AD venceu mesmo descendo em 75% dos concelhos, PS desceu em todos e Chega subiu em todos
Debate entre os líderes dos partidos com assento parlamentar (Lusa/ José Goulão)

AD venceu mesmo descendo em 75% dos concelhos, PS desceu em todos e Chega subiu em todos

Luís Montenegro não fez muito melhor que Rui Rio e Pedro Nuno Santos ficou bem abaixo de António Costa. Melhor mesmo só André Ventura, Rui Tavares e... Bruno Fialho

A Aliança Democrática (AD) ganhou as eleições apesar de ter tido um resultado pior do que em 2022 em 75% dos 308 concelhos. Isto numas eleições que resultaram numa grande quebra do PS e numa clara ascensão do Chega.

É que, apesar de ter vencido as eleições (falta contabilizar as percentagens e os mandatos atribuídos pelos círculos da emigração), a AD teve um resultado pior do que em 2022 em 230 concelhos. O mesmo é dizer que a coligação liderada por Luís Montenegro esteve pior em 75% das autarquias relativamente aos resultados conjuntos do PSD de Rui Rio e do CDS de Francisco Rodrigues dos Santos nas legislativas de há dois anos.

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Apesar disso, a maioria das descidas não foi assim tão acentuada – o pior resultado foi no Alandroal, com menos 13,17 pontos percentuais. Em contraponto, foi na Calheta (Açores), com mais 11,28 pontos percentuais, que a coligação PSD/CDS/PPM mais subiu. Uma tendência clara de subida no arquipélago (já lá vamos), sendo que foi em Mafra que a AD mais subiu no continente, conseguindo mais 8,93 pontos percentuais.

Mau mesmo foi o resultado do PS. Naturalmente que seria difícil igualar o resultado de 2022, que deu a António Costa a terceira maioria absoluta em democracia. Mesmo assim seria difícil antever um cenário em que os socialistas perderiam em toda a linha. Mas foi isso que aconteceu.

Pedro Nuno Santos teve um pior resultado que António Costa em todos os 308 concelhos de Portugal, havendo várias descidas superiores a 15 pontos percentuais (foram mais de 60), sendo que a menor descida foi de 2,58 pontos percentuais, em Oliveira do Bairro.

É a antítese do que aconteceu ao Chega. Se a sensação já era claramente para apontar André Ventura como o grande vencedor da noite, a análise só o confirma. O Chega teve um resultado totalmente contrário ao do PS: venceu em todos os 308 concelhos portugueses, sendo que só em dois deles (Lisboa e Vizela) cresceu menos do que quatro pontos percentuais.

De resto, e explicando o segundo ou até o primeiro lugar em vários concelhos, o Chega teve um crescimento superior a 15 pontos percentuais em 16 concelhos. Em dois deles (Lagos e Valença) subiu mesmo mais de 20 pontos percentuais.

Esse crescimento também é explicado por votações como a de Elvas, onde o partido alcançou os 36,53%, ou de Lagos, Albufeira, Lagoa e Portimão, tudo concelhos algarvios onde o partido de André Ventura também superou a barreira dos 30%, o que ajuda a explicar a vitória histórica no distrito de Faro.

Curiosamente, foi nas zonas com maior densidade populacional que o Chega menos subiu. Lisboa, Porto ou Coimbra, por exemplo, estão entre os concelhos onde isso se verificou.

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Os números mataram a esquerda

Esta foi, sem grandes dúvidas, uma das maiores derrotas da esquerda. Só o Livre conseguiu remar contra a tendência, enquanto o Bloco de Esquerda (BE) ainda tentou aguentar um barco que PS e CDU levaram ao fundo.

Se o desempenho socialista é mau em toda a linha, a coligação entre PCP e PEV viu piorar o pior resultado de sempre. Desta vez só elegeu quatro deputados, mas o desempenho nacional foi globalmente mau, com descidas em 277 concelhos, quase 90% das autarquias, sendo que foi o único dos nove partidos mais votados, além do PS, que viu o número de votos encolher (mesmo perante o fenómeno da baixa abstenção).

