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Uma guerra entre Israel e o Hezbollah será muito mais perigosa hoje do que da última vez. Eis porquê

ANÁLISE || Nas últimas semanas, as tensões na fronteira entre o Líbano e Israel cresceram e a guerra parece cada vez mais provável. A Alemanha, a Suécia, o Kuwait, os Países Baixos e outros países estão a pedir aos seus cidadãos que abandonem imediatamente o Líbano. Se alguma vez existiu o perigo de uma guerra regional no Médio Oriente, esse momento é agora. Em caso de guerra, uma guerra em grande escala, ambos os lados serão capazes de infligir dor significativa ao outro

"Podemos mergulhar o Líbano completamente na escuridão e desmantelar o poder do Hezbollah em poucos dias", declarou Benny Gantz, antigo membro do gabinete de guerra israelita, numa conferência na Universidade de Reichman, em Herzliya, Israel, esta terça-feira.

Foi a mais recente ameaça de uma figura pública israelita proeminente contra o Líbano e o Hezbollah, numa altura em que as tensões aumentam.

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Não será difícil para Israel mergulhar o Líbano na escuridão. A rede eléctrica do país, já de si debilitada por décadas de má gestão e pelo colapso económico do país, mal funciona. Alguns ataques aéreos bem direccionados acabariam facilmente com ela.

Mas desmantelar o poder militar do Hezbollah em poucos dias é uma tarefa muito mais difícil.

Desde a guerra inconclusiva de 2006 contra o grupo militante libanês, Israel tem vindo a planear um novo confronto.

Também o Hezbollah há muito que se prepara para a guerra.

O seu arsenal inclui, segundo as estimativas israelitas, pelo menos 150 mil mísseis e foguetes. Israel calcula que o grupo já tenha disparado cinco mil desde outubro, o que significa, como afirmou o líder do Hezbollah, Hassan Nasrallah, num discurso proferido na semana passada, que grande parte do seu arsenal permanece intacto.

Segundo a CNN, as autoridades israelitas ficaram surpreendidas com a sofisticação dos ataques do grupo.

Estes incluem ataques sistemáticos e precisos contra os postos de vigilância israelitas ao longo da fronteira, o abate de drones israelitas topo de gama e ataques contra as baterias do Iron Dome [a "cúpula de ferro"]] e as defesas anti-drone de Israel. No entanto, talvez a maior surpresa para Israel tenham sido os nove minutos de imagens de drones que o Hezbollah publicou na Internet de infraestruturas civis e militares altamente sensíveis na cidade de Haifa, no norte do país, e nos seus arredores.

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Altamente treinado e disciplinado

Além do seu armamento, o Hezbollah pode provavelmente contar com 40 a 50 mil combatentes - Nasrallah disse recentemente que eram mais de 100 mil. Muitos deles adquiriram experiência de combate ao lado das forças do regime na guerra civil da Síria.

Como força de combate, o Hezbollah é altamente treinado e disciplinado, ao contrário de muitos outros grupos de guerrilha. Durante a guerra de 2006, segundo a experiência deste correspondente, era raro encontrar combatentes do Hezbollah. Um dia, encontrámos vários deles nas ruínas de uma aldeia do sul do Líbano. Foram educados mas firmes, desprovidos de fanfarronice e arrogância, insistindo para que partíssemos imediatamente para nossa própria segurança. Não aceitaram um "não" como resposta.

Ao contrário de Gaza, o Líbano não está rodeado de vizinhos hostis. Tem uma profundidade estratégica, com regimes amigos na Síria e no Iraque, permitindo o acesso direto ao Irão.

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Ao longo dos anos, Israel tem atacado regularmente alvos na Síria que acredita estarem envolvidos no transporte de armas para o Hezbollah, mas tudo indica que esses ataques têm sido apenas parcialmente bem sucedidos.

Em caso de guerra, uma guerra em grande escala, ambos os lados serão capazes de infligir dor significativa ao outro.

Uma unidade de artilharia móvel israelita dispara um projétil de 155 mm através da fronteira israelo-libanesa durante o conflito de 2006. Avihu Shapira/AFP/Getty Images
Fogo e sangue

No início deste ano, a mesma Universidade Reichman, onde Gantz discursou, publicou um relatório intitulado "Fogo e sangue: a arrepiante realidade que Israel enfrentaria numa guerra com o Hezbollah". O relatório traçava um cenário sombrio em que o grupo aliado do Irão dispararia 2.500 a 3.000 foguetes e mísseis por dia, durante semanas, contra instalações militares israelitas e cidades densamente povoadas no centro do país. Calcula-se que, durante os 34 dias de guerra de 2006, o Hezbollah tenha disparado cerca de 4.000 foguetes - uma média diária de 117.

