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Quando um problema de saúde mental de um filho afeta a família inteira. "Às vezes não sei como aguento"

Isabel debate-se diariamente com o transtorno de personalidade borderline da filha Francisca, enquanto tenta apanhar os cacos da família que se desfez após o diagnóstico. Renato viveu uma história com um final feliz que hoje o ajuda a trabalhar com os atletas que treina e serviu de inspiração a um projeto de promoção da saúde mental em atletas de alto rendimento. Histórias de famílias para quem a vida deu uma volta de 180 graus depois de um diagnóstico de problemas de saúde mental de um filho

Isabel Silva, professora, não consegue conter as lágrimas quando pensa nas fotografias de criança da filha Francisca. “Olhar para fotografias e é o que mais me custa. Aquela Francisca já não existe nem vai existir”, diz, com a voz toldada e enquanto limpa o rosto.

Francisca, 20 anos, foi diagnosticada com transtorno de personalidade borderline e a vida de toda a família mudou para sempre. Quando olha agora para a filha, a professora tem dificuldade em voltar atrás 20 anos no tempo. Tal é a força com que está presa ao presente a lutar pela sobrevivência da filha, pelo bem-estar emocional de Rafael, o filho mais novo, e pela unidade da família. A lutar pela sua própria sobrevivência.

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Falámos com ela na escola onde dá aulas, perto do Porto. Uma conversa de duas horas que parecia querer prolongar, numa tentativa permanente de adiar a inevitável ida para casa.

O sítio onde me sinto melhor é no trabalho. Tenho medo todos os dias de chegar a casa e encontrá-la morta. E nunca deixo que o meu filho mais novo seja o primeiro a entrar. Tenho medo do que ele possa ver. Ainda esta semana ela me disse que é muito mais fácil do que a gente imagina”, explica.

Dois anos depois do diagnóstico, dá por si a “procurar tudo e mais alguma coisa”. “Penso muitas vezes ‘Será que foi por isto? Será que foi porque enfrentaram determinada situação?’. Já me culpei muito. Agora, já não me culpo tanto. Nesta altura culpo-me mais por não ter força suficiente, por não ter capacidade para dar mais bem-estar à minha família. Porque se eu estou bem, eles estão bem. Mas se eu não estou bem, eles também não estão”, lamenta.

Família? “Isto estraga tudo”

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Francisca é a segunda filha de Isabel. Ficou grávida dela quando o filho mais velho tinha apenas sete meses. Quando as crianças tinham três e quatro anos, separou-se do pai delas. Mais tarde, refez a vida sentimental e casou-se com Alberto Gonçalves, de quem tem outro filho, agora com 10 anos, o Rafael.

Até há três anos, diz, tinha a vida com que sempre sonhou. Três filhos saudáveis, um marido dedicado. Nem o confinamento que a pandemia ditou mexeu com a felicidade: “Moramos no campo, ao lado dos meus pais. Por isso, nunca estivemos totalmente isolados num apartamento”.

Mas o diagnóstico de Francisca trouxe a divisão da família. “Isto estraga tudo. O irmão mais velho saiu de casa porque não aguentava mais. Não o critico. Eu própria, às vezes, não sei como aguento e venho trabalhar. Mas eles estavam permanentemente a discutir e ele achou melhor sair de casa. Mas faz-me muita falta, porque eu conversava muito com ele e ele era o meu grande apoio”, lamenta.

“O Alberto é extraordinário com a Francisca. Tem imensa paciência com ela. Sabe ouvi-la. Acompanha-a. Mas é claro que eu não tenho a mesma disponibilidade emocional para o casamento que tinha antes. Tenho a perfeita noção que, se não fosse pelo Rafael, já tinha posto um fim no meu casamento, porque o meu marido não merece esta vida, nem viver esta tristeza e ver-me todos os dias desta maneira.”

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Para preservar a filha, Isabel tem mantido o assunto num círculo muito restrito. “Pouca gente sabe e quem sabe não aceita. Dizem-me que o problema dela é ter tudo, que é falta de umas boas palmadas… já ouvi de tudo. Eu própria, às vezes, ainda penso assim”, confessa.

Ainda assim, resolveu dar o seu testemunho: “Esconder isto não salva ninguém. Não salva a Francisca. Não ajuda absolutamente ninguém. Temos de contar, temos de alertar os pais para os sinais”.

“Um sonho de miúda”

Francisca sempre foi uma criança saudável, “com uma inteligência e uma capacidade argumentação acima da média”.

