos e casinhos”, atira com a operação Tutti Frutti, deixando no ar uma investigação judicial na qual são visados alguns membros do PSD.

“Eu, provavelmente, conseguiria dizer aqui vários casos, se for na lógica de o teu e o meu. Mas aquilo que nós temos de preocupar é mostrar às pessoas que é possível estar num partido sem entrar nesse tipo de situações”, frisa o presidente da JSD.

Para Miguel, grande parte do problema está mesmo na demora da resolução de casos – há quantos anos existe a Operação Marquês -, muitos deles com os visados a passarem anos até poderem ser ouvidos em tribunal. Falta de meios? Não, diz o jovem socialista: “O diretor da Polícia Judiciária já disse que nunca teve tantos recursos para combater a criminalidade económica ou financeira”.

Ao abordar o papel da política na resolução da corrupção, Costa Matos sublinha que o PS focou-se em “dotar o sistema judicial de recursos suficientes e alterar as leis”. Diz que nos orçamentos do estado, o financiamento da Polícia Judiciária e do Ministério Público têm sido bastante reforçados. “O diretor da PJ já disse que nunca teve tantos recursos para combater a criminalidade económica ou financeira”, afirma, dizendo que foi o PS o partido que fez aprovar um pacote anticorrupção. Mas isso quer dizer que Portugal está num bom caminho? “Sei lá”, diz Miguel, que espera que os vários casos recentes não sejam um reflexo do aumento da corrupção, mas de situações que aconteceram anteriormente e só agora chegaram à Justiça.

Alexandre tenta, acima de tudo, separar as águas: não devemos “caminhar para um justicialismo que desconfia de qualquer pessoa que está na política”. Será um “à política o que é da política, à justiça o que é da justiça?"

09
Os ‘boys’ das estruturas das juventudes envelhecidas

Há quem critique os políticos que começam desde cedo dentro das estruturas das juventudes partidárias e vão subindo. “Têm pouca experiência de vida”. 

Alexandre não aceita esta crítica. “Isto não é uma cambada de carreiristas, nem de tachistas, como há essa impressão”, frisa, afirmando que dentro da JSD “a esmagadora maioria dos militantes está a estudar ou trabalhar e faz política como hobby”. E que aqueles que têm cargos “foram eleitos pelo povo para desempenhar determinadas funções”.

Alexandre dá mesmo o seu exemplo: entrou para a JSD aos 17 anos, passou pelo ensino secundário, completou uma licenciatura e um mestrado, trabalhou no setor privado durante cinco anos e acabou por ser eleito para o Parlamento aos 27 anos. “Isto não faz de mim um ser especial, eu não sou um caso único”, afirma o deputado, sublinhando que a JSD está repleta de pessoas que prosseguem os seus estudos e carreiras a par da sua atividade política. 

“Eu não diria que nos falta vida. Tenho a experiência de vida possível para quem tem 31 anos”.

Miguel concorda: “É natural que um jovem tenha pouca experiência de vida, não podemos pedir que tenha mais anos de experiência profissional do que tem desde que terminou a faculdade”. Para o líder da JS, “ser político não é uma profissão”. Tal como Alexandre, teve outra vida para além da política. Tirou um mestrado na Universidade Nova, fez um estágio não-remunerado durante seis meses no Ministério da Economia e ainda trabalhou no setor privado. Mais tarde, trabalhou no Ministério das Finanças, onde “surgiu a oportunidade de trabalhar para o gabinete do primeiro-ministro”. 

A propósito das estruturas das juventudes partidárias, Alexandre diz que o seu partido tem vindo a adaptar-se, sobretudo na presença nas redes sociais. “Temos vontade de arriscar em novos formatos de conteúdos, sobretudo criativos, que atraem os jovens”. Admite que por vezes têm discursos mais populistas, pois sabem que têm mais alcance nas redes sociais – veja-se o fenómeno André Ventura. “Todos nós acabamos por ter intervenções mais populistas”. Mas no que toca a Tiktok’s sem conteúdo, não abdica da postura mais tradicional do partido. 

Miguel destaca a necessidade de adaptar as estratégias políticas. Critica o modelo anterior em que a política era predominantemente comunicada através de discursos e conferências eloquentes, deixando os jovens como ouvintes passivos em vez de participantes ativos. “Os jovens têm de sentir que a sua participação faz a diferença”. Por isso, conta que mudou as atividades da JS para atrair mais os jovens. 

É que também é importante apresentar resultados reais para captar a atenção e o apoio da geração mais jovem. “Estes quatro anos tivemos uma lei de base do clima, um direito a desligar, uma limitação das comissões bancárias do MBWay, uma redução das propinas, uma devolução das propinas”, relembra. 

Ambos já estão com um pé de fora das jotas, mas revelam que antes de abandonarem os seus cargos gostavam de ver algumas propostas implementadas. Alexandre gostava de ver cumprida a proposta de apoio para a compra da primeira casa e Miguel gostava de aumentar a ambição climática. Se deixassem a política, mais uma vez divergem: Alexandre regressaria para a função privada e Miguel para a função pública. 

Depois de um debate aceso, Alexandre admite que reconhece no PS “um partido fundador da democracia em Portugal”, que logo após o 25 de Abril teve um papel forte na defesa da democracia. E, “sem rodeios”, confessa que tem uma admiração pela figura de Mário Soares, “a quem o país deve muito”. 

Já Miguel, de forma menos convicta, diz que também vê o PSD como um partido importante da democracia. “Se o PS foi o partido que liderou a seguir à revolução, o PSD liderou logo a seguir”. E reconhece no partido adversário a responsabilidade da “transição de uma economia estatizada para uma economia mista”. Não de forma tão imediata como Alexandre, admite que admira Francisco Pinto Balsemão, sobretudo pelo “caminho que fez de defender a liberdade de imprensa e pela liderança dele no país”. “A política não é uma profissão, é um serviço público, e Pinto Balsemão sempre viveu assim”.

Scroll top