Estava em alto mar, a bordo do cruzeiro Diamond Princess, quando se tornou no primeiro português a ser infetado com Sars-Cov-2. Precisamenre dois anos depois, Adriano Maranhão, o canalizador natural da Nazaré, de 43 anos, recorda, em declarações à CNN Portugal, o que sentiu naquele 22 de fevereiro de 2020.
“Quando soube que estava infetado tive receio, pois os dois primeiros passageiros do navio que tinham sido infetados já tinham falecido e a informação que havia era que ou passávamos muito mal e morríamos ou não sabíamos o que poderia acontecer”, conta, não esquecendo o que diz ter sido o momento difícil que viveu ao ser informado que tinha covid-19. Ficou fechado e isolado numa cabine do navio e depois esteve nove dias internado no Hospital de Okazaki, no Japão.
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“Estava há três meses fora, com saudades da minha família. As saudades eram grandes e receber uma notícia daquelas, de que estava infetado e sem saber o que fazer, foi mesmo stressante”, diz.
Já com algum distanciamento no discurso e nos sentimentos face a esse momento passado a bordo do cruzeiro, que foi obrigado a atracar no porto de Yokohama, no Japão, o nazareno conta que nada fazia prever de que o vírus chegaria àquela embarcação onde se encontrava. “Na altura não estávamos à espera, nem tão pouco preparados para o que vinha. Isso foi um bocado assustador”, relata.
Mas o vírus entrou na embarcação e infetou cerca de 700 passageiros e tripulantes, de um total de 3.700 pessoas. O navio chegou mesmo a ser alvo de estudo, uma vez que o surto aconteceu três semanas antes de a Organização Mundial da Saúde ter declarado a pandemia. E num momento em que não se sabia ao certo por onde circulava o vírus que causava a então nova doença chamada de covid-19 e a que velocidade o fazia.
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Olhando para aquele já longínquo fevereiro de 2020, Adriano recorda os momentos de “angústia”, muito por culpa da incerteza, que tornava o cenário ainda mais sombrio, num local distante da sua terra e com um idioma que não falava. “Na altura, a situação foi complicada”, diz, considerando que se fosse hoje encararia tudo de outra maneira: “Não ficaria tão assustado com a situação. Mas na altura tive dificuldade em encarar aquilo com normalidade”. Na época, pouco ou “nada” se sabia sobre o vírus, frisa.
Apesar do susto, Adriano Maranhão não teve sintomas graves. “Sei que há pessoas que perdem o cheiro, mas eu não perdi nada, fiquei normal”, afirma Adriano, quase num tom orgulhoso, de como quem escapou ileso a um confronto. “Após a infeção, sentia-me mais cansaço, mas algum tempo depois isso passou e não fiquei com sequelas”.
Mas alguns episódios, mesmo passados 24 meses desde aquele dia em que recebeu o resultado do teste que confirmava a infeção, ficaram marcados na sua memória. Um deles foi o que lhe causou uma enorme “angústia” perante todas as tentativas falhadas de entrar em contacto com a sua empresa - a Princess Cruises, na qual ainda trabalha - e com a embaixada de Tóquio.
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“O que mais me assustou no início, a nível de informação e de aconselhamento sobre o que fazer, foi não ter o apoio da embaixada em Tóquio. Foi essa parte que me deixou mais angustiado e chateado”, relata.
À data, a sua mulher, Emanuelle Maranhão, não parou até conseguir respostas e garantir que o marido recebia os cuidados médicos necessários. A mulher de Adriano aprontou-se nos contactos e chegou mesmo a falar com a Secretaria de Estado das Comunidades, tendo, mais tarde, recebido uma chamada do Presidente da República Marcelo Rebelo de Sousa, o que ajudou a que o caso ganhasse outra escala mediática e que Adriano fosse encaminhado para o Hospital de Okazaki, no Japão.
Outro episódio que não esquece ocorreu depois de regressar a Portugal. Por ter sido notícia como o primeiro português a testar positivo à covid-19, o que gerava muito medo, surgiram algumas reações menos agradáveis na escola das filhas, sobretudo com a mais velha, agora com 10 anos. As suas outras duas filhas têm sete e quatro anos.
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“Houve algumas assistentes operacionais na escola que estavam com algum receio que eu viesse ainda infetado e infetasse as meninas e elas levassem o vírus [para a escola]”, lamenta.
Ser o primeiro infetado português acabou por ter impato no dia a dia da filha que sentiu que algumas auxiliares se afastavam dela com medo. “Mas a professora foi impecável”, sublinha Adriano Maranhão.
Já em relação a si próprio garante que não sentiu que alguém se tivesse afastado, apesar de admitir que notou algum receio, nos primeiros dias em que regressou à Nazaré. Não tardou, o vírus instalou-se, as escolas encerraram e os portugueses que não tardaram a entrar em confinamento. “Cinco dias depois de eu ter chegado, o país parou”, frisa, lembrando o mês de março de 2020.
De volta à vida que ponderou abandonar depois da infeçãoPouco depois de regressar, e ainda no rescaldo da incerteza do vírus, Adriano Maranhão ponderou deixar de trabalhar como canalizador em navios, função que à data ocupava há cinco anos na mesma empresa. Mas cedo percebeu que o seu caminho seria mesmo em alto-mar.
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Ainda trabalhou por conta própria quando o setor do turismo esteve parado, mas acabou por reconsiderar e voltar ao emprego que tinha, pois, só assim, reconhece, conseguiria garantir a qualidade de vida que a família até hoje teve. E isso fez com que se mantivesse na mesma empresa e voltasse a embarcar. E já conta com três embarcações desde a chegada da pandemia.
“Não é daqueles contratos longos. Fiz três contratos de dois meses e meio cada um,”, explica, garantindo que a nível de trabalho em Portugal a situação não é sustentável. “Não consigo dar a mesma estabilidade” à família diz.
Apesar de ter sido em alto-mar que ficou infetado, hoje em dia já não teme tanto a ação do vírus dentro dos navios. Até porque a informação é outra e a proteção também. “Se for uma pessoa contratada pela empresa, vai ter de fazer quarentena de sete dias e dois a três testes nessa semana”.
A vacinação é também obrigatória na sua empresa, o que acaba por lhe dar outra segurança, embora o canalizador admita que talvez não a tivesse tomado se os patrões não o exigissem.
“A vacinação não era uma opção para mim, mas tive de ser vacinado porque a empresa exige que estejamos vacinados para embarcarmos. Até já levei o booster [dose de reforço]”, conta, revelando que sentia alguma reticência em tomar a vacina por ter sido “tudo muito rápido para um vírus sobre o qual não havia conhecimento”.
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