Nem mesmo o Alentejo livrou os comunistas de uma pesada derrota, com muitos dos concelhos a fazerem uma transferência de voto de uma ponta para a outra, com o Chega a crescer à boleia das descidas da CDU.

Foi o que aconteceu, por exemplo, em Cuba, onde o partido de André Ventura subiu 11,06 pontos percentuais, enquanto a CDU desceu 7,28 pontos percentuais, passando para terceiro lugar das forças mais votadas.

De resto, foi mesmo em terreno tradicionalmente comunista que a CDU foi mais castigada. Das 53 autarquias onde desceu mais de dois pontos percentuais, 47 são em território tipicamente comunista, nomeadamente com terras abaixo do Tejo.

Uma das poucas boas notícias também acabou por chegar do Alentejo, mais precisamente de Mértola, onde a CDU subiu 7,71 pontos percentuais.

Menos dramático do que o descalabro da CDU, o BE também tem pouco para festejar. Conseguiu manter os cinco deputados, é certo, mas não se livrou de descer em 150 concelhos, praticamente metade daqueles em que foi a votos.

É verdade que nenhuma das descidas foi particularmente acentuada – a maior foi de 3,45, em Vila do Bispo –, mas nota-se uma clara tendência de perda de influência dos bloquistas, que tiveram em Alvito, terra de Mariana Mortágua, a maior subida, com 3,15 pontos percentuais.

A notícia menos má acaba por ser a ligeira subida em Lisboa, sabendo-se que o BE é um partido com maior tradição entre os concelhos mais urbanos. No Porto houve uma descida, mas não significativa, enquanto os resultados em concelhos como Faro ou Coimbra até foram dos melhores.

Tudo somado, onde o BE mais perdeu influência foi em locais onde já não era normal conquistar deputados. Daí se explica uma eleição que em pouco diferiu da anterior.

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Livrem-nos disto

Como já referido acima, o Livre foi a única coisa que se pode chamar de boa notícia na noite eleitoral da esquerda. Não só conseguiu um grupo parlamentar – subiu de um para quatro deputados, como foi claramente um dos vencedores globais.

Com a devida proporção, o Livre teve o segundo melhor resultado da noite, logo a seguir ao Chega. Com efeito, o partido de Rui Tavares só não teve melhores resultados em dois concelhos (no Corvo desceu 0,48 pontos percentuais e em Boticas a votação não mexeu).

Em sentido contrário, e sem grandes surpresas, foi nos maiores centros urbanos que o Livre mais subiu. Em Lisboa essa subida foi de 3,85 pontos percentuais. Seguem-se Oeiras, Almada e Porto. Estes não só foram os concelhos onde o partido teve maiores subidas, foram também as autarquias onde teve os melhores resultados.

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Assim-asssim

Na prática, Iniciativa Liberal (IL) e PAN tiveram uma noite parecida com a do BE. Também não subiram o número de deputados, mas conseguiram claramente mais subidas que os bloquistas.

Os liberais, desta vez liderados por Rui Rocha, conseguiram melhorar o resultado de 2022 em 214 concelhos. Não lhes valeu mais deputados, é verdade, mas dá uma perspetiva de futuro e de maior consolidação em alguns distritos.

É o caso de Aveiro, onde a IL conseguiu eleger um deputado pela primeira vez, em grande parte à boleia de resultados como os de Estarreja, onde subiu 1,4 pontos percentuais. De resto, muitas das subidas do partido foram naquele mesmo distrito.

Nota ainda para o resultado em Braga, já esperado, mas que se confirmou como o melhor. Aquele já era um distrito tradicional para os liberais, mas a colocação estratégica de Rui Rocha como cabeça de lista – já o tinha sido, mas desta vez também ia como presidente – valeu uma subida de 2,66 pontos percentuais, a maior de todas, tendo sido também o distrito onde o partido obteve o melhor resultado, com 8,52%.

