António já não foi para África, Isabela ficou sem lar, Ana pode amar outra mulher. O 25 de Abril em 15 testemunhos
48 anos de 25 de Abril: as comemorações nos jardins do Palácio de São Bento

António já não foi para África, Isabela ficou sem lar, Ana pode amar outra mulher. O 25 de Abril em 15 testemunhos

Jornalista
Maria João Caetano

 

De um dia para o outro acabou o medo.

Na madrugada de 25 de Abril de 1974, forças militares ocuparam pontos estratégicos em Lisboa. O objetivo era derrubar a ditadura e instaurar uma democracia. O regime demorou a reagir. O povo recusou-se a cumprir as ordens para ficar em casa. Houve cravos nos canos das espingardas e poucos tiros disparados. O Programa do Movimento das Forças Armadas (MFA), lido à Nação à 1:25 da manhã de 26 de abril, na RTP, por António de Spínola, não deixava margem para dúvidas. Proclamava-se a instituição das liberdades, a libertação de presos políticos, o regresso de exilados, a extinção dos organismos do Estado Novo, a realização de eleições livres, por sufrágio direto, para uma Assembleia Nacional Constituinte e o fim da guerra colonial.

49 anos depois, o país mudou muito. O que significa o 25 de Abril para quem vive em 2023? De que forma é que a Revolução mudou a vida das pessoas ou influenciou aquilo que são? Foi isso que perguntámos a 15 pessoas dos 21 aos 67 anos. Algumas lembram-se como foi, outras só ouviram o que os pais e os avós lhes contaram.

“Enquanto houver quem não tenha teto, comida, saúde e educação, ainda não se cumpriu Abril”

Francisco Geraldes, 28 anos, futebolista

"O 25 de Abril é, para mim, o retrato português do «pessimismo da razão, optimismo da vontade». 

Numa época histórica em que forças reacionárias - até fascistas - ressurgem, tanto em Portugal como pelo mundo e se multiplicam, é de vital importância que nos lembremos, no presente dia, que o que tanto demorou a conquistar, pode, num ápice, extinguir-se. 

No entanto, falta quase tudo para se cumprir Abril. Enquanto houver quem não tenha teto, comida, saúde e educação, temos de afirmar que ainda não se cumpriu Abril. É por essas pedras basilares que temos de lutar, se nos quisermos aproximar, minimamente, do conceito ideal de humanidade."

O futebolista considera que falta "quase tudo" para se cumprir Abril. Foto: DR

“O 25 de Abril levou-me a sair da terra onde nasci, a ficar longe dos meus pais e sem lar”

Isabela Figueiredo, 60 anos, escritora, autora de, entre outros livros, “Caderno de Memórias Coloniais"

"O 25 de Abril levou-me a sair da terra onde nasci [Moçambique], a ficar longe dos meus pais e sem lar, quarto ou cama próprias durante a década que corresponde à minha adolescência e entrada na idade adulta. É impossível eu ter total consciência das consequências do trauma do exílio e desterro que vivi, mas estou convencida de que ele existe e me formou. A pessoa que sou formou-se incluindo essa situação. 

O 25 de Abril representa, para mim, mudança imprescindível sem período de transição e caos. Representa  viragem de pensamento e eclosão de um Portugal a caminho do desenvolvimento. Foi um empurrão no País para que o País tenha começado a sacudir-se. O trabalho está em curso."

Isabela Figueiredo considera que o 25 de Abril foi um "empurrão no país". Foto: DR

“Não fosse o 25 de Abril, poderíamos até regressar vivos e inteiros, mas certamente mortificados para a vida”

Nuno Saraiva, ilustrador, 53 anos

"Tenho o 25 de Abril como a abertura de um livro, um prólogo que começa por narrar uma paisagem cinzenta e que de repente anuncia um capítulo de mudança seguido de outros pintados de cores, luz e vida. Ultimamente, por força de um trabalho que estou a desenvolver em banda desenhada destinado aos mais jovens, sobre o olhar de uma criança no território da guerra, tenho refletido muito sobre isso.

