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Devemos reconsiderar ter filhos devido ao receio da crise climática?

Ainda não passámos pelas cinco fases do luto (negação, raiva, negociação, depressão e aceitação) no que diz respeito ao clima, para percebermos o que perdemos

Calor recorde, subida do nível do mar, condições climatéricas cada vez mais extremas e muito mais são o resultado da crise climática provocada pelo homem.

Não parece ser uma boa altura para criar filhos ou para os ter. Mas talvez ainda o seja, se conseguirmos contrariar o medo com conhecimento e esperança.

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Conversei com Bill Weir, correspondente principal da CNN para o clima e apresentador da série original da CNN "The Wonder List with Bill Weir", sobre estes temas e sobre o seu novo livro, "Life As We Know It (Can Be): Stories of People, Climate, and Hope in a Changing World", escrito como uma carta aberta aos seus próprios filhos.

Esta conversa foi editada e condensada para maior clareza.  

És fundamentalmente uma pessoa otimista ou pessimista por natureza? Depende do dia. Descobri que, ao cobrir este tema, o meu humor é diretamente proporcional àquilo em que estou concentrado. Há dias em que é uma mangueira de pavor revisto por pares e apenas mais sinais de quantas formas a humanidade está a destruir o planeta. Mas os dias em que me concentro nos solucionadores de problemas, nos sonhadores, nos fazedores, nas pessoas que sabem que há um futuro melhor, (esses dias) curam a alma. Quando me sentei para escrever este livro estávamos numa situação muito negra a nível nacional. E encontrei suficientes histórias positivas, vi suficiente impulso na direção certa, que na maioria dos dias acordo agora com mais admiração do que preocupação. A luta ainda agora começou e muito pode ser salvo. E vale a pena salvar muita coisa. É essa a ética que estou a tentar transmitir aos meus filhos: ter os olhos bem abertos para os desafios, mas cheios de coragem e esperança nas soluções.

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Por um lado, escreveste "Os Estados Unidos da América que eu conhecia e amava desapareceram... comidos por dentro por mentiras metastáticas alimentadas por pessoas furiosas em lugares esquecidos". Por outro lado, tiveste intencionalmente um filho nos últimos anos. O que dirias a alguém que se sente em conflito em relação a ter um bebé neste momento? Eu diria que precisamos de toda a ajuda possível. E se acreditas que o teu filho vai ser um fator positivo para a humanidade, vai em frente. Penso que o nosso objetivo básico na vida é procriar. A natureza quer a replicação e, esperemos, a melhoria para a geração seguinte. É um problema de primeiro mundo pensar em ter ou não ter filhos. É difícil para as pessoas, e eu compreendo perfeitamente a psicologia em torno deste tipo de coisas, porque ainda não conseguimos lidar com o stress mental das alterações climáticas. Ainda não passámos pelas cinco fases do luto (negação, raiva, negociação, depressão e aceitação) no que diz respeito ao clima, para percebermos o que perdemos. E temos de chegar à aceitação do que precisamos de construir para sobreviver e prosperar. Há conselheiros familiares que lidam com pais que estão a sofrer com esta dor. Continuam a querer alargar a família (mas) estão muito preocupados com o que o futuro lhes pode trazer. Penso que essa é uma preocupação válida e houve uma altura em que compreendi perfeitamente o ponto de vista dessas pessoas. Mas estou tão contente por o meu filho estar aqui. Ele dá-me inspiração que de outra forma não teria. Ele dá-me perspetiva. Acho que acredito que os humanos podem ser um fator positivo para o planeta. E a maioria das pessoas quer sê-lo - e resume-se tudo às histórias que contamos a nós próprios.

