O primeiro-ministro, António Costa, alegou esta segunda-feira que o projeto para a construção do aeroporto no Montijo não avançou por causa do ex-líder do PSD, alegando que Rui Rio se recusou a alterar a lei que permitia contornar o veto dos municípios afetados pela obra por existir "uma grande dúvida" entre os sociais-democratas sobre a localização do novo aeroporto.
Rui Rio, por sua vez, acusou António Costa de mentir, esclarecendo que não apoiou a mudança de lei porque não queria “viabilizar uma situação em concreto”, isto é, a opção Montijo, e reiterando a sua posição de que a lei, a ser alterada, deveria ser “geral e abstrata”.
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Numa altura em que a Comissão Técnica Independente - mandatada pelo Governo, após um acordo obtido há um ano com o PSD - está a estudar a solução para o novo aeroporto de Lisboa, estando previsto um relatório final ainda este ano, o primeiro-ministro quis esclarecer as dúvidas em torno da localização do novo aeroporto, culpando o PSD, e Rui Rio em específico, por não se ter avançado com a opção Montijo.
"O que aconteceu foi que quando houve dois municípios que decidiram que não concordavam com aquela solução [do aeroporto do Montijo] e era necessário alterar a lei [para viabilizar o projeto], o Dr. Rui Rio disse: 'eu não estou em condições de alterar a lei porque dentro do PSD há uma grande dúvida sobre qual deve ser a localização", acusou o primeiro-ministro, admitindo ter ficado surpreendido com a mudança de postura dos sociais-democratas, sobretudo quando o executivo socialista respeitou a decisão do anterior governo, de Pedro Passos Coelho.
"Então eu pus as minhas dúvidas de lado e aceitei a posição que o PSD tomou e o PSD agora, em vez de viabilizar a solução que o próprio PSD decidiu, tem dúvidas?", questionou Costa, assumindo-se como "o primeiro primeiro-ministro que, quando chegou ao governo, em vez de ter a tentação de reabrir o debate [sobre o novo aeroporto], se limitou humildemente a aceitar o que tinha sido decidido" pelo executivo anterior.
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Esta terça-feira, Rui Rio acusou o primeiro-ministro de "mentir" ao afirmar que os sociais-democratas tinham dúvidas sobre a localização do futuro aeroporto. "Eu não disse que não apoiava a mudança da lei porque o PSD não se entendia sobre o novo aeroporto. Disse que que nunca o faria para viabilizar uma situação em concreto. A lei deve ser geral e abstrata", esclareceu o ex-líder social-democrata, numa publicação na rede social X (ex-Twitter).
Mudança da lei era "um pontapé no princípio de Estado de Direito"Em causa está uma lei, em vigor desde 2007, que concedia poder de veto aos municípios afetados pela obra e que acabou por inviabilizar o projeto para a construção do aeroporto no Montijo, depois do parecer negativo das câmaras do Seixal e da Moita à execução da obra. Por causa da recusa destes dois municípios, a Autoridade Nacional para a Aviação viu-se obrigada a indeferir o pedido de avaliação do projeto, mesmo depois da 'luz verde' da Associação Portuguesa do Ambiente (APA).
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Antecipando o veto dos municípios, o Governo sugeriu, em 2020, a alteração daquela lei de modo a contornar o veto dos municípios. Pedro Nuno Santos insistiu no parlamento que a lei era "desajustada e desproporcional", uma vez que conferia "poder de veto, no limite, a um só município". Na altura, os partidos da oposição manifestaram-se contra esta alteração, acusando o Governo de querer mudar a lei "à medida", apenas para fazer avançar o projeto da construção do aeroporto no Montijo.
O PSD estava entre as vozes de reprovação em relação à mudança da lei, recusando-se a dar ao mão ao Governo sobre esta questão. O então vice-presidente do PSD, David Justino, comparou a proposta do executivo de António Costa a um "pontapé no princípio de Estado de Direito". "Que a lei é estúpida, é. Mas é lei", declarou, no programa "Almoços Grátis" da TSF, em fevereiro de 2020.