Fiz 5 anos de idade literalmente no meio da Guerra Colonial, o meu pai que sempre fora um pacifista, tinha sido atirado para o conflito como capitão miliciano em 1973 e a minha mãe, a viver comigo sozinha em Almada, cedo orfã e um bocado desligada da família mais próxima e particularmente enganada pelos retratos paradisíacos relatados na correspondência trocada, decide pegar em mim e vai ter com o marido. Chegámos a Muembe, zona do Niassa, Moçambique, a 1 de Abril de 1974. Recordo-me de muita coisa, dos cheiros, do palato, das tempestades tropicais, dos meus primeiros amigos, da minha macaca Gertrudes (assim batizada com o nome da primeira dama de Portugal, a mulher do presidente Américo Tomás). Sei que grande parte acaba por ser uma construção da memória dos outros, mas tenho um momento que me ficou gravado: o dia da evacuação, o regresso dos soldados em festa, a despedida emocionada dos locais vizinhos ao quartel, o abraço forte e genuíno que o comandante da FRELIMO deu ao meu pai, o capitão pacifista. 

Quando reflito sobre isto, penso: não fosse o 25 de Abril, e a guerra tivesse continuado mais algum tempo, poderíamos até regressar vivos e inteiros, mas certamente mortificados para a vida. É isso que devo ao 25 de Abril, a vida."

Nuno Saraiva, com cinco anos em Moçambique com guerrilheiros da FRELIMO. Foto: Cortesia de Nuno Saraiva

“Pensar em 1974 dá-me força para 2023 porque, para as pessoas com deficiência, a luta continua”

Catarina Oliveira, 34 anos, nutricionista e consultora para a diversidade, autora da página “Uma Espécie Rara Sobre Rodas

"Quando o 25 de Abril estava a acontecer eu ainda não era sequer um projeto dos meus pais, mas ao longo da minha infância e adolescência, já pós 25 de Abril, esta efeméride e todas as conquistas que dela vieram estiveram sempre presentes no meu seio familiar. 

Recordo-me de acompanhar o meu avô paterno, elemento da direção de um sindicato do Norte, nos inúmeros encontros e eventos onde muito se falava de liberdade e conquistas, mas também de opressão, luta e persistência. 

Hoje entendo que o que fui ouvindo é aplicado na minha própria luta diária em prol dos direitos da pessoa com deficiência e do fim do capacitismo. 

Hoje agradeço a quem lutou antes de mim, por uma liberdade que me permite escrever a minha história enquanto pessoa com deficiência, sem ninguém ter o direito de a apagar (embora ainda tentem). 

Hoje vivo, na pele, opressões de diferentes níveis, mas pensar no 25 de abril relembra-me que com luta e persistência essas opressões podem diminuir e quem sabe terminar.

O 25 de Abril foi o culminar de uma luta pela liberdade, liberdade essa que muitas pessoas com deficiência ainda não têm. Temos a liberdade de nos expressar mas não temos a liberdade para ir e vir, para circular, para ocupar espaços e construir as nossas próprias narrativas.

Pensar em 1974 dá-me força para 2023 e para os anos que se seguem, porque, para as pessoas com deficiência, a luta continua."

Apesar de ter nascido mais de uma década depois, o 25 de Abril esteve sempre presente em casa de Catarina Oliveira. Foto: Cortesia de Catarina Oliveira

“O 25 de Abril significou que já não iria cumprir o serviço militar em África”

António Sarmento, 67 anos, médico e professor universitário, especialista em doenças infeciosas e em medicina intensiva do Hospital de S. João

"Após o fim da segunda guerra mundial, em 1945, tornou-se impensável a vida na Europa fora de um sistema democrático pluralista. O meu pai era uma pessoa  conservadora e nas muitas e variadas conversas que tínhamos, sempre me disse, com forte convicção, que a única forma de governo aceitável para um país era a democracia. Portanto, acredito que a nossa vida tenha mudado para melhor. 

O que significou o 25 de Abril para mim?

Várias coisas:

- Que quando fosse médico, já não iria cumprir o serviço militar em África.

- Que a conquista da democracia pluralista não foi conseguida nesse dia, mas ao longo dos dois anos após o 25 de Abril. Passamos tempos muito perigosos mas conseguimos que a «nossa liberdade não fosse trocada pela servidão» e que o Ocidente não fosse trocado pelo Leste, graças ao nosso valoroso povo e a pessoas com a coragem do Dr. Mário Soares. Quarenta e nove anos depois, os riscos não desapareceram definitivamente, vindos de vários lados.

- Que a descolonização das nossas províncias ultramarinas foi intencionalmente apressada, com consequências desastrosas para centenas de milhares de portugueses e de africanos. Provavelmente, face à geopolítica mundial da altura, não conseguiríamos evitar alguns dos erros cometidos, mas poderíamos ter evitado muitos outros."