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Os jovens estão preocupados com o clima. Cerca de 84% de 10.000 pessoas com idades compreendidas entre os 16 e os 25 anos em 10 países estavam moderada ou extremamente preocupadas com as alterações climáticas, de acordo com um inquérito de 2021 publicado na revista Lancet Planet Health. Mais de 50% dos participantes no estudo afirmaram sentir-se tristes, ansiosos, zangados, impotentes, desamparados e culpados. E mais de 45% disseram que os seus sentimentos sobre o tema afetam negativamente a sua vida e funcionamento diários. Not eu livro citas um estudo semelhante. O que é que dirias a estes adolescentes e jovens adultos? Ou o que dirias a ti, porque a tua filha está nessa faixa etária, certo? Ela tem 20 anos. Bem, para começar, digo 'desculpa'. Lamentamos que as nossas ações intencionais e não intencionais tenham baralhado o seu futuro. Não podes tomar como garantidas as coisas que eu tomei como garantidas - ar, água, temperatura, como se constrói um abrigo, como se cultiva os alimentos -, não podes dar-te ao luxo de ignorar essas coisas. O meu pai costumava dizer-me, sempre que eu tinha problemas, 'ainda bem que és forte'. Por isso, sinto que temos de criar uma geração de crianças resilientes e dar-lhes o exemplo do que isso é. Temos de estar constantemente atentos a desastres inesperados e não naturais. E temos de falar uns com os outros nas comunidades sobre este tipo de coisas. Penso que uma das principais razões para estes picos de ansiedade em relação ao clima nas sondagens é o facto de não falarmos sobre o assunto. O resultado de os adultos não terem conversas honestas sobre o que estamos a perder, o que vale a pena salvar, as decisões que temos de tomar, porque já não há decisões fáceis. Temos de fazer contas brutais sobre o que vale a pena salvar e o que vale a pena deixar ir. Acho que só através destas conversas é que conseguimos ultrapassar as cinco fases do luto climático e chegar ao fim, que é a aceitação.

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Adoro este pormenor sobre o nascimento do vosso filho, River, que foi concebido num farol durante a pandemia. É a metáfora perfeita, um farol de luz, de esperança na escuridão. Para levar essa metáfora um pouco mais longe, outra caraterística dos faróis é o facto de serem construídos para resistir ao pior da natureza e de estarem frequentemente isolados ao ponto de precisarem de ser autossuficientes. Na tua opinião, a autossuficiência e a fortaleza são virtudes a que os pais devem dar mais ênfase atualmente? Sim, absolutamente. O meu pai era um pouco misantropo e gostava de estar sozinho. E criou-me com aquela sensação de romantismo à John Muir de viver numa cabana na floresta. Mas John Muir usava um machado que era feito numa fábrica algures, por outras pessoas que não tinham o luxo de sair da rede. Precisamos de toda a gente. Hoje em dia, precisamos de toda a gente a trabalhar em conjunto. Em termos de ensino da resiliência e da independência, como traço de personalidade, penso que isso é vital. Mas quero que os meus filhos estejam ligados às suas comunidades, que também se empenhem civicamente. Que conheçam o seu poder enquanto cidadãos e consumidores conscientes. Que sejam o tipo de vizinho que torna mais fortes todos os que os rodeiam, aconteça o que acontecer.

Eu próprio tenho dois filhos, de 12 e 16 anos. E quando falo com eles sobre a crise climática, dou por mim a tentar dar-lhes a volta, a contrabalançar a desgraça com o otimismo de inverter o rumo que estamos a tomar, de ações governamentais, de descobertas científicas, de histórias de pessoas que estão a mudar. Como é que encontramos esse equilíbrio nas conversas diárias com os nossos filhos, sendo honestos mas não desesperados? Estou sempre a tentar encontrar esse equilíbrio. O melhor conselho que recebi para liderar a luta contra o clima nesta fase da minha vida foi dado pelo sr. Rogers, que ficou famoso por dizer que sempre que via um acontecimento assustador na televisão a sua mãe dizia-lhe para 'procurar os ajudantes'; há sempre ajudantes a entrar em cena. E este livro é dedicado aos ajudantes, não apenas aos socorristas que encontro nestas zonas de catástrofe, mas às inúmeras pessoas que vivem vidas de serviço silencioso e que nos levam numa direção mais positiva. Os ajudantes elevam-me - a ideia de que os mesmos lóbulos frontais que criaram o problema à medida que explodimos como espécie podem resolvê-lo quando nos juntamos. Há tanto que pode ser feito. Há tanta coisa que pode ser salva.

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