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Um "avanço notável da ciência" para uns e um "problema ético" para outros. Pode um bebé com ADN de três pessoas nascer em Portugal?

Pouco mais de um mês depois do nascimento do primeiro bebé com ADN de três pessoas no Reino Unido ter corrido o mundo, a CNN Portugal falou com especialistas portugueses para saber se os pedidos já começaram a surgir por cá e perceber como olham os médicos para o tema.

A ciência, que não para de surpreender, promete revolucionar as técnicas de fertilização. Depois da inseminação artificial e das barrigas de aluguer, o mais recente avanço permite um casal ter um filho com ADN de uma terceira pessoa para evitar que nasça com uma doença genética.  A técnica já pode ser feita no Reino Unido à luz da lei. Em Portugal, o tema não é pacífico e as opiniões entre os especialistas dividem-se.

Para alguns especialistas, como o farmacêutico Vladimiro Silva, é muito importante adotar esta técnica no País, uma vez que permite conceber um bebé com genes de três pessoas. Considerando ser uma "técnica com grande potencial" e um “avanço notável da ciência”, o diretor-executivo das clínicas Procriar e Ferticentro garante: “Só vejo vantagens”. O especialista justifica a posição, referindo-se à possibilidade que oferece às mulheres de “fazerem tratamentos com os próprios óvulos”, não tendo de recorrer a uma doação total.

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Em causa está um procedimento - tecnicamente conhecido como Tratamento com Dádiva Mitocondrial - que é usado para impedir que a criança herde doenças mitocondriais da mãe. Em causa estão condições “raras”, “incapacitantes” e “graves” presentes no ADN mitocondrial materno, explica Maria do Céu Patrão Neves, a presidente do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida (CNECV). A neuropatia ótica hereditária de Leber, que pode levar à cegueira, ou a síndrome de Leigh, caracterizada pelo atraso e perda progressiva das capacidades cognitivas e motoras, são, de acordo com Vladimiro Silva, dois exemplos destas doenças.

Usam-se mitocôndrias “saudáveis” de uma doadora, explica Maria do Céu Patrão Neves, mas 99,8% do material genético da criança continua a ser dos “pais verdadeiros”. De acordo com o The Guardian, o bebé fica apenas com 37 genes da doadora, já que o tecido mitocondrial é “só o ambiente celular em que o feto se vai desenvolver e onde estava a doença da mãe”, clarifica a presidente do CNECV.

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Mas o tema não é pacífico para Maria do Céu Patrão Neves. Pelo contrário, a tripla progenitura genética, como lhe chama, levanta um “problema ético”: “a manipulação da vida humana na fase geracional e a destruição de embriões”, assegura. A representante do CNECV alerta para a necessidade de se ter em atenção princípios éticos como a “dignidade humana” bem como de “precaver a identidade genética”.

Por parte dos doentes, os pedidos ainda não começaram a surgir nas consultas de Alberto Barros, conta o médico de fertilização in vitro, garantido que "os argumentos a favor ultrapassam o carácter discutível da aplicação” do tratamento. Mas o especialista sublinha a necessidade de se atingir um “patamar de segurança” antes de o trazer para Portugal.

Para já, a técnica não é “suficientemente forte para se fazer de forma tranquila”, diz Alberto Barros, explicando que ainda acarreta “riscos”. “Ao aspirar-se o núcleo do ovócito da mulher podem aspirar-se também as mitocôndrias que têm a mutação”, esclarece, reforçando que a doença pode permanecer, se o tratamento não for bem realizado. Só depois de mais investigação e da devida "literatura científica" pode vir a regulamentação, considera o especialista.

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Alberto Barros relembra ainda que, a acontecer, a lei da Procriação Medicamente Assistida teria de mudar, porque a técnica é contrária a alguns dos princípios nela estipulados, já que a legislação pune com pena de prisão a “transferência de núcleo”, que está em causa neste tratamento. Ainda no que toca à regulamentação, Maria do Céu Patrão Neves, a presidente do CNECV, alerta: “Se vier a existir em Portugal uma proposta legislativa, é preciso saber se vai cumprir e respeitar a proteção do melhor interesse da criança e dos pais”.

No Reino Unido, a legislação foi alterada em 2015 para permitir o tratamento que gera bebés com três materiais genéticos, mas só em março deste ano surgiu a primeira licença, atribuída pela Autoridade de Fertilização Humana e Embriologia (HFEA) ao Centro de Fertilidade de Newcastle - a primeira e única clínica com que o pode fazer. Citada pelo The Guardian, a HFEA afirma que o número de bebés com esta condição foi “menos de cinco”, tendo a 9 de maio sido anunciado o primeiro, que correu o mundo.

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Há ainda casos a registar no México, onde existem “vazios legais”, o que constitui um “risco”, diz Maria do Céu Patrão Neves. Foi, aliás, em solo mexicano que surgiu o primeiro bebé do mundo com ADN de três pessoas. Em 2016, uma mãe, natural da Jordânia e portadora de mutações mitocondriais que podem causar Síndrome de Leigh, teve quatro abortos espontâneos e só dois bebés sobreviveram - um até aos seis anos e outro apenas seis meses.

Estudos mostram que uma em cada seis mil pessoas sofre de doenças mitocondriais.

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