Militares em Lisboa, no dia 25 de Abril de 1974. Foto: GettyImages

“Aprendi que quando as pessoas se juntam é possível mudar”

Raquel Freire, 49 anos, realizadora, autora, entre outros filmes, do documentário “Mulheres deste país”

"Eu sou uma filha da revolução. Cresci a ouvir as histórias de resistência da minha bisavó, das tias, das avós. Recentemente a minha mãe e o meu pai contaram-me como arriscaram a vida em missões clandestinas e como me usaram em bebé para escaparem à PIDE. 

Eu descendo de gerações de pessoas, entre elas muitas mulheres, que morreram a lutar para que possamos estar aqui hoje. 

Sinto uma profunda gratidão: sem as lutas antifascista e anticolonialista eu não poderia viver, criar, amar, realizar filmes em liberdade. Esse é o meu património democrático, o meu 25 de Abril. Por isso o meu próximo filme é Mulheres de Abril dando voz a mulheres que lutaram e deram a vida pela justiça social, pela liberdade, pelo fim de todas as formas de opressão e desigualdade.

Mas o meu 25 de Abril continua no presente: reclamo um país democrático, feminista, antirracista, este território de liberdade, partilha, solidariedade.

Sou uma optimista porque nasci na ditadura, uns meses antes da revolução, numa família antifascista, e cresci e vivo numa democracia. Aprendi que quando as pessoas se juntam é possível mudar."

Os pais de Raquel Freire usaram-na em bebé para escapar à PIDE. Foto: Cortesia de Raquel Freire

“Sem um 25 de Abril, a minha vida seria proibida. Amar outra mulher seria um crime”

Ana Aresta, 33 anos, presidente da ILGA Portugal -  Intervenção Lésbica, Gay, Bissexual, Trans e Intersexo

"Para mim, o 25 de Abril significa marcha, movimento, intervenção, inconformismo, um grito contra o machismo, o racismo, a homofobia, a transfobia e a discriminação. Significa união, visibilidade, reivindicação, dança e esperança. Significa Ativismo. Significa estar do lado certo da história: pela liberdade, pelos direitos, por muito mais igualdade. 

Sem um 25 de Abril, a minha vida seria proibida. Clandestina. Amar outra mulher seria um crime, constituir família uma miragem. A Constituição seria atentatória aos Direitos Humanos e o nosso país seria aquilo que alguns desejam que volte a ser: retrógrado, silencioso e silenciador, proveitoso apenas para quem detém o poder; fascista, discriminatório; em suma, uma fábrica de desigualdades. Nasci em Liberdade e Democracia porque houve quem tivesse a coragem de resistir e lutar para derrubar este sistema opressor. Sinto, por isso, que o mínimo que posso fazer é agir e, dos mais pequenos passos do dia a dia às maiores ações políticas, trabalhar ativamente pela contínua construção e desenvolvimento democrático do nosso país. Ser ativista pelos Direitos Humanos e LGBTI+ é honrar quem fez Abril."

Para Ana Aresta, lutar pelos direitos LGBTI+ é continuar a honrar Abril. Foto: cortesia de Ana Aresta

"Cabe a cada cidadão trabalhar a democracia todos os dias"

Rodrigo Pereira, 54 anos, empresário

"Aquando do 25 de Abril, eu só tinha 4 anos e 5 meses. A crescer, lembro-me do extremismo que havia entre quem era de esquerda e quem era de direita. Nós vivíamos num bairro operário, perto do centro de Guimarães, mas era de uma ruralidade tremenda. A Igreja tinha uma grande influência sobre as pessoas, havia um enorme respeito e obediência. Lembro-me da grande evolução que se deu, porque praticamente não havia vias de acesso nem saneamento ou água canalizada, e, então, criaram-se comissões de moradores que pediram à Câmara as pedras e o cascalho e foram as pessoas que começaram a fazer as primeiras estradas de acesso.

Viver em democracia para mim é poder agir enquanto indivíduo e enquanto comunidade, de forma completamente livre. Não me imagino a viver de outra forma. Fazendo parte do movimento associativo, sendo parte integrante de associações que intervêm na sociedade, valorizo muito a liberdade de discussão e de colocação de ideias. Não imagino como seria não ter essa liberdade. Viver em democracia é um bem que devemos preservar. Devemos lembrar-nos que a democracia não sobrevive sozinha, cabe a cada cidadão trabalhar a democracia todos os dias."