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Pode não se tratar de uma destruição mutuamente assegurada à la Guerra Fria, mas haverá destruição suficiente em Israel e no Líbano para que seja dispendiosa para ambos.

Às 6 horas da manhã de 13 de julho de 2006 - menos de 24 horas após o início da guerra - aviões de guerra israelitas bombardearam e destruíram o Aeroporto Internacional Rafic Hariri de Beirute. É de esperar que, se a guerra começar agora, o aeroporto seja um dos alvos de Israel. Mas, ao contrário de 2006, em 2024 o Hezbollah poderá atingir o Aeroporto Internacional Ben Gurion de Telavive.

Em 2006, Haifa, a terceira maior cidade de Israel, estava ao alcance dos mísseis do Hezbollah. Desta vez, espera-se que esses mísseis atinjam muito mais fundo em Israel.

Mudança do equilíbrio estratégico

Olhando para o Médio Oriente, o equilíbrio estratégico que durante tanto tempo favoreceu Israel está a mudar.

Os seus inimigos já não são regimes árabes corruptos e incompetentes, mas sim uma série de atores não estatais - do Hezbollah ao Hamas, à Jihad Islâmica, aos Houthis, às milícias no Iraque e na Síria - para além do próprio Irão.

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E, devido ao apoio dos EUA a Israel, todos estes actores também têm os EUA e os interesses ocidentais no Médio Oriente na sua mira. O apoio dos EUA foi sublinhado pela recente notícia da CNN de que Washington garantiu a Israel o seu apoio em caso de guerra em grande escala com o Hezbollah.

Os Houthis no Iémen, outrora o epítome de uma milícia tribal desorganizada, estão agora, com a ajuda do Irão, a disparar mísseis balísticos contra Israel. Os Houthis continuam a atacar a navegação no Mar Vermelho, apesar da presença de uma armada liderada pelos EUA ao largo das suas costas.

As milícias apoiadas pelo Irão no Iraque e na Síria têm-se mantido firmes desde que uma série de ataques dos EUA, na sequência de um ataque de drones, matou três soldados norte-americanos na Jordânia.

Mas isso pode mudar se Israel e o Hezbollah entrarem em guerra.

Recentemente, Qais Al-Khazali, líder da poderosa milícia iraquiana Asa'ib Ahl Al-Haq, apoiada pelo Irão, avisou que se os EUA apoiarem um ataque israelita ao Líbano "então a América deve saber que colocará em risco todos os seus interesses na região, particularmente no Iraque, e fará deles um alvo".

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Atirar a cautela ao vento

E depois há o Irão. Tradicionalmente, Teerão deixa que os outros lutem as suas lutas e fica em segundo plano, mas isso mudou em abril, quando, em represália ao ataque israelita ao seu complexo diplomático em Damasco, Teerão respondeu com uma salva de centenas de mísseis e drones contra Israel.

No caso de o Hezbollah, o principal aliado regional do Irão, a sua joia da coroa, ser atacado por Israel e, de facto, ser "desmantelado" por Israel, como ameaçou Gantz, é provável que haja uma resposta iraniana.

O Irão poderia simplesmente dar instruções aos seus aliados para que se deixassem de precauções e disparassem à vontade contra os interesses dos EUA e de Israel. Mas depois há o seguinte: o Irão está situado no Estreito de Ormuz, o ponto de entrada no Golfo Pérsico. Na eventualidade de um conflito grave, há muito que se teme que o Irão bloqueie o estreito, o que faria disparar os preços do petróleo no mundo.

Desde outubro, as tensões na fronteira entre o Líbano e Israel têm oscilado. No entanto, nas últimas semanas, essas tensões aumentaram e a guerra parece cada vez mais provável. A retórica de ambos os lados está a aquecer. A Alemanha, a Suécia, o Kuwait, os Países Baixos e outros países estão a pedir aos seus cidadãos que abandonem imediatamente o Líbano. Se alguma vez existiu o perigo de uma guerra regional no Médio Oriente, esse momento é agora.

Imagem no topo: fumo emana do local de um ataque aéreo israelita à aldeia libanesa de Jebbain, a 25 de maio de 2024, no meio de confrontos transfronteiriços entre tropas israelitas e combatentes do Hezbollah. Stringer/AFP/Getty Images

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