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Acolhimento de refugiados: associação que colabora com autarquia de Portimão está ligada a fundação de Putin

A CAPELA, que trabalha com a câmara socialista há vários anos, tem ligações a uma fundação criada por Vladimir Putin e à agência de propaganda do Ministério dos Negócios Estrangeiros da Rússia. Autarquia vai manter colaboração até "provas em contrário", dirigente da associação conta que "não faz política"

A associação que colabora com a Câmara Municipal de Portimão no acolhimento de refugiados e na qual a autarquia diz manter confiança, depois de ter sido divulgado que é uma das que está na lista de se suspeitar ser pró-Putin, consta da documentação interna de uma das mais importantes fundações de Moscovo, apurou a CNN Portugal. Faz parte do catálogo de organizações da fundação Russkyi Mir, fundada em 2007 por Vladimir Putin, e que atua internacionalmente como meio de propaganda do Kremlin.

O Centro de Apoio à População Emigrante de Leste e Amigos (CAPELA), que tem estado envolvido no acolhimento de refugiados da guerra na Ucrânia, fornecendo serviços de tradução à Câmara Municipal, é uma das organizações que consta na documentação entregue pela Associação dos Ucranianos em Portugal às secretas portuguesas por ser alegadamente pró-Kremlim.

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De acordo com documentação obtida pela CNN Portugal, a fundação Russkyi Mir disponibiliza, internamente, várias informações sobre esta associação, nomeadamente onde está localizada, quem a lidera e sobre as iniciativas que tem junto da comunidade imigrante.

Associação CAPELA no catálogo da Fundação Russkyi Mir

Contactada pela CNN Portugal, a dirigente da CAPELA confirma a ligação à fundação de Putin, explicando que “muitas associações têm a mesma ligação”, mas garante que o âmbito sempre foi “cultural”. “Estamos fora da política, nunca participámos em ações políticas”, acrescenta, explicando que a associação CAPELA funcionou também como atendimento consular de várias embaixadas, incluindo a da Rússia. “Da Rússia, recebíamos cerca de dois atendimentos por ano, mas já há cerca de dois anos que não recebemos ninguém.”

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Numa resposta enviada à CNN Portugal, a autarquia socialista diz que desconhece "ser, ou não, correto – a suposta ligação da ‘Associação Capela’, sediada em Portimão desde 2005, a uma entidade de direito russo", e opta antes por falar do trabalho desenvolvido até agora: "O único comentário que a Câmara Municipal de Portimão pode fazer relativamente à referida associação, diz respeito à colaboração há muito prestada a esta autarquia no que diz respeito ao apoio à integração de migrantes oriundos de diversos países do leste e fora do leste da Europa, mais concretamente no que se refere à necessária tradução de línguas - uma colaboração que se tem pautado pela eficácia, disponibilidade e prontidão."

Acrescentar algo mais, diz, "seria entrar em especulações, algo que a Câmara Municipal de Portimão obviamente não fará". Pouco antes, a própria presidente da Câmara, Isilda Gomes, tinha já revelado à CNN Portugal que iria “manter a confiança no trabalho da associação até provas em contrário”. Ao mesmo tempo salientou que “não há provas” que estabeleçam qualquer ligação entre a associação CAPELA e organismos próximos do governo de Putin.  

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No entanto, na carta que a Associação dos Ucranianos em Portugal (AUP) enviou ao Sistema de Informações da República Portuguesa (SIRP), constam alguns documentos e fotografias que, de acordo com Pavlo Sadhoka, presidente da AUP, mostram como a CAPELA tem mantido ao longo dos anos uma “estreita relação” com organismos do governo russo e da Embaixada da Rússia.

Um desses documentos tem o nome “Organizações de Compatriotas nos Países Europeus” e foi elaborado por representantes da Rossotrudnichestvo, uma agência de divulgação da cultura russa a nível mundial que em Portugal organiza, por exemplo, ações dedicadas à aprendizagem de cirílico e dá, juntamente com a Embaixada da Rússia, bolsas de estudo a quem queira estudar em universidades russas. Funciona sob jurisdição do ministro dos Negócios Estrangeiros de Putin, Sergei Lavrov, que continua a afirmar que a Rússia está a conduzir uma “operação militar especial”, não uma invasão, para “desmilitarizar e desnazificar a Ucrânia”.

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No documento entregue ao SIRP estão 21 páginas com 251 associações de 25 países europeus, entre os quais Portugal. Nesta lista, consta não só esta associação de Portimão, como também a Associação de Apoio ao Imigrante, em Aveiro, e o Conselho de Coordenação dos Compatriotas Russos, chefiado por Igor Khashin. 

Este documento, explica Pavlo Sadhoka, estava disponível na Embaixada da Rússia em Portugal e é “um registo das associações que são membros da Rossotrudnichestvo”, a agência de propaganda do Ministério dos Negócios Estrangeiros. Ser-se membro, explica, significa “que as associações têm direito a concorrer a fundos do governo russo para financiar projetos”.

A dirigente da associação CAPELA, uma imigrante moldava, também confirma esta ligação à Rossotrudnichestvo, mas volta a garantir que a sua colaboração com o organismo de Moscovo é só no âmbito cultural e dá um exemplo: “Nos dias 30 e 31 de agosto, por exemplo, organizámos uma conferência científica para dialogar sobre questões relacionadas com o intercâmbio da língua russa, esta atividade foi patrocinada pela Rossotrudnichestvo.”

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No documento entregue ao Sistema de Informações da República Portuguesa constam ainda fotografias que comprovam que a associação CAPELA esteve na lista dos participantes do evento Regimento Imortal, em 2018, em Lisboa. “Este evento, impulsionado pela Embaixada da Rússia, serve para celebrar a vitória da União Soviética contra as forças nazis, mas também para fazer passar a mensagem de que a Rússia irá triunfar novamente sobre o nazismo, referindo-se à Ucrânia”, diz Pavlo Sadhoka.

Bandeira da República Popular de Donetsk, separatista, no evento de celebração do Regimento Imortal, em Lisboa, em 2018/ Fotografia incluída na carta enviada ao SIRP

Pavlo Sadhoka alerta também para o facto de os “ucranianos reconhecerem” este evento como “propaganda russa para acabar com o fascismo na Ucrânia”. “Para nós, é muito preocupante que esta associação tenha participado neste evento, só pela sua presença significa que apoiam os passos seguidos pela Rússia.” Já a dirigente desta associação reforça que apenas participou porque “foi em representação de um grupo de dança multicultural” e acrescenta que se sente “perdida” com as acusações de colaborar com instituições do regime de Putin.

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