“Até aos quatro anos, ficou em casa com as avós. Depois, foi para a escolinha. Foi sempre exemplar. Comportamento, aproveitamento... Nunca tive qualquer tipo de queixa. Tinha amigos, falava de forma positiva do dia-a-dia, sempre disposta a tudo. Era uma alegria estar com a Francisca. Era uma miúda sem qualquer tipo de medos. Aos três ou quatro anos entrava no mar e nadava como uma pessoa adulta”, recorda.

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Nem sequer o divórcio terá beliscado a autoconfiança que a filha demonstrava. “O que teve alguma influência no comportamento da Francisca foi o relacionamento com a namorada do pai, que era uma pessoa mais distante. Depois, começou a queixar-se de algumas brincadeiras do irmão e do enteado do pai contra ela. Hoje, ela diz que sofria de bullying e que se sentia abandonada pelo pai. Dizia que o irmão e o enteado do pai lhe tiravam as coisas, a chateavam… Desvalorizei sempre, porque achava que era coisa de irmãos, coisa de miúdos. Mas, de alguma forma, isso marcou-a profundamente. Ainda hoje fala nisso e tem uma péssima relação com o irmão mais velho”, conta.

Com uns nove anos, começou a ter “umas crises de ansiedade, uns ataques de pânico”. Isabel levou a filha a um pedopsiquiatra, fez um curto tratamento e “estes ataques de pânico passaram”.

“Prosseguiu os estudos. Sempre boa aluna, sempre alegre, sempre a querer participar em convívios com os colegas. Sempre muito bonita, muito vaidosa, adorava cantar. Era daquelas miúdas para quem nós olhávamos e achávamos que ia ter um futuro brilhante. Muito independente, muito feminista, defensora dos seus direitos e toda a gente lhe achava muita graça. Era um sonho de miúda”, recorda.

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Automutilação

Isabel recorda mais um sinal que ignorou: “Por volta do 8º ano, a Francisca começou a isolar-se. Deixou de ter amigos. Tinha só uma amiga. Todos os outros adolescentes tinham defeitos para ela. Era muito seletiva. Nós em casa e os professores achávamos piada àquilo, porque achávamos que era da independência dela. Não achávamos nada preocupante.”

Ainda assim, a continuidade daquele extremo isolamento preocupava-a. Parecia-lhe ser mais do que algo próprio da adolescência. Convenceu a filha a procurar ajuda profissional: “Marquei-lhe consulta numa psicóloga, mas eu não via melhoras. Passados uns três meses, saiu da consulta e disse que não queria ir mais, que não estava a resultar. Entrou no carro e disse-me ‘A doutora disse-me que eu não sou feliz porque não quero, que está tudo bem comigo. Ela não me entende’. Ela estava tão determinada que eu não insisti”.

Francisca procurou uma psicóloga, mas pediu para abandonar o tratamento poucas sessões depois. 

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“Só há um ano ou ano e meio é que soube que, nessa altura, ela já se mutilava na barriga e chegou a contar isso à psicóloga. Fiquei extremamente chocada e não consigo compreender como é que uma psicóloga tem uma criança a seu cargo, com este comportamento de risco e não faz nada. A psicóloga nunca me disse nada”, lamenta.

A pandemia apanhou Francisca neste turbilhão de emoções e parece ter agravado a necessidade de Francisca de se isolar. Quando terminou o confinamento e regressou às aulas presenciais, estava “cada vez mais triste, cada vez mais fechada no quarto”. “Eu insisti muitas vezes para que ela fosse a um pedopsiquiatra e ela recusou sempre. Até que um dia, veio ter comigo e disse ‘mãe, preciso de ajuda. Preciso mesmo de ir a um psiquiatra’. E eu levei-a”, conta, revelando que, na altura, Francisca foi diagnosticada com uma depressão grave.

“A psiquiatra chamou-me e disse-me que eu tinha de ter uma conversa muito sincera com a minha filha. Quando entrámos no carro, disse-lhe que ela me podia contar tudo à mãe. Disse-lhe que me podia contar se tivesse sido violada, se consumisse drogas, se era homossexual… coloquei todas as hipóteses. Para mim tinha de haver uma razão para aquela tristeza. Disse-me sempre que não era nada, que não tinha nada. Chegámos a casa e ela contou-me que se cortava com uma faca. Isso nunca me tinha passado pela cabeça. Eu nem imaginava a Francisca a fazer aquilo”, confessa.

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Ela mostrou-me a barriga. Estava… nem sei que adjetivo hei de usar. Eram cortes em cima de cortes, uns muito vermelhos, alguns ainda em ferida…”

Francisca foi medicada e passou a fazer psicoterapia. Mas as melhoras não se fizeram sentir. Antes pelo contrário.

