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Os drones iranianos com que a Rússia ataca a Ucrânia são feitos com tecnologia europeia roubada

Uma nova investigação revela até que ponto o Irão construiu uma poderosa indústria de armamento baseada em tecnologia ocidental e como essa tecnologia está a ser utilizada pela Rússia contra cidades ucranianas.

A Conflict Armament Research (CAR), uma organização com sede no Reino Unido que investiga componentes de armas, apurou que os drones Shahed-136 vendidos à Rússia por Teerão são movidos por um motor com tecnologia alemã - tecnologia adquirida ilicitamente pelo Irão há quase 20 anos.

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A descoberta - feita através de um exame detalhado dos componentes recuperados na Ucrânia e partilhada exclusivamente com a CNN - sublinha a capacidade do Irão para imitar e aperfeiçoar a tecnologia militar que obteve ilegitimamente.

As autoridades ocidentais também estão preocupadas com a possibilidade de a Rússia partilhar com os iranianos armas e equipamento de fabrico ocidental recuperados no campo de batalha ucraniano. Até à data, não há provas concretas de que isso tenha acontecido.

Um motor Mado MD-550 recuperado pelas forças ucranianas a 30 de dezembro de 2022. Conflict Armament Research (CAR)

No entanto, as relações entre Teerão e Moscovo tornaram-se muito mais estreitas. A Rússia quer drones e mísseis balísticos iranianos; o Irão quer investimento e comércio russos. A Rússia tornou-se o maior investidor estrangeiro no Irão no último ano, segundo autoridades iranianas.

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E para os russos, os drones iranianos são um substituto barato para mísseis muito mais dispendiosos, cujos stocks estão a diminuir, de acordo com autoridades ocidentais. Os especialistas acreditam que um Shahed-136, por exemplo, custa cerca de 20.000 dólares (mais de 18.000 euros), uma pequena fração do custo de um míssil de cruzeiro Kalibr.

Em outubro passado, o chefe dos Serviços Secretos de Defesa da Ucrânia, Kyrylo Budanov, afirmou que a Rússia tinha encomendado cerca de 1.700 drones iranianos de diferentes tipos. A Ucrânia tem-se mostrado hábil a derrubar o Shahed-136, mas isso esgota as suas já escassas defesas antiaéreas. Apesar da carga explosiva relativamente baixa, de até 40 kg, um ataque preciso de um Shahed-136 ainda pode causar grandes danos.

Tecnologia alemã

Entre novembro do ano passado e março de 2023, a CAR conseguiu examinar componentes de 20 drones e munições de fabrico iraniano na Ucrânia, cerca de metade dos quais Shahed-136.

A CAR conseguiu confirmar que o motor do Shahed-136 foi objeto de engenharia reversa [desmontar algo para descobrir como funciona] por uma empresa iraniana chamada Oje Parvaz Mado Nafar - conhecida como Mado - sediada na cidade de Shokuhieh, na província de Qom. A empresa foi sancionada pelo Reino Unido, pelos EUA e pela União Europeia em dezembro do ano passado.

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Cabos no motor Mado com etiquetas que, provavelmente, se referem ao modelo MD-550, documentados por uma equipa de investigação da CAR em Kiev, na Ucrânia, em 20 de janeiro de 2023. Conflict Armament Research (CAR)

Os investigadores da CAR encontraram as marcas da Mado nas velas de ignição dos motores do drone, bem como as sequências de números de série utilizadas pela Mado.

Segundo os governos ocidentais e as Nações Unidas, a Mado desempenha um papel crucial na indústria de drones em expansão no Irão. O mesmo padrão de números de série foi também observado por investigadores da ONU que examinaram ataques com drones à Arábia Saudita, alegadamente levados a cabo pelos aliados Houthi do Irão no Iémen - bem como ataques com mísseis no ano passado contra Abu Dhabi, nos Emirados Árabes Unidos.

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Taimur Khan, analista do Golfo na CAR, disse à CNN que os sistemas de UAV [Unmanned Aerial Vehicles, na designação em inglês, isto é, drones] do Irão estão constantemente a ser aperfeiçoados e modernizados e "provaram ser cada vez mais precisos em termos dos seus sistemas de orientação e de mira, bem como das capacidades de contra-interferência".

