Já fez LIKE no CNN Portugal?

Zara morreu com dois anos, Sara tinha meses. Ayla foi salva por um tratamento inovador que começou quando ainda estava na barriga da mãe

Ayla tinha doença de Pompe infantil grave, uma doença hereditária fatal. Duas das suas irmãs morreram com esta doença. Mas, graças a um tratamento invovador, Ayla conseguiu sobreviver e tem agora 16 meses

Depois de terem assistido à morte de duas filhas bebés com uma doença genética, Sobia Qureshi e Zahid Bash decidiram experimentar um tratamento inovador: a introdução de uma enzima, ainda durante o desenvolvimento da sua bebé, através do cordão umbilical, interrompendo assim uma doença hereditária fatal. Ayla Bashir tem agora 16 meses e está a desenvolver-se normalmente. O seu caso foi relatado num artigo publicado esta quarta-feira no New England Journal of Medicine.

A Pompe infantil grave é uma disfunção genética que pode ser fatal no primeiro ano de vida.  Os médicos norte-americanos esperam que esta experiência possa abrir caminho para tratamentos fetais que alterem a evolução de uma variedade de doenças genéticas graves, incluindo hemofilia e atrofia muscular espinal, e evitem a necessidade de cuidados médicos ao longo da vida. Na sequência deste caso, um outro feto foi já tratado com enzimas para outra doença, a síndrome de Hunter, antes do nascimento. Nasceu a 27 de outubro e está ainda sob monitorização, segundo o The New York Times.

PUB

Sobia Qureshi, de 37 anos, é do Paquistão e Zahid Bashir, de 41, do Canadá. Casaram-se em 2008, moram em Otava e queriam ter uma família grande. A primeira filha, Zara, nasceu em 2011 e, logo que foi detetada a doença, iniciou tratamentos intensivos, com enzimas, que duraram até aos dois anos e meio, mas não conseguiu resistir. Em 2016, Sobia voltou a engravidar e os testes pré-natais revelaram que a bebé sofria da mesma doença. O casal decidiu rejeitar a terapia enzimática, optando apenas pelo tratamento paliativo. "Foi uma decisão muito, muito difícil", disse Qureshi. “Mas não havia esperança lá fora, e não queríamos que ela sofresse.” Sara morreu quando tinha 8 meses. 

PUB

Sobia Qureshi e Zahid Bashir viram como os músculos das suas bebés enfraqueceram progressivamente, retirando-lhes a capacidade de se moverem até que, incapazes de engolir e de respirar, e com o músculo cardíaco tão espesso que seus corações não conseguiam bombear o sangue, morreram.

No início de fevereiro de 2020, Sobia Qureshi estava grávida novamente e um teste pré-natal indicou que aquele feto também tinha grave doença de Pompe. O casal decidiu que, desta vez, queria fazer o tratamento, na esperança de ter havido, entretanto, evolução na investigação médica.

Um tratamento inovador

A ideia do tratamento que salvou Ayla foi de Tippi MacKenzie, cirurgiã pediátrica da Universidade da Califórnia, em São Francisco, EUA. Tippi MacKenzie estava habituada a acompanhar bebés com esta doença desde os anos 1990. "O único conselho que, naquela altura, podíamos dar aos pais era: ‘Esta é uma doença letal. Vá para casa e aproveite o seu bebé.'” Como não suportava esse sentimento de impotência, decidiu investigar. 

PUB

Existem condições genéticas raras nas quais a ausência de uma enzima leva a uma acumalação de substâncias tóxicas nas células. Algumas dessas doenças – incluindo a Pompe infantil grave – podem ser tratadas com a infusão da enzima ausente, começando o tratamento imediatamente após o nascimento.

Os primeiros bebés que receberam a infusão de enzimas não sobreviveram porque tinham uma forma mais grave da doença e o sistema imunológico não reconhecia as enzimas e combatia-as. A médica percebeu que, nestes casos, era necessário suprimir o sistema imunitário. Depois de tratar cerca de 70 bebés, ela pode dizer com confiança que encontrou uma maneira de as ajudar. As crianças ainda estão vivas – a mais velha tem cerca de 12 anos – mas muitas vezes têm fraqueza muscular.

O problema era que a doença infantil de Pompe grave manifesta-se ainda durante o desenvolvimento fetal, provocando danos irreversíveis: os músculos destruídos nesse período não podem ser restaurados. O melhor que pode acontecer, dizem os médicos, é que a destruição seja interrompida ou retardada após o nascimento. E para alguns bebés, como Zara, um atraso no diagnóstico pode significar que a doença chegou a um ponto sem retorno. Portanto, perceberam que seria necessário introduzir a enzima em falta ainda durante o desenvolvimento fetal (neste período, o feto ainda não produz anticorpos) e, após o nascimento, iniciar a supressão imunológica.

Foram feitos os primeiro testes em ratos e, em 2020, a médica conseguiu a aprovação da Food and Drug Administration (FDA) para realizar testes clínicos. Ayla foi o seu primeiro caso de sucesso. 

O tratamento iniciou-se na semana 24 de gestação. Na semana 36, todas as indicações eram de que Ayla estava a desenvolver-se normalmente. A bebé nasceu a 22 de junho de 2021. Ayla é a quinta filha do casal, mas apenas a terceira a sobreviver.

PUB