Já fez LIKE no CNN Portugal?

Portugal perde cinco militares por dia desde o início do ano

Marinha, a Força Aérea e o Exército perderam 514 efetivos no primeiro trimestre do ano. Militares garantem que a situação é grave e principais associações do setor pedem mudanças no sistema remuneratório, que dizem não ser revisto desde 2010

Todos os dias, as Forças Armadas perdem cinco militares.  Segundo dados avançados à CNN Portugal pela Associação de Oficiais das Forças Armadas (AOFA), com base nos dados da Direção-Geral da Administração e Emprego Público, entre janeiro a março de 2022, saíram da Marinha, Força Aérea e Exército 514 efetivos. 

Os números são considerados "graves" por atuais e antigos dirigentes militares que alertam para as consequências que podem gerar, como a de Portugal esgotar os seus recursos perante os compromissos que mantém com a NATO. “Podemos ter ainda resposta para esses compromissos, que são muitos, mas ficamos sem nada”, alerta o Tenente-General José Garcia Leandro,  garantindo que a “situação que o País passa é grave” e salientando que “há muito tempo que os efetivos estão a cair”. 

PUB

A solução, argumenta o Tenente-general na reserva, passa por subir os salários das bases, onde as várias associações do setor da Defesa garantem estar concentrado o problema, já que, como argumenta o Cabo-Mor Paulo Amaral, presidente da Associação de Praças, os salários das posições hierarquicamente mais baixas, equivalente ao Salário Mínimo Nacional, "estão a aproximar-se das posições remuneratórias logo acima da base, que não têm sido aumentadas".

Da mesma opinião é o major-General Vítor Viana, que foi chefe de gabinete do Ministério da Defesa Nacional entre 2005 e 2010, para quem o momento atual de guerra na Ucrânia deve ser aproveitado pelos decisores políticos para mudar o cenário: “Há uma maior abertura da opinião pública para justificar um maior investimento nas Forças Armadas”, diz, acrescentando: “Vão ter de aumentar o vencimento dos praças. Falta dar este passo em frente, enquanto não se der este passo, o efetivo vai continuar a baixar ano após ano”.

PUB

Vítor Viana, que foi também Diretor do Instituto de Defesa Nacional garante que, para além da saída de militares por não conseguirem desenvolver as suas carreiras, o recrutamento tem também sofrido com os baixos salários na carreira militar. “Tem-se feito imenso, tentámos por toda as vias dar aos jovens a informação de que as Forças Armadas são essenciais, mas não chega, falta subir os salários da base e tem havido alguma remitência em concordar com isto”, refere.

“Enquanto continuarem a tratar os militares de forma tão discriminatória, não há volta a dar”, avisa, por seu lado, o Sargento-mor António Lima Coelho, presidente da Associação Nacional de Sargentos, em declarações à CNN Portugal. O militar pede “coragem política” para mudar o Sistema Remuneratório das Forças Armadas, sublinhando que “não é revisto desde 2010” e que, por isso, "não tem em conta a inflação".

A tendência de perda de efetivos nas Forças Armadas tem-se mantido desde 2011 e, até 2019. Todos os anos cerca de mil militares abandonaram a Marinha, a Força Aérea e o Exército. A única excepção, salienta Paulo Amaral, da Associação de Praças, foi durante a pandemia, mais especificamente em 2020, quando foram dadas indicações pelo Governo para prorrogar contratos dos Militares que naquele ano os terminavam. Paulo sublinha, no entanto, que mal a medida terminou, após o primeiro semestre de 2021, “os efetivos voltaram a decrescer, levando ao problema que hoje assistimos”.

PUB

Para os Oficiais, Sargentos e Praças, esta tendência de perda de cerca de mil militares por ano deve manter-se em 2022, "o que é especialmente preocupante tendo em conta com a atual situação de guerra na Ucrânia e com os compromissos que Portugal mantém com a NATO", nota  António Lima Coelho.

Outro “elemento que pesa de grande forma no abandono”, consideram duas das principais associações das Forças Armadas, são os descontos para a Assistência na Doença dos Militares, o regime que leva a que os militares paguem 3,5% do seu salário para terem acesso à prestação de cuidados de Saúde. Tanto a associação dos oficiais como a dos Sargentos pedem a abolição deste sistema, porque, explica o Sargento-Mor António Lima Coelho “o Estado exige que os militares estejam em permanente disponibilidade física e, perceba-se o absurdo, acciona disciplinarmente quem cometa excessos que os coloquem em situação de improntidão. Ora, deve ser o Estado a assegurar as condições da prontidão dos seus militares”. 

PUB

A maior queda anual em termos de efetivos aconteceu de 2013 para 2014, altura em que Portugal perdeu 2214 efetivos. Esta descida aconteceu logo após ter sido implementado o programa “Reforma Defesa 2020”, em 2013, que visou racionalizar a despesa militar, impondo também um limiar máximo do efetivo que não podia ultrapassar os 32.000 militares.

Evolução do Número de Efetivos, por anos, nas Forças Armadas e nas Forças e Serviços de Segurança

As Forças Armadas são também o setor da Defesa que, desde 2011, perdeu mais efetivos em termos percentuais, com uma queda de 25,78%. Comparativamente, das sete forças e serviços de segurança em Portugal, só a Polícia Municipal e o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras têm um saldo positivo em termos de recursos humanos. A Polícia Municipal tinha até março 1.524 efetivos (mais 25,31% do que em 2011) e o SEF tem 1019 (uma variação positiva de 34,79%).

Em sentido contrário, a Polícia Judiciária regista hoje menos 6% trabalhadores do que há dez anos, a GNR menos 2,58% e a PSP menos 5,59%. Há também menos 172 guardas prisionais do que em 2011, uma queda de 3,99%. Ainda assim, até março de 2022, os 25.616 efetivos militares registados pela AOFA estão acima dos da GNR (22.309), da PSP (20.708)  e da Polícia Judiciária  (2.179).

PUB