Os surtos psicóticos e as tentativas de suicídio

Dizia que se mutilava para “abrandar a dor emocional” e nada a fazia parar. Qualquer coisa passou a servir para “se poder cortar”. O comportamento auto lesivo adensou-se: “O facto de termos ficado a saber parece que teve um efeito de libertação para ela. Deixou de esconder. Se até aqui era só na barriga, passou a cortar-se nas pernas e nos braços”.

Depois, “começaram os surtos psicóticos e as idas às urgências”. Experimentou vários psiquiatras. Dizia sempre que não se identificava com nenhum profissional. Depois, vieram as tentativas de suicídio. Primeiro com medicamentos.

Tivemos de arranjar um cofre lá para casa e ter os medicamentos todos fechados. Sou eu que lhe dou a medicação todos os dias de manhã e à noite. Já este ano de 2024 ligaram-me porque estava sentada na linha do comboio, já com a polícia e o INEM de volta dela.”

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Francisca chegou a estar internada uma semana num hospital psiquiátrico. Mas o convívio com outras patologias parece ter tido o efeito contrário ao desejado. Agora, está medicada e sempre que se aproxima um surto, que mãe e filha já conseguem identificar, “toma um SOS”. Ainda assim, as descompensações são relativamente frequentes.

As idas de Francisca às urgências tornaram-se frequentes, mas sempre sem uma resposta adequada.

“As idas às urgências também não dão em nada, mesmo quando vai pelas tentativas de suicídio. Dão-lhe um SOS e mandam-na para casa. Não há um encaminhamento, não há a apresentação de qualquer solução…”, lamenta Isabel.

“Todo o acompanhamento que a minha filha tem é privado. Vai à terapia uma vez por semana. São cerca de 200 euros por mês. Tem psiquiatra uma vez por mês e são mais 80 euros. Há outras terapias, como terapias de grupo, mas financeiramente já não dá”, acrescenta.

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Francisca estuda numa universidade privada, o que faz engrossar o esforço financeiro da família. E o pior é que as melhoras são poucas e lentas: “Continua a mesma Francisca. Completamente perdida. Diz que não há lugar para ela nem para ninguém neste mundo, que toda a gente a abandona, que os sonhos são inatingíveis, que nunca será independente…”.

“Imaginava todos os cenários para o futuro dela. Os piores, achava eu. Que ia ter demasiados namorados, que pudesse engravidar, que pudesse ser desencaminhada por outros… mas nunca imaginei isto”.

Um psicólogo para 40 mil habitantes

Sofia Ramalho, vice-presidente da Ordem dos Psicólogos Portugueses (OPP), recorda que Portugal tem uma prevalência de depressão e ansiedade ao nível dos mais elevados da Europa. Cerca de 20% dos portugueses sofrem de algum problema de saúde mental, com especial incidência de depressão e ansiedade.

O caso de Francisca está assim longe de ser o único e também está longe de ser a única sem resposta no Serviço Nacional de Saúde (SNS). “Há cerca de 1.100 psicólogos no SNS. Nos centros de saúde, só há 300. Significa um rácio de um psicólogo para 40 mil habitantes. É impensável”, diz Sofia Ramalho.

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“Há uma resolução da Assembleia da República, de 2021, que recomenda um rácio de um psicólogo para cinco mil habitantes. Estamos muito longe disso. Não estamos a conseguir passar da teoria à prática”, lamenta a vice-presidente da OPP, que fala em “discriminação” e em “desigualdade” no acesso aos cuidados de saúde mental.

Quem é deixado para trás são as pessoas que estão numa situação de maior vulnerabilidade, as que mais precisam. Quem tem uma situação socioeconómica mais elevada, ainda vai conseguindo recorrer ao privado. Neste momento, já há seguradoras a cobrir cuidados de saúde mental, mas é preciso também poder pagar os prémios dos seguros.”

A psicóloga Sofia Ramalho evidencia ainda as consequências que esta dificuldade no acesso aos cuidados de saúde mental pode ter nos jovens: “Como não há resposta nos cuidados de saúde, pressionam-se os psicólogos nas escolas, que deviam estar a fazer um trabalho de preventivo e de promoção do bem-estar, numa larga escala, trabalhando com os professores, com os pais, de uma forma mais global, mas estão a ser confrontados com dilemas éticos - têm crianças ou jovens que necessitavam de uma intervenção na área da saúde e ficam divididos entre fazer uma intervenção individual, porque a situação é delicada, é urgente e é de crise. Deveriam fazer um trabalho mais de capacitação dos jovens para aumentar a resiliência e têm de fazer um trabalho de terapia”.

