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“Não há direito à greve que se possa sobrepor ao direito da minha filha estar com a mãe” - greve dos funcionários judiciais adiou milhares de diligências

Joana viu a sua audiência adiada e sente que justiça falhou consigo e com a sua filha. Há advogados com dezenas de processos "pendurados" à espera de novas datas

Foram mais de 600 quilómetros, portagens e um dia de trabalho perdido. Mas mais do que isso é a indecisão sobre o futuro da filha de apenas dois anos e meio. “Não há direito à greve que se possa sobrepor ao direito da minha filha estar com a mãe”, afirma à CNN Portugal Joana (nome fictício). Tinha uma conferência de pais marcada para a última terça-feira, mas foi adiada devido à greve dos funcionários judiciais.

Eram 11:00 da manhã, hora da audiência, e todos já estavam no Tribunal de Vila Franca de Xira, distrito de Lisboa. Mãe, pai e respetivos advogados. Joana vive atualmente no Algarve. Foram mais de 600 quilómetros de viagem para nada. Perdeu um dia de trabalho, pagou portagens. Pior do que isso, ficou por decidir o futuro da filha, de apenas dois anos e meio, nos próximos meses. Talvez anos.

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Na hora marcada a oficial de justiça fez a chamada e informou que a diligência tinha sido adiada. Todos sabiam que havia greve, mas ninguém esperou que a audiência não se realizasse. Preocupada, Joana, questionou a funcionária: “Quando vai ser possível marcar?” E ouviu a resposta que não queria: “Temos a agenda cheia até maio, não sei se a conseguimos encaixar. Depois há férias, mete-se agosto. Talvez para setembro/outubro.”

Sentiu-se chocada, indignada. “Estive quase quatro meses sem ver a minha filha.” O ex-companheiro expulsou-a de casa e não a deixava ver a menina. Acabou por apresentar queixa contra ele por rapto e, já nessa altura, não percebeu porque ia demorar dois meses até haver uma audiência. “A minha filha tem dois anos e meio. A mãe desapareceu da vida dela de repente. Não sei o que se passa dentro da cabecinha dela. Se calhar acha que a abandonei”, desabafa. 

Para Joana é urgente decidir a guarda da menina e garantir alguma estabilidade na vida da filha. Na verdade, pelo bem dela, admite a guarda partilhada. E precisamente por causa das férias e dos problemas que se advinham, já que está a centenas de quilómetros da filha, esta era a altura certa para deixar tudo escrito. Recentemente o pai começou a autorizar a mãe a estar com a menina, mas não há nada escrito e Joana não sabe quanto tempo isso pode durar.

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O advogado de Joana, João Massano, explicou à CNN Portugal que "a conferência tem como fim primordial a obtenção de um acordo entre os progenitores relativamente à questão ou questões em discussão". "No entanto, e não sendo possível obter um entendimento, nos casos em que esteja em causa a regulação, pela primeira vez, do exercício das responsabilidades parentais, o tribunal irá proceder à regulação provisória da situação, ou seja, irá fixar um regime provisório de exercício das responsabilidades parentais."

A decisão tomada nesta fase "irá, em princípio, vigorar até à sentença final e, portanto, por um período de tempo que poderá ser bastante alargado, sabendo-se que a celeridade dos nossos tribunais está longe de ser a ideal", acrescenta o advogado. E é por isso mesmo que Joana encarava esta diligência como essencial.

Joana é apenas uma das muitas pessoas que viram a greve dos funcionários judiciais adiar a sua diligência. Até à Páscoa o número de adiamentos era já muito elevado: mais de 21 mil diligências ficaram por realizar.

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Gameiro Fernandes é advogado e também viu três conferências de pais, em Tribunais de Famílias e Menores, serem adiadas. "Uma no juiz 1 de Família de Sintra, que era para ser a 16 de março e foi posteriormente reagendada para 14 de junho (3 meses depois). Outra no juiz 1 de Família do Seixal, previsto para 28 de março e adiada para 19 de maio. E, por fim, ainda outra no juiz 1 de Família do Seixal, marcada para 11 abril e que passou para 28 de abril", explica à CNN Portugal.

"Em todos os casos telefonámos antes para saber se a diligência se realizava e, em todos, foi garantido que sim", sublinha.

Mas enquanto advogado viu outros processos serem adiados. Foram cerca de 20 diligências em processos que acompanha. "Para além destes, houve diversos adiamentos de diligências que tinha tido o cuidado de confirmar antes se iriam, ou não, se realizar e que eram desmarcadas quando já estava no local." Um desses casos é o de Ana Maximiano, a mãe que processou duas técnicas da Segurança Social de Cascais, após escreverem relatórios que a fizeram perder a guarda das três filhas. Seis anos depois recuperou a guarda das menores, mas não desistiu da queixa. Este julgamento já se encontra na fase de alegações finais e deve ser retomado na próxima segunda-feira, 17 de abril.

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Gameiro Fernandes não coloca em causa "a validade dos fundamentos invocados para a greve dos Funcionários Judiciais", cujas reivindicações respeita, mas tem "sérias dúvidas quanto à forma como a mesma foi aplicada e que em certas situações raiou os limites da falta de respeito pelo trabalho dos advogados e demais intervenientes processuais".

O advogado considera que "não é legítimo que tendo as partes o cuidado de antecipadamente averiguar se as diligências se realizariam e obtido essa confirmação, se deslocassem ao tribunal - em certos casos implicando grandes deslocações - para serem confrontados com um adiamento fundamentado na greve".

Recentemente, também o início do debate instrutório do processo de Sara Carreira foi adiado. Esteve previsto para 23 de fevereiro, no Juízo de Instrução Criminal de Santarém, e foi adiado para 16 de março. Mas em março acabou por se realizar.

E os próximos tempos não se advinham mais fáceis. O Sindicato dos Funcionários Judiciais (SFJ) entregou um novo pré-aviso de greve entre 26 de abril e 5 de maio e, desta vez, terá contornos diferentes. Na próxima paralisação, “os funcionários não vão estar no local de trabalho”, indicou à CNN Portugal esta semana, António Marçal.

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