Portas arrebentadas, janelas partidas e falta de água. Bases militares estão a cair aos pedaços

17 abr 2022, 08:00
Militares em ação no Campo Militar de Santa Margarida (Lusa/Paulo Cunha)

Nos quartéis há trabalhos pensados para oito pessoas, que estão a ser executados por metade e há instalações com "janelas partidas" e com "falta de água". O alerta parte das associações do setor que garantem ser um cenário que reflete o desinvestimento nas Forças Armadas. Além disso, dão nota de que os militares estão a enfrentar situações de agressivo desgaste por estarem a embarcar em missões com quase nenhum descanso e a receberem o salário nínimo.

Umas Forças Armadas “de salário mínimo”, de “desgaste sistemático”, com militares “cada vez mais velhos”, a desempenhar funções em instalações “negligenciadas”, algumas “com falta de água e luz”, e a serem enviados para missões sem descanso. É este o retrato feito pelas principais associações do setor sobre as cicatrizes deixadas pelo ciclo de desinvestimento na Defesa e que na última proposta de Orçamento, entregue esta quarta-feira, terá um gasto inferior - cerca de menos 800 mil euros - do que aquele previsto no OE2022 chumbado em outubro de 2021.

“Não tenhamos ilusões, se não tivermos dinheiro para fazermos obras, os danos na infraestrutura vão ficando cada vez mais graves”, garante o General José Luiz Pinto Ramalho, antigo Chefe do Estado-Maior do Exército, sublinhando que, “quando o dinheiro é pouco” é “rateado para necessidades urgentes e treino”, com a manutenção de instalações e equipamento a “cair para segundo plano”. 

Já para o Sargento-Mor António Lima Coelho, presidente da Associação Nacional de Sargentos, esta degradação é um sinal de que o Governo “não planeia a longo e médio prazo”. “Vemos camaratas que antes tinham entre 100 e 200 homens e hoje têm 30 a 40 e, obviamente, há uma parte delas que vai ficando degradada”, refere, dando o exemplo da unidade de instrução da OTA, onde os alunos foram confrontados com “situações graves, de falta de água e falta de energia”.

Isso acontece porque, defende António Lima Coelho “aquela unidade foi negligenciada durante muitos anos e mais intensamente pela ideia de que o aeroporto iria para lá”. 

Outro ponto de preocupação para os militares é a Base Naval de Lisboa, salienta o Cabo-Mor Paulo Amaral, presidente da Associação de Praças, sublinhando que este “cerne da Marinha portuguesa” tem edifícios com “janelas partidas e portas arrebentadas”.

Para além disto, salienta o presidente da Associação de Praças, nas secretarias, onde o trabalho está pensado para oito militares, estão “apenas três ou quatro homens e mulheres a desempenhá-lo”. “Ao fim de quatro, cinco anos estes militares estão totalmente sobrecarregados, especialmente os jovens”, acrescenta. 

"Temos quase tantos oficiais e sargentos como homens a comandar"

Na Força Aérea, destaca o presidente da Associação Nacional de Sargentos, há também “muitas dificuldades em arranjar peças sobressalentes para muitas das aeronaves” e o número exíguo de aviões de transporte não consegue dar resposta às necessidades operacionais. “Vê-se muita dificuldade na resposta pronta dos meios aéreos e também dos navais, com o abate de determinados navios sem a sua substituição. De facto, estes homens e mulheres, que prestam serviço confrontam-se com sérias dificuldades e são forçados a fazer autênticos milagres”, refere o presidente da Associação Nacional de Sargentos.

Para o general José Luiz Pinto Ramalho este ciclo de desinvestimento nas Forças Armadas começou com a reforma “Defesa 2020”, iniciada em 2013 e que visou racionalizar a despesa militar, impondo também um limiar máximo do efetivo que não podia ultrapassar os 32.000 militares. “Foi graças a esta reforma altamente gravosa que hoje se vendem fragatas e caças F-16 e, desde aí, nunca mais houve programas de investimento nas Forças Armadas em cada um dos ramos, sem contar com aquisições pontuais de viaturas 4x4 e de armas ligeiras”, afirma Pinto Ramalho.

Esta falta de investimento, refere também o Cabo-Mor Paulo Amaral, fez com que hoje “tenhamos menos 4 mil militares do que era previsto”, um número, explica, que “tem tendência a piorar nos próximos anos”, especialmente nas bases. O presidente da Associação de Praças defende também que o País “está a começar a verificar uma situação em que temos quase tantos oficiais e sargentos como homens a comandar”. “A Pirâmide está a tornar-se um quadrado”, explica.

Salário Mínimo militar

Além de todos estes problemas os militares garantem que há também um sentimento de estagnação, especialmente entre Praças. Os salários nas posições hierarquicamente mais baixas nas Forças Armadas são equivalentes ao Salário Mínimo Nacional, alerta o Cabo-Mor Paulo Amaral, sublinhando que as “posições remuneratórias logo acima da base não têm sido aumentadas”.

Isto faz com que a diferença entre quem entra para a carreira militar e quem lá está há quatro anos seja cada vez mais curta. “Temos militares que prestam serviço há quatro anos e que apenas ganham mais sessenta, oitenta euros do que os que acabaram de entrar, a continuarmos assim, estamos a caminhar a passos largos para umas Forças Armadas de Salário Mínimo nacional”, afirma Paulo Amaral.

Praças, Sargentos e Generais partilham, por isso, a noção de que há cada vez menos gente nas unidades e que isso, a par com a falta de investimento nos últimos dez anos, tem levado a uma deterioração das instalações militares em Portugal. Uma situação que se trazus numa sobrecarga de trabalho. “Temos militares em regime de contrato que embarcam num navio, vão numa missão, chegam e vão noutra imediatamente a seguir”, avisa o presidente da Associação de Praças, sublinhando que estes militares estão praticamente sempre a navegar. Para além da “total sobrecarga que isto acarreta”, este embarque constante impede, “especialmente os mais jovens”, de conseguirem estabelecer raízes, diz.

“Como é que querem que eles constituam família se estão sistematicamente fora da sua residência”. Na mesma linha, o presidente da Associação Nacional de Sargentos, refere que há “vários militares constantemente em deslocações de um lado para o outro, de serviço em serviço, quase sem desembarcar” sem descanso entre missões.

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