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O SNS tem um rácio de psicólogos de um profissional para 40 mil utentes. 

Além disso, diz, um doente que “finalmente tem acesso a uma consulta de psicologia num centro de saúde, poderá já vir com um problema muito mais agravado, instalado e de mais difícil resolução”.

Por isso, lança o repto aos partidos políticos que agora ocupam os assentos no Parlamento: “passem das promessas à prática! Nos seus programas eleitorais, todos os partidos políticos identificaram a necessidades de colocar psicólogos no SNS. Agora, é preciso passar das promessas à prática.”

A especialista destaca ainda a importância do trabalho a montante no que diz respeito à saúde mental. “A saúde mental é muito mais do que doença mental. A saúde mental é a nossa capacidade de estar bem no nosso dia-a-dia na família, no trabalho, nas relações sociais. Todas as pessoas deviam ter a possibilidade de terem acesso a um psicólogo para apoiarem em tomadas de decisão importantes para a sua vida, por exemplo.  Não podemos associar a dimensão da saúde mental apenas ao foro clínico. Temos de olhar para ela do ponto de vista do bem-estar psicológico e social”, sublinha.

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Mariana e a anorexia

Renato Kobayashi é mestre de judo e antigo atleta olímpico. Filho de Kiyoshi Kobayashi, que é considerado o pai do judo português. Com larga experiência no treino de jovens atletas, incluindo nos Jogos Olímpicos de Londres de 2012, Renato não estava preparado para o que havia de lhe reservar a adolescência da filha Mariana. Até porque Mariana nunca lhe tinha dado qualquer problema. “Era muito determinada nos seus objetivos. Excelente aluna e muito focada. Davam-lhe um tema e ela aprofundava, queria saber mais. Era muito dedicada”, recorda.

Mariana era assim na escola e no desporto. Incentivada e seguindo o exemplo do pai, ingressou no judo com nove anos. Treinava três vezes por semana, mas achava pouco. Algum tempo depois de começar, pediu ao pai para treinar todos os dias. “Disse-lhe que não era possível e ela respondeu: ‘Mas eu assim nunca vou ser melhor do que as outras’. Tentei explicar-lhe que o objetivo não era ser melhor do que as outras, mas praticar desporto, mas ela não ficou convencida. Umas duas semanas depois disse-me que não queria fazer mais judo. Queria fazer atletismo, porque podia treinar todos os dias e assim podia ter outra ambição. Achei que fosse sol de pouca dura. Mas começámos a ver a nossa filha a sair todos os dias de casa e a ir correr, mesmo que estivesse a chover ou um vento horrível”, conta Renato Kobayashi.

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Depois de uma curta passagem pelo judo, Mariana focou-se na corrida e, fizesse chuva ou sol, saía todos os dias para treinar. 

Passados poucos meses, já estava a participar nas olimpíadas escolares e a corrida é um hábito que ainda hoje, aos 24 anos, mantém. No início da adolescência, Mariana começou a apresentar uma magreza cada vez mais extrema. Atentos, os pais acharam inicialmente que seria porque treinava demais. A fase coincidiu com a separação dos pais. Para enfrentar a situação, Mariana começou a treinar cada vez mais e a comer cada vez menos.

“Focou-se muito no treino e veio a desencadear um processo de anorexia com alguma gravidade. Começámos à procura de ajuda e deparamo-nos com a falta de respostas no serviço público de saúde. O que há é muito vago. Aparecem alguns profissionais que fazem isto de forma muito generalista, que encaram isto como uma fase e não levam muito a sério a situação”.

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Com 14 anos, Mariana chegou a pesar cerca de 28 quilos. Continuava a ser “uma aluna fabulosa”, mas cada vez mais magra.

A fuga de casa

Mas o pior ainda havia de estar para vir. Com “uns 15 anos”, Mariana saiu de casa sem avisar ninguém, numa viagem cuidadosamente preparada em segredo e com antecedência. “Durante algum tempo, preparou uma dispensa própria no quarto. De repente, desapareceu de casa. Fez uma mochila com comida e roupa e meteu-se num comboio e foi-se embora. (…) Telemóvel desligado. Não sabíamos de nada. Zero”, começa por contar Renato.

Quando a conseguimos localizar, ela estava a passar a fronteira de Espanha para França. De comboio. Percebemos que aquele comboio ia para Paris. Apanhei o primeiro voo para Paris e, quando ela chegou à estação, já eu lá estava”.