Adão Silva, que liderava o grupo parlamentar do PSD na altura, confirmou esta terça-feira à CNN Portugal que os sociais-democratas rejeitaram inicialmente aprovar uma alteração da lei "à medida" para fazer avançar o projeto no Montijo, salientando dúvidas quanto à constitucionalidade dessa proposta. "Havia dois municípios liderados pela CDU [Seixal e Moita] que tinham feito reivindicações ao Governo com elementos compensatórios para levantarem o veto", recordou Adão Silva, referindo-se às audiências de António Costa e Pedro Nuno Santos com os autarcas dos municípios que teriam de dar um parecer para fazer avançar com o processo de licenciamento do novo aeroporto no Montijo. Além do Seixal e da Moita, ambos do PCP, António Costa ouviu também os municípios que se manifestavam favoráveis à opção Montijo: Barreiro, Alcochete, Montijo e Lisboa (todos do PS, na altura).
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Como "não terão chegado a nenhum acordo", prossegue Adão Silva, o Governo propôs ao PSD para que "anuísse em alterar a lei para aquela circunstância concreta" do Montijo. "O que o Dr. Rui Rio disse na altura - e falámos bastante disso na altura - foi que não aceitava que a lei fosse alterada para este caso em concreto", esclarece Adão Silva, que recorda que o ex-líder do PSD pediu, em simultâneo, a realização de estudos para aferir se a opção Montijo era realmente a mais viável ou não. "Se assim era, então já estávamos em condições de criar uma lei geral, mais ampla, porque decorria de um trabalho de análise", acrescenta.
"O que o primeiro-ministro disse pode dar a ideia que havia uma grande controvérsia interna no PSD. Não havia. O PSD entendia-se bem sobre essa matéria, aguardava que fosse feito um estudo - que aliás está agora a ser feito [pela Comissão Técnica Independente, que está a estudar nove opções possíveis para a localização do novo aeroporto: Alcochete, Montijo, Santarém, Pegões, Rio Frio e Poceirão] - para depois fazermos uma nova lei, geral e suportada por um estudo", reforça.
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Em março de 2021, quando se confirmaram os pareceres negativos dos municípios que levaram a ANAC a travar o projeto do aeroporto no Montijo, o Governo anunciou que iria pedir uma Avaliação Ambiental Estratégica sobre a localização do novo aeroporto de modo a chegar finalmente a um consenso sobre a matéria, numa aliança com o PSD, e assim rever a legislação para eliminar o poder de veto dos municípios no "desenvolvimento de infraestruturas de interesse nacional e estratégico".
Nesse dia, o PSD mudou de posição e mostrou-se disponível para alterar a lei. Rui Rio explicou na altura que esta mudança de posição ocorreu depois de o Governo ter admitido que todas as hipóteses de localização do novo aeroporto estão novamente "em cima da mesa", e não apenas o Montijo.
"Assim sendo, se é neste enquadramento que o Governo pretende mudar lei, nós estaremos de acordo com a mudança dessa lei. O que não estávamos de acordo era em mudar a lei para beneficiar um projeto em concreto, isso seria uma lei à medida. A partir do momento em que os projetos estão outra vez todos em aberto para se ver qual é o melhor, é o momento de repensar a lei", afirmou.
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Em setembro do mesmo ano, Rui Rio reiterou a disponibilidade do PSD para alterar a respetiva lei, desde que "precedida de uma avaliação ambiental estratégica" e que a escolha da localização "fique em aberto". "Estamos disponíveis para rever essa lei, não para viabilizar uma situação em concreto, mas globalmente no país", insistiu o então líder dos sociais-democratas, em declarações aos jornalistas à margem de um evento em Castelo de Paiva.
Já em abril deste ano, o PSD cumpriu a palavra e aprovou, com o PS, a alteração à lei que contorna o veto dos municípios (apesar de os socialistas já nem precisarem desse apoio, tendo em conta a maioria absoluta). Com esta alteração, as autarquias continuam a ser chamadas a pronunciar-se sobre projetos nacionais inseridos no seu município, mas apenas sobre a "potencial afetação do concelho" e por razões ambientais.
Conclusão: A avaliar pelas declarações públicas na altura e pelos esclarecimentos do então vice-presidente da bancada parlamentar do PSD, é verdade que os sociais-democratas se recusaram inicialmente a alterar a lei de modo a contornar o veto dos municípios sobre a construção do aeroporto complementar no Montijo.
Quanto à existência de alegadas "dúvidas" internas no PSD a propósito da construção do aeroporto no Montijo, como sugeriu António Costa na segunda-feira, os sociais-democratas garantem que "não havia" quaisquer divergências sobre essa matéria no partido, mas sim sobre a constitucionalidade da alteração de uma lei "à medida". Ou seja, o primeiro-ministro tem razão quando diz que o PSD se recusou a alterar a lei, mas não sobre o motivo dessa recusa.
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