“Sou de uma geração que é filha de Abril, mas também da ditadura e do fascismo”

António Brito Guterres, 44 anos, assistente social, investigador em Estudos Urbanos

"Sou de uma geração que é apelidada como filha de Abril, por ter nascido já em democracia e filho de quem lutou pela liberdade. Mas a verdade, muitas vezes oculta – ou não designada - é que isso também me torna filho da ditadura e do fascismo.

Para mim, 25 de Abril é não herdar certos gestos, que mesmo em democracia se mantiveram até à hora da morte daqueles que viveram mais anos no fascismo. Dar duas e três voltas antes de estacionar definitivamente o carro à porta de casa; ter o torso debruçado sobre uma mesa para aproximar cabeças num diálogo quase silencioso; organizar a vida pessoal e profissional em células de três pessoas que nunca se cruzam; não acabar todas as conversas com um “não digas a ninguém”. Por motivações diferentes, mais por herdarmos os ritos das ascendências, ainda que de forma mais ténue, esses gestos ainda persistem.

E assim, acordar e crescer em Liberdade, chegar a jovem nos anos 90 do século XX, é olhar para os desejos da revolução e confrontar os nossos pais com as interpretações da mesma: o que ficou por fazer? O que ainda não funciona? Porque se voltou atrás? Ou porque nunca se avançou mais?

É receber olhares chateados e compreensivos de quem fez a revolução e vê-se na iminência de ser interrogado sobre a prossecução ou não da mesma. É confrontar os mais velhos com a sua de-sublimação repressiva.

Nascer e crescer depois do 25 de Abril é não dar nada por garantido, e ter espaço para isso. É continuar Abril. É olhar para as liberdades e questionarmos se elas são acedíveis. E continuar a fazer esse caminho. Muitos. Juntos."

O que ainda não funciona? Porque se voltou atrás? Ou porque nunca se avançou mais? António Brito Guterres tem ainda muitas perguntas sobre o 25 de Abril. Foto: Cortesia de António Brito Guterres

“As qualificações dos jovens portugueses são para mim a maior conquista de Abril”

Adriana Cardoso, 23 anos, mestranda em Ciências Farmacêuticas, cronista, co-fundadora da Próxima Geração

"O 25 de Abril significa poder usufruir dos direitos conquistados pela geração anterior. Olhar para a minha bisavó de 88 anos, analfabeta, e eu, um produto da escola e universidade públicas. As qualificações dos jovens portugueses são para mim a maior conquista de Abril. 

Permitiu-me saber o privilégio que é ter um espaço de comentário político semanal, a ‘Lei da Paridade’, com outras duas mulheres brilhantes. Poder ter intervenção pública sem fazer parte de uma elite política como era a norma pré-25 de Abril é fenomenal."

Manifestação do 1.º de Maio de 1974. Foto: GettyImages

“O 25 de Abril permitiu que, qualquer que seja o futuro que eu escolha, está ao alcance das minhas mãos”

Safaa Dib, 40 anos, assessora, filha de imigrantes libaneses

"Sendo imigrantes, nem eu nem a minha família vivemos o período do 25 de Abril,  mas não exagero quando digo que as nossas escolhas como imigrantes são influenciadas pela paz e estabilidade que acabou por trazer essa revolução. Viver num país como Portugal, em grande parte resguardado da violência, é uma experiência de valor incalculável, mesmo agora, quase 50 anos após o 25 de Abril. 

Quem é natural de países que passaram por processos dolorosos em que se assistiu ao desmoronar das instituições democráticas - especialmente uma guerra -, sabe como esses países anseiam pelo seu 25 de Abril. Anseiam por um momento que promete não só a liberdade, mas também a consagração de direitos fundamentais, e que lhes permite acreditar numa vida em comunidade, com esperança no futuro. 

Para alguém que aprendeu a não tomar nada por garantido, a Revolução dos Cravos possibilitou-me a experiência de crescer para me tornar na mulher que eu quiser ser, independentemente da minha etnia, religião ou classe social. Sem tribalismos perigosos e sem medo. O 25 de Abril permitiu que, qualquer que seja o futuro que eu escolha, está ao alcance das minhas mãos."

