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Farto do chefe? Farto das promessas da empresa? Conselhos para evitar um confronto na praça pública (ao estilo Kökçü-Benfica)

Talvez já tenha ouvido falar de Orkun Kökçü. O jogador no Benfica foi a contratação mais cara desta época: 25 milhões de euros. E também queria ser muitas mais coisas no clube que não está a conseguir ser. Resolveu manifestá-lo publicamente, mas é esse o melhor caminho para um trabalhador resolver as coisas com o seu empregador?

Numa entrevista recente, Kökçü revelou-se desiludido pela forma como está a ser tratado pelo clube, criticando as opções da chefia direta, o treinador Roger Schmidt. “Sinto que posso ser muito mais para o Benfica e talvez daí venha a minha frustração.”

Schmidt admitiu que ia falar com o jogador. Mas, para o comum dos mortais, que também têm expectativas defraudadas nos seus trabalhos – seja pela questão salarial ou pelas promessas de evolução ou oportunidades que nunca acontecem – é tirar lições.

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Com a ajuda de dois especialistas em recursos humanos, fomos saber que ações tomar para evitar chegar ao ponto de Kökçü: expor a insatisfação na praça pública – o que, à escala de um trabalhador comum, pode ser a pausa da manhã para o café.

(Carlos Rodrigues/Getty Images)
Cenário 1: o trabalhador queixa-se, a empresa ignora os sinais

O trabalhador apresenta sugestões, na tentativa de que elas possam melhorar não só a sua situação, mas também a da própria empresa. Imagine-se: o jogador de futebol sugere jogar noutra posição, mas acaba ignorado.

Isabel Moço, coordenadora da pós-graduação em Gestão de Recursos Humanos da Universidade Europeia, aponta a necessidade da “persistência da comunicação”. Importa não só o que se diz, mas também “a quem, como e quando”.

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“Um ponto importante para o trabalhador é ter evidências, que consiga documentar as suas comunicações, inclusive a quem e como comunicou”, refere. Ter um registo escrito costuma ajudar. Caso contrário, pode ser a palavra de um contra a de outro.

Isabel Moço recomenda também ao trabalhador procurar apoio para lidar com o desgaste que este tipo de situações costuma provocar. O apoio em causa seria de um psicólogo ou de um coach, “alguém que consiga ver com alguma distância a situação”, ajudando a uma análise objetiva.

Se não houver qualquer evolução nesta matéria, aponta, “o trabalhador deve fazer a ponderação das opções que estão disponíveis”. Uma delas passa por negociar a saída.

“Quando uma das partes - no caso, o trabalhador - sente que a relação não é equilibrada, que não existe reciprocidade da outra parte, a insatisfação instala-se e surgem as queixas e as reclamações. Quando não há uma resposta, essas reclamações aumentam de intensidade e de volume. Tratando-se de um executivo de topo, ou de um jogador de futebol de uma grande equipa, a sua voz ecoará pelo mercado e será ouvida por muita gente. Muito rapidamente, uma situação que deveria ser mutuamente benéfica, transforma-se numa situação em que ambas as partes perdem”, atesta Pedro Branco, especialista no recrutamento de executivos de topo.

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Cenário 2: o trabalhador queixa-se, a empresa responde, mas não cumpre as expectativas

Certamente já viveu ou conhece quem experienciou este cenário: desejoso de evolução (inclusive salarial) e oportunidades, o trabalhador vai dando sinais de insatisfação, procurando que a empresa inverta a situação. Insiste, insiste, há alguns sinais de abertura, mas a mudança não atinge o nível desejado.

Como agir? “O trabalhador deverá continuar os esforços de negociação, se não diretamente, através de interposta pessoa”, por exemplo, um advogado, aponta Isabel Moço.

Mas com o reconhecimento de que nem todos têm essa capacidade. “Para o comum dos mortais, muitas vezes a opção é manter-se calado, assegurar a sua subsistência. Com os custos que isto implica ao nível do bem-estar. Depende muito da resiliência de cada um. Há quem aguente uma vida inteira, outros nem um mês.”

Também Pedro Branco concorda que a saída da empresa poderá ser o melhor caminho. “Se a relação já não funciona, há que ter a coragem de encontrar a melhor solução para ambas as partes. E, muitas vezes, passará por cada um seguir um caminho diferente, um novo caminho em busca da satisfação das suas próprias necessidades. Para que isto aconteça, a solução é o diálogo.”

