Advogado critica Ministério Público por ter entendimentos diferentes no acidente mortal de Sara Carreira e no que envolveu Eduardo Cabrita

15 mar 2023, 22:00
Ivo Lucas, Sara Carreira e Cristina Branco

Processo da morte de Sara Carreira deve supostamente regressar a tribunal esta quinta-feira - mas tal não é certo devido a uma greve em curso. Sara Carreira morreu em dezembro de 2020

Uma morte trágica, quatro arguidos: mais de dois anos depois, Tony Carreira e Fernanda Antunes, pais de Sara Carreira, ainda procuram respostas e justiça para o acidente que lhes roubou a vida da filha. Está marcado para esta quinta-feira, 16 de março, o início do debate instrutório do processo. Inicialmente previsto para 23 de fevereiro, acabou adiado devido à greve dos oficiais de justiça no Juízo de Instrução Criminal de Santarém.

E, na verdade, não é garantido que a audiência se vá realizar. Isso mesmo assumiu à CNN Portugal João Grade dos Santos, advogado de um dos arguidos do processo. "A greve foi prolongada", explicou. Tendo isso em conta, o causídico não estará presente no Tribunal de Santarém esta quinta-feira mas far-se-á representar "por um colega da zona".

João Grade dos Santos representa Tiago Pacheco, o condutor que acabou por colidir com o veículo acidentado onde se encontrava Ivo Lucas e Sara Carreira. Tal como a família da jovem, também ele requereu abertura de instrução do processo.

Na sua opinião, não faz sentido que o seu cliente seja arguido neste processo e, por isso, no seu requerimento anexou o processo do acidente que envolveu o ex-ministro Eduardo Cabrita e acrescenta que "o crime de condução perigosa obriga a um dolo especial". Ou seja, no processo de Eduardo Cabrita houve esse entendimento por parte do Ministério Público (MP) e neste houve um entendimento oposto.

Além disso, diz à CNN Portugal, "os tribunais não são competentes para julgar contraordenações" e o seu cliente, está acusado pelo MP de ter cometido duas contraordenações (uma leve e uma grave). Tal como, por regra, quem comete contraordenações é "notificado" para ter a possibilidade de "pagar a multa" de livre vontade "pelo valor mínimo". Algo que não aconteceu. O seu cliente nunca foi notificado para pagar as contraordenações que constam da acusação.

Ainda em relação ao debate instrutório marcado para esta quinta-feira, acrescentou que os arguidos não são obrigados a estar presentes e podem fazer-se representar pelos seus advogados. Estar presente na audiência "é um direito e eles podem renunciar a esse direito".

Primeira acusação do processo da Sara Carreira foi anulada

A primeira acusação foi conhecida no final de 2021. Insatisfeito com o que leu no documento, Tony Carreira pediu abertura de instrução em janeiro de 2022. Mas, entretanto, a juíza de instrução responsável pelo processo anulou a acusação.

A magistrada mandou o Ministério Público refazer a mesma por considerar que havia uma "nulidade a abranger a acusação", em relação aos crimes de que estavam acusados dois condutores envolvidos no acidente que tirou a vida à filha de Tony Carreira em dezembro de 2020: Ivo Lucas e Cristina Branco.

O Ministério Público recorreu mas o Tribunal da Relação de Évora deu razão à juíza, que alegava que os procuradores não tinham deixado explícito se os dois arguidos estavam indiciados pelo crime de homicídio por negligência simples ou por negligência grosseira, um dado que podia alterar substancialmente a aplicação de pena.

Em novembro de 2022, o Ministério Público deduziu nova acusação. Ivo Lucas e a fadista Cristina Branco foram novamente acusados de homicídio negligente. Os pais de Sara Carreira voltaram a pedir abertura de instrução.

O processo tem quatro arguidos. Paulo Neves, acusado da prática de um crime de condução perigosa e três contraordenações ao Código da Estrada (uma leve, uma grave e uma muito grave); Cristina Branco, acusada do crime de homicídio negligente e duas contraordenações graves; Ivo Lucas, namorado de Sara Carreira na altura do acidente, acusado de homicídio negligente e duas contraordenações (uma leve e uma grave); Tiago Pacheco, acusado de condução perigosa de veículo e duas contraordenações (uma leve e uma grave).

“A busca da verdade material”

Em declarações à TVI, em janeiro de 2022, o advogado de Tony Carreira, André Matias de Almeida, falou sobre o caso.

“O Tony Carreira e a Fernanda [mãe de Sara] pretendem, no âmbito deste processo, a busca da verdade material, saber o que aconteceu naquela noite deste fatídico dia para esta família, o que neste momento, a esta data, ainda não é claro”, afirmou.

“Entendemos que os condutores que estão envolvidos neste acidente têm uma sequência de atos que deviam ter sido praticados e não foram e, por isso, entendemos que tudo isto deve ser reanalisado”, acrescentou.

“Quando houver uma sentença transitada em julgado, seja ela qual for, que estes pais possam saber aquilo que aconteceu, independentemente de isto representar ou não culpa dos intervenientes.”

A descrição do acidente na A1

Eram cerca das 18:30 do dia 5 de dezembro de 2020, já de noite e com alguma chuva fraca: a viatura da fadista Cristina Branco embate no veículo conduzido por Paulo Neves, que circulava na faixa da direita entre os 28 e os 32 km/h - uma velocidade inferior à mínima permitida nas autoestradas (50 km/h). Conduzia ainda sob o efeito de álcool e tinha pelo menos 1,18 g/l (deduzida a margem de erro admissível), o dobro do permitido por lei.

A viatura de Cristina Branco embate depois na guarda lateral direita, rodando e imobilizando-se em sentido contrário na faixa central da A1. Apesar de ter ligado as luzes indicadoras de perigo, a fadista, que abandonou a viatura, é acusada de não ter feito a pré-sinalização de perigo.

Ainda segundo a descrição do acidente que consta da acusação, às 18:49 Ivo Lucas circulava pela faixa central entre 131,18 e 139,01 quilómetros/hora, não tendo conseguido desviar-se do carro da fadista, no qual embateu com o lado esquerdo, seguindo desgovernado para o separador central e capotando por várias vezes até se imobilizar na faixa da esquerda, quase na perpendicular, com parte a ocupar a faixa central.

Pelas 18:51, Tiago Pacheco seguia pela via central entre 146,35 e 155,08 quilómetros/hora, afirmando a acusação que não reduziu a velocidade, mesmo apercebendo-se de que passava pelo local do acidente, não conseguindo desviar-se da viatura de Ivo Lucas, onde este ainda se encontrava - bem como Sara Carreira.

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