“Há quem diga que havia mais respeito, mas o que havia a mais era medo”

Guilherme Duarte, humorista, 39 anos

"Eu não sei bem como é que o 25 de Abril de 1974 influenciou a minha vida, porque já nasci depois. No entanto, a história continua presente e, pelo que vou ouvindo e lendo, vivia-se pior em Portugal. Há quem diga que havia mais respeito, mas o que havia a mais era medo.

Percebo que haja saudosistas do regime, porque em todas as ditaduras há uma minoria que vive bem, que é conivente com o sistema e que não valoriza muito o pensar pela própria cabeça, mas algo que me faz confusão é malta nova, que nunca viveu no Estado Novo, com saudades dele. No entanto, percebo porque, apesar de a educação estar muito melhor do que durante a ditadura e a literacia ter diminuído bastante, continua a haver muita gente burra.

O pior de a revolução nunca ter acontecido é que sinto que sem o fim da ditadura ainda estaria na informática e isso é que não. As ditaduras tendem a não ter grande sentido de humor, portanto a carreira de humorista nunca teria sido opção pois a liberdade de pensamento e de expressão são fundamentais.

Há quem diga que faz falta um Salazar em cada esquina, mas só se for daqueles para raspar a massa dos bolos."

Abril permitiu a Guilherme Duarte escolher a profissão de humorista. Foto: Cortesia de Guilherme Duarte

“Abrir todas as janelas de uma casa que esteve muitos anos fechada”

Lena D’Água, 66 anos, cantora

"Eu estava no primeiro ano da faculdade para fazer Sociologia. Sem professores nem aulas, resolvi vir aprender a vida para a rua.

Para mim, o 25 de Abril significa o abrir de todas as janelas de uma casa que esteve muitos anos fechada."

Lena D'Água tinha acabado de entrar na faculdade quando se deu o 25 de Abril. Foto: DR/Rita Carmo

"Não serei livre até todas as pessoas o serem"

Teresa Núncio, 21 anos,  ecofeminista ativa na luta coletiva por justiça climática e estudante de medicina 

"Uma enorme lacuna na minha educação formal e não formal deixava-me viver o 25 de Abril como uma celebração abstrata de liberdade. Aprender o significado do 25 de Abril foi deixar de o ver na televisão e falar de liberdade na terceira pessoa, pensar seriamente que não serei livre até todas as pessoas o serem. E acho que a única forma de manter esse sentimento vivo é fazer parte da luta, enfrentar o conflito.

A luta climática mostrou-me que a  violência não é acaso, é sistema. Em contrapartida, aprendi a solução na luta coletiva, que vejo humanizar de volta a destruição que tentam tornar invisível. Quando normalizam uma crise de custo de vida patrocinada pelo governo fóssil. Quando higienizam catástrofe em centrais termoeléctricas em Sines. Quando nos esquecemos das vítimas do extrativismo no sul global ou nas zonas rurais do nosso próprio país. As ocupações pelo fim aos combustíveis fósseis são tirar o véu ao conflito, causamos disrupção para que destruir as condições de vida digna neste planeta seja tudo menos confortável para os criminosos. 

Hoje, o 25 de Abril para mim é sentir arrepios a descer a Avenida da Liberdade, entre gritos e cânticos que mostram que há coisas que não se pedem nem por favor nem obrigada. Olhar a volta e pensar: não fosse por vocês, eu não teria conseguido vir até aqui. Se não fosse com isto, eu não conseguiria continuar amanhã. Se não fosse por quem lutou antes, eu nem aqui estaria.

Quando a violência se compra e vende e abastece um império, ver quem usa horas vagas e últimas forças para perceber os pontos fracos do gigante, é a razão por que preparo com o meu coletivo a força que trazemos para a marcha do movimento social.

É a razão por que trago a minha irmã pelo braço para sentir os tambores e ouvir as faixas."

"Se não fosse por quem lutou antes, eu nem aqui estaria." Teresa Núncio, que sente arrepios ao descer a Avenida no dia 25 de Abril, com a irmã

“Sou filha de Abril. E espero conseguir dar Abril aos meus filhos.”

Catarina Beato, 45 anos, mentora de relacionamentos

"O 25 de Abril é a minha base. É sinónimo de luta dos meus pais, dos valores com que cresci, da liberdade em que acredito - “a paz, o pão, saúde educação, só há liberdade a sério quando houver, liberdade de mudar e decidir” (Sérgio Godinho).

Sou filha de Abril. E espero conseguir dar Abril aos meus filhos."

Militares saudados por populares em Lisboa no dia 25 de Abril. Foto: GettyImages
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