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Em todos os casos, o trabalhador deve preservar-se ao máximo, evitar o conflito, não se expor. Sobretudo porque o mundo é uma casca de noz. E a vida dá muitas voltas.

(Fauxels/Pexels)
Cenário 3: o trabalhador queixa-se, a empresa retalia

Já todos ouvimos falar de casos como estes, de quem foi “posto na prateleira” depois de se queixar.

“É quando a entidade deixa de confiar, de apostar, mas também não quer assumir as consequências. E vai prolongando a situação”, resume Isabel Moço. Esta docente universitária lembra-se bem de um caso a que assistiu com os próprios olhos: a de um colega cuja secretária foi posta no meio do corredor, junto ao acesso às casas de banho. Objetivo: perturbar.

Nestes casos, aconselha, “o trabalhador deve documentar todas as evidências, para a sua defesa”. E deve também procurar apoio jurídico, seja com recurso a um advogado, ou através de denúncias a entidades como a ACT ou as ordens profissionais.

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Quando a empresa mostra que não conta connosco, o mais natural será termos vontade de parar, de não fazer nada. Mas isso pode funcionar contra si. “A maioria das pessoas protege-se mal. Mete baixa, está no trabalho, mas não faz.” Contudo, para não dar razão à outra parte, o melhor será “continuar a assegurar o trabalho” enquanto não existir uma decisão sobre esta disputa na justiça.

Cenário 4: os contratos psicológicos das "estrelinhas"

Kökçü custou 25 milhões ao Benfica. Mas fora do futebol também há muitos contratos milionários. Aquelas pessoas que, segundo Isabel Moço, são conhecidas como “os talentos, as estrelinhas”. Só que, além daquilo que está no papel, existem outras dimensões.

“Há um contrato psicológico: o clube espera que o atleta dê determinado contributo e o atleta espera determinadas oportunidades, ser reconhecido, ser mimado. Quando essas expectativas existem, é muito fácil serem quebradas”, resume Isabel Moço.

“Quanto maior for o impacto expectável do trabalhador nos resultados da organização, mais elevadas serão as suas recompensas. É o que acontece com os executivos de topo das grandes organizações, mas também com os futebolistas dos grandes clubes. É suposto ser uma relação mutuamente benéfica, em que ambas as partes ganham”, reitera Pedro Branco.

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Mas, quando se é uma “estrelinha”, não é só o salário que conta, insiste o especialista no recrutamento de executivos de topo. A empresa não tem só de cumprir ao final do mês. “Os bons profissionais, a este nível, já não se importam apenas com o salário. Estas pessoas querem trabalhar, querem jogar. Querem carreira, satisfação no trabalho, desafios constantes, reconhecimento.”

Isabel Moço recomenda a quem chega a este nível da carreira a fazer alguns exercícios de humildade, a pedir feedback. Porque isso ajuda a perceber porque existirão momentos baixos na carreira.

E deixa uma outra dica, que também serve para si, que não tem um salário milionário, mas quer reclamar das suas condições: registe os seus feitos e realizações. Eles serão o argumento certo na hora certa.

(Rick Madonik/Toronto Star via Getty Images)

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Cenário 5: quando o trabalhador expõe a empresa na praça pública

Num mundo de redes sociais, até o desabafo mais honesto pode ser entendido como uma queixa sobre a empresa, como um ponto final ou uma desvinculação. Daí que os especialistas recomendem que evite ao máximo este tipo de exposição.

Já a empresa, diz Isabel Moço, não deve reagir imediatamente. Deve antes ouvir todas as partes implicadas, as várias relações do trabalhador, para procurar traçar um retrato objetivo da situação.

“Tem de haver diálogo e a vontade de se encontrar uma solução. Ter alguém, com palco, a denegrir a imagem de uma organização, afeta não apenas a imagem de marca do empregador, mas poderá ainda ter um impacto negativo na sua marca comercial e, consequentemente, nos seus resultados organizacionais”, justifica Pedro Branco.

É certo que não somos jogadores de futebol ou celebridades, que não damos entrevistas ou coisas do género. Mas mesmo quando sentimos que estamos a ser a voz de um descontentamento mais generalizado, é preciso cuidado.

“Quando uma pessoa representa informalmente um coletivo, o que acontece muitas vezes é que essa pessoa fica exposta”, aponta Isabel Moço. Ou seja, aqueles que deram força ao protesto, muitas vezes, acabam a fingir que não é nada com eles.

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