Uma longa busca

A conceção do motor Mado reflete um intenso esforço iraniano, que remonta há cerca de 20 anos, para adquirir tecnologia ocidental para os seus drones e mísseis, apesar das sanções internacionais generalizadas.

Em 2006, o Irão adquiriu ilicitamente motores para drones fabricados pela empresa alemã Limbach Flugmotoren. Três anos mais tarde, um engenheiro iraniano chamado Yousef Aboutalebi anunciou que a sua empresa tinha construído um motor para UAV.

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Essa empresa viria a tornar-se a Mado.

O número de série principal de um motor MD-550 fabricado pela Mado, documentado por uma equipa de investigação da CAR em Kiev, na Ucrânia, em 2 de novembro de 2022. Conflict Armament Research (CAR)

A empresa parece ter tentado esconder o seu papel na construção dos Shaheds, segundo a CAR. Os seus investigadores descobriram que os números de série originais dos componentes dos drones encontrados na Ucrânia tinham sido apagados, num aparente esforço para disfarçar a sua origem.

"Estas modificações impediram os investigadores de identificar as redes de aquisição que facilitam o fornecimento internacional de componentes-chave ao Irão", indica a CAR.

Entre outros componentes ocidentais adquiridos e copiados pelo Irão estão peças de mísseis de fabrico checo. Em 2020, um relatório de peritos da ONU afirmou que o motor dos mísseis Quds-1 do Irão, utilizados nos ataques às refinarias de petróleo sauditas no ano anterior, era "uma cópia não licenciada do motor a jato TJ-100 fabricado pela PBS Velká Bíteš" na Chéquia.

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Outras peças dos motores Mado também tinham números da série 100. Documentado por uma equipa de investigação da CAR em Kiev, Ucrânia, em 20 de janeiro de 2023. Conflict Armament Research (CAR)

Os peritos dizem que o motor checo também parece ter sido instalado no míssil Heidar-2 do Irão.

A empresa afirmou que nunca forneceu o motor ao Irão ou ao Iémen, mas o Irão tornou-se especialista em fugir aos controlos de tecnologia sensível, recorrendo, em alguns casos, a empresas de fachada. Um painel da ONU descobriu que as peças exportadas pelo fabricante checo para uma empresa em Hong Kong em 2010 acabaram em mísseis iranianos utilizados em 2019.

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Taimur Khan, da CAR, diz que o Irão "adquiriu componentes e tecnologias ocidentais para o seu programa UAV, aproveitando a falta de visibilidade da cadeia de abastecimento", o que torna a identificação de componentes uma técnica crítica para melhorar o controlo das exportações e os mecanismos de sanção.

Uma parceria cada vez mais profunda

As vendas de drones aprofundaram as relações entre o Irão e a Rússia, que já se estavam a fortalecer à medida que os dois países eram cada vez mais excluídos do comércio internacional e do sistema financeiro.

"Definimos as nossas relações com a Rússia como estratégicas e estamos a trabalhar em conjunto em muitos aspetos, especialmente nas relações económicas", afirmou o ministro das Finanças Ehsan Khandouzi ao Financial Times no mês passado.

Localização das velas de ignição num motor Mado MD-550: os investigadores do CAR encontraram as marcas da Mado nas velas de ignição. Conflict Armament Research (CAR)

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As receitas da venda de centenas de drones Shahed-136 à Rússia serão provavelmente reinvestidas na melhoria do setor. E a parceria pode começar a explorar novos territórios.

Khan acredita que "dado que a Rússia está a capturar armas ocidentais sofisticadas no campo de batalha - como o míssil antitanque Javelin - e que há uma crescente cooperação militar entre os dois países, e o Irão tem capacidades comprovadas a este respeito, penso que é provável que colaborem na cópia deste tipo de sistemas".

Há também a possibilidade de a Rússia aproveitar a sua cooperação com o Irão para desenvolver as suas próprias capacidades de produção de drones militares.

Mas até que isso aconteça, as forças armadas russas continuarão provavelmente a ser um cliente ávido de centenas de drones do Irão, um Estado que fez da evasão às sanções uma arte para construir uma indústria de armamento autóctone.

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