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Um "microfone aberto para a difamação, xenofobia e discurso de ódio". As preocupações com a entrada de Elon Musk no Twitter

Homem mais rico do mundo comprou a rede social por mais de 40 mil milhões de euros, prometendo como grande medida a liberalização dos conteúdos. Há quem diga que tudo não passa de um modelo de negócio

E se de repente pudéssemos publicar tudo o que nos vem à cabeça no Twitter? Essa parece ser a ideia de Elon Musk, o homem mais rico do mundo que comprou aquela rede social com a promessa de a revolucionar. A ideia foi acolhida de formas diferentes, o que está já a criar um alvoroço, com muitos utilizadores a ameaçarem sair.

O Mastodon parece ser, para já, a hipótese mais forte para dar seguimento à atividade. No Brasil, depois da notícia oficial do acordo, o Mastodon tornou-se tendência, até no póprio Twitter. Esta terça-feira, eram mais de 70 mil as referências àquela rede social criada em 2016.

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Por "liberdade de expressão", esclareceu Elon Musk, o que se pretende é enquadrar todos os discursos que "vão de encontro à lei".

Entre os muitos que dizem estar a migrar do Twitter para o Mastodon há uma razão comum: os festejos dos apoiantes de Jair Bolsonaro. É que a ideia mais defendida por Elon Musk é uma rede social completamente livre, sem qualquer tipo de restrições, seja a nível de imagem ou de linguagem.

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Os filhos do presidente do Brasil celebraram no Twitter, e Flávio Bolsonaro pediu mesmo a reativação da conta de Donald Trump, antigo presidente dos Estados Unidos que foi banido daquela rede social, já depois de perder as eleições para Joe Biden, por publicar informação falsa.

Por cá, André Ventura, com mais de 61 mil seguidores, foi suspenso várias vezes no último ano e meio, acabando sempre por recuperar a conta. Suspensa continua a conta de Pedro Frazão, deputado eleito pelo Chega pelo círculo eleitoral de Santarém.

A mais recente suspensão de Ventura foi justificada pelo Twitter como "conduta de propagação de ódio": "É contra as nossas regras promover violência, ou atacar directamente, ou ameaçar outras pessoas com base na sua raça, etnia, origem nacional, orientação sexual, género, identidade de género, religião, idade, deficiência ou doença”, lia-se na mensagem em questão, depois de uma publicação que lembrava os ataques ao Charlie Hebdo.

Daí que, contactado pela CNN Portugal, o líder do Chega veja como "muito positivo" que Musk permita uma maior abertura desta rede social ao seu tipo de discurso.

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“Vejo como muito positivo [o fim de restrições de linguagem no Twitter]. Se a ideia for liberalizar e evitar a a censura sistemática contra um espaço político é um bom sinal”, comentou.

"Vai ser normalizada uma retórica em relação a pessoas racializadas"

O discurso de ódio é precisamente uma das grandes preocupações da associação SOS Racismo, que lembra o exemplo de Donald Trump para referir os "perigos" de uma alteração como a pretendida por Elon Musk. Em conversa com a CNN Portugal, aquela organização diz que o fim da regulação naquela rede social terá como consequência natural o aumento do discurso de ódio: "Vai ser normalizada uma retórica em relação a pessoas racializadas, vai ter consequências na forma como vai inflamar o ódio racial e vai ter efeitos a todos os níveis. Vai contaminar até a possibilidade de as pessoas terem uma sociabilidade dentro e fora da rede".

"Do ponto de vista do discurso de ódio é imensamente preocupante, não precisamos de muito mais a acontecer para ter a perfeita noção do que está em causa", acrescenta a associação, que teme a "contaminação" da convivência entre grupos e o aumento de estereótipos e preconceitos que "alimentam o racismo".

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Para a Aministia Internacional, esta notícia só vem agudizar uma preocupação já existente, sobretudo em relação à desinformação. À CNN Portugal, O diretor de campanhas e comunicação desta organização, Paulo Fontes, diz que "o historial do Twitter não tem sido dos melhores". A preocupação, continua, é que "esta ideia de Elon Musk tire filtros e permita todos os discursos", tornando a rede social num "microfone aberto para a difamação, xenofobia e discurso de ódio".

