Martim Sousa Tavares chegou a Aachen, na Alemanha, com a missão de representar a Orquestra Sem Fronteiras e nenhuma esperança de ganhar o Prémio Europeu Carlos Magno para a Juventude 2022. Mas conseguiu. O músico, de 30 anos, contou à CNN Portugal, já com o galardão nas mãos, que as expectativas eram “felizes”, mas que tinha conhecido projetos de outros estados-membros europeus muito “relevantes no tempo e espaço em que estamos” cujas hipóteses de vencer eram grandes.
Foi quando Katarina Barley, vice-presidente do Parlamento Europeu, subiu ao palco da Câmara Municipal de Aachen, esta terça-feira, e a ouviu dizer as três palavras que descrevem o projeto da Orquestra Sem Fronteiras - cultura, jovens e música – que começou a acreditar. Nesse momento, “os meus olhos começaram a abrir”, desvendou o diretor artístico da OSF, já depois de conhecer o resultado. Nesta Eurovisão de bons projetos para a juventude em que cada país escolhe um vencedor que compete com os restantes estados-membros, Portugal nunca tinha vencido o primeiro prémio (7,5 mil euros) nos seus 14 anos de história.
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O músico descreve assim a sensação de ouvir "Orchestra Without Borders" como "descer de uma nuvem de sonho para a realidade”. Atravessando a pandemia e o isolamento, a orquestra tem feito concertos por todo o país, da raia ao palácio de São Bento, e também já esteve no Rio de Janeiro.
No final da cerimónia, apesar de ser o único representante da OSF presente, o músico, de 30 anos, não passou nem mais um minuto sozinho. Não faltaram “congratulations” (parabéns) de todas as partes da Europa. Ouviu-se português, mas também inglês, espanhol e italiano.
E porque a entrega do prémio não bastou para todos os cumprimentos, ao longo do almoço e durante as visitas à cidade, várias pessoas continuaram a querer ganhar alguns minutos com Martim Sousa Tavares, que aproveitava para explicar mais pormenores sobre o projeto vencedor, tal como fez com a CNN Portugal.
A Orquestra Sem Fronteiras nasceu há três anos e junta músicos de Espanha e Portugal. É um projeto de coesão territorial, social e cultural, à medida da União Europeia, que pretende envolver os jovens músicos que cresceram no interior do país e permitir o acesso a uma participação cultural a essas localidades, através da música clássica.
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Uma realidade de banho de humildade, porque há aqui projetos incrivelmente relevantes no tempo e no espaço em que estamos. Acreditar que a Orquestra Sem Fronteiras não é menos incrível é muito importante. O nosso projeto lida com a música, as artes e a cultura enquanto elementos de coesão territorial e social entre jovens do interior e do litoral. Entre os sonhos das pessoas e as possibilidades que alguns não têm para segui-los. Nós estamos, com a música clássica - quem diria - a passar uma mensagem política que é uma mensagem de igualdade de oportunidades e de descentralização.
Como é a relação atual entre a cultura e a política em Portugal?Estamos habituados a ver a cultura e as artes a serem a perna mais curta do aparelho político e uma das discussões e reivindicações mais acesas que temos é o 1% do Orçamento de Estado para a cultura. Sentimos que estamos sempre a rapar o fundo do tacho e a discutir por migalhas.
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Ver este reconhecimento vindo do topo, vindo de uma organização como é o Parlamento Europeu, dá-nos uma força negocial extra e mais credibilidade. O que nós fazemos não é só tocar música agradável para as pessoas passarem uma hora bem passada. É muito mais do que isso. A cultura é cidadania e todas as artes são educação, tudo isto está ligado. Se queremos melhores cidadãos, mais bem informados no momento de votar e mais solidários uns com os outros, a participação cultural é fundamental e está consagrada na nossa constituição. Portanto, não estamos a fazer mais do que o nosso dever.
O Martim Sousa Tavares vê-se do lado da política?Absolutamente, não.
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Porque eu sinto que aquilo que eu faço já é político que chegue e são precisos agentes do lado civil e social a fazer este trabalho para que depois os políticos possam agarrar naquilo que estamos a fazer e legislar de acordo com o que nós precisamos. Vai ser sempre preciso gente no terreno com visão, e que sabe aquilo que quer, para dar ao lado político informação que tem de vir do terreno.
Essa informação do terreno tem chegado à política?Acho que agora vai chegar um bocadinho mais alto, depois deste prémio.