Um resultado provavelmente agridoce que também foi experimentado pelo PAN. O partido de Inês de Sousa Real teve melhores resultados em 271 concelhos, mas as curtas subidas não lhe valeram mais um deputado do que em Lisboa, pelo que vai continuar sem grupo parlamentar – passa a ser o único partido nessa condição, depois da subida do Livre.

Curiosamente, nem foi nas maiores urbes que o PAN mais subiu. Vila do Bispo, Constância, Nazaré ou Gavião estão entre as cinco maiores subidas, sendo que nenhuma delas foi além de 1,14 pontos percentuais. No sentido contrário, Lourinhã, no distrito de Lisboa, foi onde o partido perdeu mais preponderância, com menos 0,52 pontos percentuais.

Ainda assim, foi no distrito de Lisboa que conseguiu eleger.

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ADN, a surpresa?

Começou quase como uma piada nas redes sociais, mas a pergunta começou a surgir com mais força. Há a possibilidade de alguém confundir AD com ADN?

Piada ou não, e talvez antevendo que a vitória seria mesmo contada ao voto, Luís Montenegro acabou por apelar ao esclarecimento dos cidadãos, temendo que alguns dos seus eleitores se enganassem no dia 10 de março e escolhessem o partido de Bruno Fialho.

Foi o que aconteceu a alguns, garantiu o PSD, relatando enganos em mesas de voto espalhadas pelo país. Ainda assim é difícil acreditar que mais de 100 mil pessoas se tenham enganado a por a cruzinha.

A explicação está bem para lá disso. Também surge com a maior prevalência da religião evangélica em Portugal – afinal várias figuras proeminentes ligadas a Jair Bolsonaro vieram apoiar a ADN.

Seja por uma ou outra razão, a verdade é que o partido subiu mesmo. A primeira Tracking Poll da CNN Portugal chegou a dar 1% à ADN, mas isso parecia ser só muito estranho. Só que, à medida que as horas se desenrolavam, facilmente se percebia que a realidade ia superar a ficção.

A ADN teve mais de 100 mil votos e cresceu em 305 dos 307 concelhos portugueses. Vila do Porto e Santa Cruz da Graciosa, ambos concelhos dos Açores, foram os únicos que “escaparam” e votaram menos no partido do que em 2022. Mas já lá vamos ao caso dos Açores, é muito específico.

Não conseguiu eleger nenhum deputado, até porque grande parte das melhores votações foram em concelhos com menos representatividade, mas a ADN teve várias subidas superiores a três pontos percentuais, até porque partia do zero em vários concelhos.

Sátão, Mêda, São João da Pesqueira e Vila Nova de Paiva são os melhores exemplos. Em todas estas autarquias o partido de Bruno Fialho ficou acima dos 4%, sendo que não tinha tido sequer 1% em nenhuma delas anteriormente.

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O caso dos Açores

Há dois fenómenos que praticamente só se verificam nos Açores. Foi naquele arquipélago que, ao contrário de grande parte do território, a AD mais subiu. Em sentido contrário, foi também ali que a ADN menos desceu.

Entre os 20 concelhos em que a AD mais subiu, 15 ficam nos Açores, sendo que também foi em muitos deles que a coligação obteve os melhores resultados.

Veja-se o exemplo da Calheta, por exemplo, que deu mais 11,28 pontos percentuais à AD do que em 2024.

Exatamente o oposto aconteceu com a ADN. Se o partido de Bruno Fialho subiu em praticamente todos os concelhos, os únicos dois onde isso não aconteceu foram nos Açores.

Mas não é só isso. Entre os 20 concelhos com menor subida do partido, 18 são açorianos. Uma situação que se explica, provavelmente, pelo facto de a ADN já ter tido alguma expressão, mesmo que residual, em 2022, ao contrário do que aconteceu na maioria dos outros concelhos portugueses.

De recordar que os Açores tiveram eleições regionais cerca de um mês antes das legislativas, sendo que também aí a AD saiu vencedora.

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