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“O vento está duro. Fustiga-nos o rosto. Mas nunca irá apanhar-nos de costas”. Na hora do adeus, Jerónimo não falou de si. Só do futuro do PCP

Jerónimo de Sousa não falou de si ou dos seus 18 anos como secretário-geral. Dos seus feitos, gabou-se timidamente, atribuindo os louros ao coletivo. Num dia histórico para o PCP, com a mudança de líder, o “reforço” do partido foi a grande prioridade. Para alcançá-lo, não se poupam nas críticas à "operação de chantagem e mistificação" que é a maioria absoluta socialista.

Jerónimo de Sousa defendeu que é preciso “ligar ainda mais o partido à vida” para que o Partido Comunista Português (PCP) se consiga “reforçar” e levar em frente as suas prioridades de defesa dos direitos dos trabalhadores.

Este foi o último discurso de Jerónimo de Sousa como secretário-geral do PCP e não poupou nas críticas à maioria absoluta socialista. “Sabemos que o caminho é duro. Sabemos quanto pesa a brutal ofensiva que se desenvolve contra o PCP, porque é o que é e não abdica de o ser, com os interesses de classe que assume, os objetivos por que luta e o projeto transformador de emancipação de que é portador”, afirmou.

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O líder comunista - passará o testemunho a Paulo Raimundo, que o acompanhou na entrada da 4ª Conferência Nacional desta força partidária - definiu o PCP como um partido “com património de intervenção e luta sem paralelo”, que “assume firme e corajosamente a sua identidade comunista”, sendo “portador de um projeto de futuro” e de “confiança” para avançar na luta.

“É da força do partido, da sua capacidade de resistir e avançar que dependerá a evolução da situação nacional”, assegurou. Com a saída de Jerónimo de Sousa da Assembleia da República, as ações nas ruas e junto dos trabalhos serão ainda mais determinantes para a estratégia comunista.

Jerónimo de Sousa chegou acompanhado pelo sucessor, Paulo Raimundo (Lusa/António Pedro Santos)
Alvo: um país a caminho do “definhamento” à custa da maioria absoluta

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Um país “que se apresenta frágil, vulnerável e dependente”. É assim que Jerónimo de Sousa vê Portugal na hora da sua despedida como secretário-geral do PCP. E, por isso, critica aquele que já foi um parceiro de governação: o PS, que está “cada vez mais virado para a direita”.

Para Jerónimo de Sousa, a maioria absoluta socialista foi alcançada “na base de uma operação de chantagem e mistificação”. Não há qualquer poupança nas críticas à política levada a cabo pelo executivo de António Costa: de “falsas soluções” a “embustes nos aumentos das reformas e pensões”, passando pela “farsa da revalorização salarial” ou pelo “torpedear acerca das causas que estão na origem do surto inflacionista”, tudo serviu para o ataque comunista.

“Opções que colocam no horizonte mais próximo o perigo de uma nova fase de definhamento económico e degradação social”, reforçou.

A alternativa, insistiu, está numa “politica alternativa, patriótica e de esquerda” – expressão que repetiu duas vezes ao longo do discurso, com cerca de 40 minutos, mas que celebrizou durante os últimos anos enquanto secretário-geral. Jerónimo de Sousa definiu então 15 prioridades para as lutas do partido, incluindo o “aumento geral dos salários”, a “valorização das reformas” ou o incentivo à “produção nacional”.

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O líder demissionário dedicou também uns segundos aos partidos à direita, lamentando os seus “projetos reacionários” e com “agendas de natureza retrógrada, demagógica, neoliberal ou fascizante”.

Discurso de Jerónimo de Sousa estendeu-se por 40 minutos (Lusa/António Pedro Santos)
Guerra na Ucrânia. Um desconforto presente

A guerra na Ucrânia tem sido, ao longo dos últimos meses, um tema sensível para o PCP. Mas, no discurso de despedida de Jerónimo de Sousa, houve várias referências ao conflito. A começar pela crítica ao “aproveitamento” dos mais poderosos da invasão para o “agravamento da exploração das desigualdades e injustiças”.

“É urgente a exigência do fim da instigação da guerra na Ucrânia por parte dos EUA, da NATO e da União Europeia e a abertura de vias de negociação com os demais intervenientes, nomeadamente a Federação Russa, visando uma solução política para o conflito”, argumentou.

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Aliado ao conflito na Ucrânia, Jerónimo de Sousa destacou a “crescente tensão e provocação contra a China”. Para deixar o alerta: esta postura do “imperialismo” “transporta o perigo de uma confrontação global com as graves consequências para a humanidade”.

Secretário-geral comunista recebeu vários gritos de apoio de delegados e militantes (Lusa/António Pedro Santos) 
Jerónimo. No último minuto, fiel a si mesmo

Ao longo de 40 minutos, Jerónimo de Sousa manteve-se fiel ao discurso escrito. Fez várias pausas a meio, embalados pelos gritos de apoio dos delegados e militantes nas bancadas. Num dos momentos, até agradeceu a “ajuda”, que lhe permitiu dar mais ritmo ao que ainda tinha pela frente.

No último discurso como secretário-geral do PCP, Jerónimo de Sousa não falou de si nem fez um balanço de 18 anos à frente do partido. Destacou apenas que “não houve nenhum avanço ou conquista no nosso país que não tenha contactado com a luta e a intervenção dos comunistas” - numa referência indireta ao papel do PCP na solução de governo que em 2015 levou António Costa a poder e que ficou célebre como “geringonça”.

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Motivado pela saúde frágil, que o impediu de estar no terreno em grande parte da campanha das legislativas em janeiro passado, Jerónimo de Sousa decidiu o ponto final. E terminou o percurso fiel a si próprio. Ao longo de quase duas décadas, foram os seus provérbios e expressões populares que foram aproximando a luta do PCP dos portugueses, cultivando nele uma imagem de empatia. Por isso, a última frase do discurso, improvisada, é a mais forte:

“O vento está duro e muito forte. Fustiga-nos o rosto. Mas nunca hão de ver o vento apanhar-nos de costas, porque estaremos sempre virados para a frente em torno do nosso projeto, do nosso ideal, do nosso partido”. Foi aplaudido de pé.

Jerónimo de Sousa esteve no cargo durante 18 anos (Lusa/António Pedro Santos) 

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