Renato decidiu cancelar o voo de regresso e ficou com a filha quase uma semana em Paris “como turistas”. Foram cinco dias de conversas intensas, sem julgamentos, que resultaram numa “estratégia de tratamento” que Mariana acedeu cumprir.

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Desesperado, o pai procurou ajuda em todos os lugares que pareciam trazer-lhe esperança. Bateu à porta do consultório do psiquiatra Daniel Sampaio, a quem agradece, hoje, a vida filha. “Ela já estava abaixo do índice de risco de vida. Se baixasse mais um quilo que fosse tinha de ser internada de urgência”, recorda.

O tratamento foi seguido à risca e Mariana foi recuperando. Mas… havia de haver um mas: “A determinada altura, dá-se um ponto de viragem e vem a bulimia. A ponto de termos de trancar o frigorífico. A Mariana tem mais dois irmãos e era difícil de gerir. Tínhamos de comprar a comida só para o dia. Se houvesse um pouco mais, a Mariana fazia desaparecer tudo”.

História com final feliz

A luta da família foi longa e dura. Mas “com muita calma e muita serenidade, conseguimos uma estabilização”. Mariana terminou o 12º ano entrou em Gestão na Universidade Católica, com uma bolsa de estudo patrocinada pela Jerónimo Martins. Acabou o primeiro ano como melhor aluna da faculdade e a própria instituição “convidou-a para libertar a bolsa da Jerónimo Martins e ficar com uma bolsa da própria Católica”. Ambiciosa e determinada, inscreveu-se numa segunda licenciatura – Finanças. Terminou o segundo ano como a segunda melhor aluna.

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Mariana começava, finalmente, a colher os frutos da sua determinação. A convite da universidade, foi fazer o terceiro ano para Grenoble, numa das mais conceituadas faculdades de Finanças do mundo. Depois veio um estágio no Boston Consulting Group, em Berlim, e um trabalho na Linkedin, em Dublin. Renato revela, com orgulho, que a filha, hoje com 24 anos, trabalha agora na Google, “a empresa onde sempre sonhou trabalhar”.

A história com final feliz de Mariana foi crucial para o trabalho que o pai desenvolve hoje com jovens atletas. Depois de ser contactado por um antigo atleta com uma depressão profunda que lhe pedia ajuda e sem ferramentas para o ajudar, Renato Kobayashi bateu à porta do Instituto Português do Desporto e da Juventude e da Cruz Vermelha. Daqui nasceu um protocolo entre as duas instituições que, hoje, ajuda vários atletas com problemas de saúde mental.

As estratégias aconselhadas pela especialista

A psicóloga Vânia Sousa Lima reconhece que um problema de saúde mental de um filho pode ser devastador para uma família. “Quaisquer que sejam as dificuldades, desafios ou situações (inclusive as que tenham uma conotação positiva) que um elemento de uma dada família experiencie, os mesmos influem não apenas na pessoa que os experiencia, como nos demais elementos e na família como um todo”, começa por explicar.

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“Torna-se ainda necessário atender aos múltiplos subsistemas dentro da família, por exemplo, o sistema conjugal, parental ou fraternal, bem como ao modo como o funcionamento de cada um dos mesmos se regula, por um lado, e influencia os demais, por outro”, alerta.

Por isso, aos primeiros sinais, procurar ajuda especializada de profissionais de saúde mental é fundamental. Vânia Sousa Lima sublinha que “tal deve ocorrer de modo precoce, minimizando o risco de agravamento da dificuldade e, necessariamente, portanto, do sofrimento que se lhe associa”.

A especialista salienta que “as pessoas e as famílias são mais do que o problema com que lidam e a família e outra rede de suporte (por exemplo, família alargada, amigos) ao seu redor” podem ser uma ajuda fundamental.

Vânia Sousa Lima recorre à analogia do voo para falar da importância de os restantes elementos da família cuidarem de si mesmos. Ninguém pode cuidar adequadamente do outro se não estiver bem. “A ideia de ‘em caso de despressurização coloque primeiro a sua máscara e só depois a crianças ou outras pessoas que precisem de ajuda’ visa garantir que estão reunidas as condições para uma adequada prestação de cuidados”, sublinha.

A psicóloga aconselha os pais a investirem noutras áreas de vida e noutros papeis, em paralelo com o papel parental, e em atividades promotoras de bem-estar e regulação emocional. Também para os restantes elementos da família, a rede de suporte informal, como amigos e família alargada é fundamental. E se for necessário, não hesitar em “recorrer a ajuda especializada nas situações em que se perceba não serem as estratégias que estejam a ser postas em marcha suficientemente eficazes”.

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