"O Twitter tem de compreender, independentemente de quem seja o acionista maioritário, que tem uma responsabilidade enorme naquilo que são os direitos humanos, a liberdade de expressão", avança Paulo Fontes, que lembra que o direito à liberdade de expressão e opinião só é possível com acesso a uma "informação fidedigna", o que pode ficar em perigo caso a desinformação deixe de ser restringida.

Da mesma opinião é a Human Rights Watch, organização de direitos humanos, que aponta a "responsabilidade de direitos humanos" que o Twitter tem. Em declarações à agência Reuters, a advogada Deborah Brown, que representa aquela organização, afirma que "mudanças de políticas ou algoritmos, grandes ou pequenas, podem ter impactos desproporcionais e algumas vezes devastadores, incluindo violência fora das redes".

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"Musk não está a libertar-nos da censura. Está a tentar ganhar dinheiro"

A SOS Racismo alerta ainda que uma empresa com a dimensão e responsabilidade do Twitter "nunca poderia estar na mão de uma pessoa só", questionando mesmo as motivações de Elon Musk ao adquirir aquela rede social: "Não nos podemos deixar enganar em relação à suposta benignidade e quase altruísmo da sua motivação. Não nos enganemos, não nos está a tentar libertar da máquina da censura. Está a tentar ganhar dinheiro".

Aquela organização aponta que, do ponto de vista do negócio, é interessante para quem o gere que ele seja falado, que exista controvérsia, uma vez que isso vai aumentar a discussão e gerar mais interações, aumentando a rentabilidade.

Mas "o discurso de ódio online tem consequências muito negativas, há pessoas com vidas completamente arrasadas", conclui a associação.

Além do racismo, a Aministia Internacional vê este problema como particularmente grave junto das mulheres e da comunidade LGBT, nomeadamente nas pessoas de género não-binário: "A última coisa que precisamos é que o Twitter feche os olhos a discursos violentos".

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Lei contra Musk

Ainda não entrou em vigor, mas foi finalizado no último sábado. O Regulamento sobre os Serviços Digitais (DSA, na sigla original) é o documento que vai obrigar as plataformas digitais, especialmente as redes sociais e os motores de busca, a cumprirem a legislação comunitária. A legislação tinha sido proposta pela Comissão Europeia no fim de 2020, e foi agora finalizada após acordo entre o Parlamento Europeu e os 27 Estados-membros da União Europeia.

O acordo deve agora ser aprovado pelo Parlamento Europeu e pelo Conselho Europeu, entrando em vigor 15 meses após a aprovação final ou a 1 de janeiro de 2024, contabilizando-se a data mais tardia para o efeito.

As plataformas online ficarão, ao abrigo desta lei, obrigadas a atuar "rapidamente" para retirar todo o conteúdo ilícito ou impedir o acesso dos utilizadores ao mesmo, ficando ainda obrigadas a informar "rapidamente" as autoridades em caso de suspeita de uma "infração penal grave" que ameace "a vida ou a segurança das pessoas".

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As redes sociais ficam ainda obrigadas a suspender os utilizadores que publiquem de forma frequente conteúdos ilegais.

Estas são regras que se aplicam a todas as plataformas, mas há depois regras adicionais para aquelas que tenham mais de 45 milhões de utilizadores na União Europeia, como é o caso do Twitter. Esta rede social vai ser alvo de uma auditoria anual, por parte de organismos independentes, que vão verificar o cumprimento das regras. E entre essas regras está a monitorização da difusão de conteúdos que coloquem em causa a liberdade de expressão, a lei, a violação da intimidade ou a saúde e segurança pública.

"O regulamento dá efeito prático ao princípio de que aquilo que é ilegal fora de linha deve também ser considerado ilegal em linha. Quanto maior for a sua dimensão, maior será a responsabilidade das plataformas em linha", afirmou a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen.

Será necessário perceber o que está exatamente em causa de um lado e do outro, mas estas últimas regras podem ser um obstáculo ao Twitter "livre" que Elon Musk quer. Quão duras vão ser as regras e quão livre vai ser o Twitter serão os pilares-chave para se perceber como tudo vai acontecer.

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