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Marcelo tem motivo de peso, Montenegro tem estratégia de Costa: ainda há dois caminhos para travar o PS no IRS

É uma verdadeira novela. E, como tal, pode ter direito a mais episódios que vão agarrar os portugueses mais interessados em matéria de fiscalidade

Depois de aprovadas no Parlamento, as mexidas no IRS podem acabar no Tribunal Constitucional. É essa a esperança que tem sido alimentada pelo Governo e pelo PSD quanto a esta derrota parlamentar, com referências ao papel do Presidente da República, que pode solicitar a fiscalização preventiva da constitucionalidade do diploma devido à violação da norma travão.

Mas se Marcelo Rebelo de Sousa não ativar este mecanismo, em última instância pode ser o próprio primeiro-ministro, Luís Montenegro, a pedir a intervenção do Palácio Ratton – como fez o antecessor António Costa em 2021.

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Os constitucionalistas ouvidos pela CNN Portugal consideram que há argumento suficiente para um pedido de fiscalização, argumentando que o diploma do IRS – da autoria do PS, com apoio da restante oposição – poderá violar a norma travão. Ou seja, colocar em causa o equilíbrio das contas públicas.

"Argumentos mais do que suficientes"

O constitucionalista Jorge Pereira da Silva defende que há argumentos “mais do que suficientes” para avaliar se este diploma do IRS viola a Constituição.

“O que está em causa, essencialmente, é a chamada lei travão”, diz, explicando que o número 2 do artigo 167.º da Constituição prevê que os deputados não podem apresentar propostas que envolvam o aumento das despesas previstas no Orçamento do Estado.

Lembrando as alegações de que as alterações aprovadas só teriam efeito em 2025, o especialista alerta que não há qualquer referência na lei a essa data. E que, sendo assim, são para entrar em vigor no imediato. “Não dizendo a lei que só entra em vigor para o ano, aplicam-se os prazos normais”, indica. Prazos esses que mexem com o orçamento que está já a ser executado pelo executivo.

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“Para não ser inconstitucional, o único argumento seria se se aplicasse apenas para o ano, se a lei o dissesse explicitamente. Mas não existe essa ressalva”, acrescenta.

Já a constitucionalista Raquel Brízida Castro explica que Marcelo Rebelo de Sousa tem, efetivamente, esse poder. Contudo, alerta que para existirem certezas sobre uma violação da norma travão é preciso conhecer bem os dados do Orçamento do Estado. “Não tenho dados, nem acredito que, além do Governo e do PS, que conhecem o orçamento, se possa ser categórico nesta matéria”, reage. Se se confirmar que existe um impacto orçamental no ano em curso, “então aí será inconstitucional”.

“É obrigatório esperar. O decreto é enviado para promulgação. O Presidente pode promulgar, pode no prazo de oito dias pedir a fiscalização preventiva, ou pode vetar politicamente. São as possibilidades que o Presidente da República tem”, descreve.

O Tribunal Constitucional tem 25 dias para se pronunciar.

Também o constitucionalista Jorge Bacelar Gouveia argumenta que há motivos para o diploma do IRS acabar no Tribunal Constitucional. “Viola a lei travão”, diz, citando também o número 2 do artigo 167.º da Constituição da República Portuguesa.

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Sobre o horizonte de 2025, o especialista lembra que “se não há norma específica da entrada em vigor, entra em vigor cinco dias depois da publicação”. Ou seja, haveria margem para afetar as contas públicas que estão a ser executadas e violar a norma travão já em 2024.

Jorge Bacelar Gouveia acredita que os juízes do Tribunal Constitucional, embora diferentes, deverão ter uma posição semelhante à de 2021.

(AFP/Getty Images)
O que aconteceu em 2021?

Em 2021, António Costa, enquanto primeiro-ministro, pediu a fiscalização sucessiva de um diploma – aprovado pela oposição e promulgado por Marcelo Rebelo de Sousa – sobre o reforço dos apoios sociais.

O Tribunal Constitucional deu razão ao então primeiro-ministro, admitindo a violação da norma travão, que impede o Parlamento de aumentar a despesa prevista no Orçamento do Estado.

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É esse também o caminho que pode desenhar-se para Montenegro daqui em diante.

“Agora também não deve passar, porque [estas mexidas no IRS] descem a receita”, posiciona Jorge Bacelar Gouveia.

Jorge Pereira da Silva lembra que, nestes casos, também há um jogo de popularidade em curso. Afinal, ninguém quer ficar com a fama de impedir apoios sociais maiores ou de não cortar impostos.

“Como ninguém quer ficar como o mau da fita, corremos o risco de ninguém suscitar a questão da inconstitucionalidade, o que é grave, porque abre precedentes para outras medidas”, resume.

A esperança do Governo e do PSD para contrariar a derrota

É numa fiscalização preventiva pedida por Marcelo que assentam as expectativas do Governo. Nesta quarta-feira, o executivo disse que vai esperar por Marcelo para decidir se altera as tabelas de retenção na fonte do IRS.

Posição assumida pelo ministro das Finanças, Joaquim Miranda Sarmento. “Não nos vamos antecipar à decisão do Presidente da República, que pode suscitar a fiscalização preventiva da constitucionalidade sobre a violação da norma travão. Depois de o Presidente da República tomar a decisão, tomaremos a nossa decisão”, disse.

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Também Montenegro alinhou neste cenário, avisando o socialista Pedro Nuno Santos que, “se calhar, cometeu um erro”. O primeiro-ministro disponibilizou-se ainda para explicar a situação, recordando a sua “experiência parlamentar profunda”.

“O decreto que foi aprovado na Assembleia e que seguiu para promulgação não teve por base nenhuma proposta de lei. A proposta de lei do Governo não foi sequer aprovada na generalidade. O processo legislativo é da exclusiva responsabilidade dos partidos políticos. Sabe o que é que quer dizer? Eu acho que sabe. Se for preciso eu um dia destes digo mais um bocadinho”, avisou.

Ou seja, como o diploma não teve origem numa proposta do Governo, mas antes dos partidos, pode violar a lei travão, que não se aplica a iniciativas do executivo.

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