Porque surgiu a necessidade de criar a Orquestra Sem Fronteiras?Era algo que faltava em Portugal e continuam a faltar outras orquestras sem fronteiras não só na música, nem apenas no território em que nós atuamos. Esta é uma startup cultural e social de coesão territorial que nasce da constatação de uma realidade: a falta de oportunidades. Faltam oportunidades para que estes jovens músicos possam acreditar na música enquanto profissão e ser renumerados pelo seu talento. Faltam oportunidades para as populações, sobretudo as mais isoladas, de participarem ativamente numa vida cultural plena. Daí o nascimento da plataforma Orquestra Sem Fronteiras que entretanto já se ramificou numa miríade de outros projetos que têm atravessado a pandemia. Foi um sonho que foi crescendo, foram entrando outras pessoas nele e que continua mais importante do que nunca.
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A relação com Espanha é evidente quando começamos a frequentar o interior porque vemos territórios que estão tão longe da capital e dos centros de decisão nacionais que sentem muitas vezes que mais vale estabelecer ligações com Salamanca ou com Badajoz. A fronteira é algo que não existe, daí nós sermos uma orquestra sem fronteiras não só geográficas mas também sociais, intelectuais e económicas. Não queremos nenhuma fronteira. Os músicos espanhóis estão do lado de lá, numa situação muito parecida com a nossa. Por que não juntar ambos? Já fomos fazendo isso em vários projetos com 50% de músicos de um lado, 50% do outro e, no final de contas, vemos que falamos todos a mesma língua.
O que podemos esperar do futuro da Orquestra Sem Fronteiras?Podem esperar que a Orquestra Sem Fronteiras continue a dar o seu espaço aos músicos e podem esperar novos projetos a nascerem no seio da própria Orquestra. Enquanto “projeto-mãe”, já agregamos “mini-projetos” que estão a nascer no interior da Orquestra. Portanto, quem sabe se daqui a uns anos não estaremos a falar com outro nomeado para o Prémio Carlos Magno para a Juventude que venha do seio da OSF.
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O futuro do Martim, neste momento, vai ser dar a boa nova aos restantes membros da OSF. Vou continuar muito aguerrido e ligado a este projeto, mas também enquanto artista em nome próprio tenho projetos enquanto compositor, diretor artístico que vou levar a cabo. Entre televisão, rádio, palco e concertos vão ouvir falar de mim se quiserem.
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- Goodbye, de Billie Eilish
- Cantar no chuveiro?- Sim
- Musicais?- Não gosto, ainda menos ao vivo
- Existem músicas más?- Sim.
- O que torna uma música boa?PUB
- Bom gosto, inteligência e aquele detalhe inesperado.
- Baile funk?- Baile funk não é para mim, aceito o funk original dos anos 70.
- Dançar ao som do funk brasileiro atual?- Ao som de funk brasileiro nunca fiz um twerk.
- Música que ouviu durante a pandemia?- Foi o silêncio, na verdade.
- O que torna um bom maestro?- Empatia, conhecimento de causa e um bom ouvido.
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- Divirto-me imenso. Não passo muito tempo nas redes mas acho muito divertido como ferramenta para interagir com milhares de pessoas.
- O que mudava nas redes sociais?- O ódio.
- Clube de futebol?- Futebol Clube do Porto (FC Porto).
- Ia ver jogos de futebol ao vivo durante a infância?- O primeiro jogo que fui ver do FC Porto foi ainda no velhinho Estádio das Antas e o FC Porto deu 7-1 à Académica.
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- Com o meu pai.
- O que o atrai mais, a intervenção política ou social?- Social.
- Algum partido o levaria a assumir um cargo político?- Se vier a existir um partido que seja um “match” com a minha identidade política, não digo que não. Mas, até à data, isso não aconteceu.
- Costuma discutir política?- Não.
- O Governo está a fazer um bom ou mau trabalho relativamente à música?PUB
- Acabou de começar, portanto é cedo ainda para fazer uma avaliação.
- Como vê a representatividade da música clássica nos media de hoje?- Não está representada.
- O que podia mudar isso?- Se a música clássica se reinventasse um bocadinho, os media fossem mais atentos às artes e uma coisa encontrasse a outra a meio caminho, podíamos ouvir falar muito mais de música clássica.
- O que o faz rir?- O ridículo.
- O que o emociona?PUB
- A beleza das coisas.
- O que lhe falta fazer?- Escrever um livro, plantar uma árvore e fazer um filho.
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