Quando a atividade é feita através de videochamada, os participantes prestam menos atenção ao ambiente que os rodeia. E, logo, têm menos ideias sobre como agir de forma criativa
As colaborações têm estado por trás de algumas das maiores conquistas da humanidade: os grandes êxitos dos Beatles, fazer o homem chegar à lua, o smartphone. Será que o Zoom e as outras plataformas de videochamada esmagam o processo criativo que levou a tais proezas? Sim, segundo um novo estudo que descobriu que é mais fácil desenvolver ideias criativas em pessoa.
Desde que trabalhar a partir de casa se tornou a norma durante a pandemia de covid-19, os empregadores têm procurado saber a resposta para esta questão. No ano passado, a Agência Nacional de Investigação Económica, nos Estados Unidos da América, declarou que 20% dos dias de trabalho serão a partir de casa quando a pandemia terminar, em contraste com os 5% dos anos anteriores à pandemia.
“Inicialmente, demos início ao projeto (em 2016) porque nos foi dito por gestores e executivos que a inovação era um dos maiores desafios com a comunicação através de vídeo. E admito que, de início, estava cética”, disse Melanie Brucks, professora assistente de marketing empresarial na Columbia Business School e autora do estudo que foi publicado na revista científica Nature.
Brucks disse que, anteriormente, acreditava que a interação virtual imitava uma experiência presencial “bastante bem” e assumiu que os opositores à videoconferência eram ludistas. Por conseguinte, a professora passou quatro anos a investigar se este método de comunicação teve realmente alguma repercussão na capacidade das pessoas de gerar ideias inovadoras.
Criar novas ideias
Melanie Brucks recrutou 602 pessoas, incluindo estudantes universitários e funcionários, e dividiu-as em pares para trabalharem em tarefas presencial ou virtualmente. As tarefas consistiam no desenvolvimento de novos usos para as coisas do quotidiano, tais como plástico de bolhas de ar e um Frisbee [disco voador]. Cada sala tinha os mesmos cinco itens.
“Quando inovamos, temos de nos afastar das soluções existentes e apresentar novas ideias, recorrendo aos nossos conhecimentos de uma forma ampla. A criação de formas alternativas de utilizar objetos conhecidos exige o mesmo processo psicológico”, explicou.
O desempenho de cada par foi determinado pelo número de ideias que surgiram e pela criatividade e valor das suas ideias, segundo a classificação dos estudantes juízes. Por exemplo, um uso criativo para um Frisbee: derrubar fruta de uma árvore, entregar uma mensagem. Menos criativo: um prato de piquenique ou um chapéu.
Os investigadores também utilizaram software de rastreio ocular, que descobriu que os participantes virtuais passaram mais tempo a olhar diretamente para o seu parceiro, em vez de olhar em volta da sala. Além disso, os pares que estavam em videoconferência lembravam-se menos do seu ambiente, que era idêntico ao dos que se encontravam pessoalmente.
“Este foco visual no ecrã reduz a cognição. Por outras palavras, as pessoas estão mais concentradas quando interagem em vídeo, o que prejudica o amplo e expansivo processo de criação de ideias”, explicou Brucks.
Jay Olson, pós-doutorado na Universidade McGill no Canadá que estuda formas de medir a criatividade, afirmou que as pessoas olham frequentemente para o seu redor para as ajudar a gerar ideias.
“Os objetos presentes na sala podem suscitar novas associações mais facilmente do que tentar criá-las todas internamente”, disse Olson, que não esteve envolvido na investigação. “Os autores constatam que interagir através de um ecrã de computador poderia involuntariamente desviar a atenção de uma forma que reduz a criação destas ideias inovadoras”.
A fase de campo
Os resultados foram replicados numa experiência semelhante, mas mais vasta, realizada fora do laboratório. Cerca de 1.490 engenheiros a trabalhar em cinco países diferentes (na Europa, Médio Oriente e Sul da Ásia) para uma empresa de infraestruturas de telecomunicações foram aleatoriamente reunidos em pares, quer cara a cara, quer por vídeochamada. Foi-lhes pedido que criassem ideias de produtos e que escolhessem um para apresentar como um novo produto para a empresa.
Bruck afirmou que os resultados foram semelhantes, embora o exercício fosse mais complexo do que o teste feito na fase laboratorial. Os engenheiros conheciam-se previamente e eram utilizadores regulares do software de videoconferência.
“O estudo de campo mostra que os efeitos negativos da videoconferência na criação de ideias não se limitam a tarefas simplistas e podem também ocorrer em sessões de brainstorming mais complicadas e de alta tecnologia”, disse.
“O facto de que replicamos o efeito negativo de produzir ideias durante as videochamadas no nosso ambiente de intervenção sugere que a repercussão desta forma de comunicação provavelmente não irá enfraquecer à medida que as pessoas se familiarizam mais com estes softwares (tal como o Zoom) ou adquirem mais experiência ao criar ideias e ao trabalhar em conjunto com as suas equipas.”
Mas houve algumas advertências importantes. O estudo descobriu que as videochamadas não dificultam todos os trabalhos colaborativos. Embora a criação de ideias fosse mais fácil presencialmente, fazê-lo virtualmente não fez diferença na capacidade de avaliar criticamente as ideias criativas, tal como escolher a melhor ideia a partir de um conjunto, informou Bruck.
A criatividade e o Zoom não são incompatíveis
Ellen Langer, professora de Psicologia na Universidade de Harvard e escritora de On Becoming an Artist: Reinventing Yourself Through Mindful Creativity, disse que esta nova descoberta foi um primeiro passo importante. Contudo, declarou que foi um erro concluir que a criatividade e as videochamadas são incompatíveis.
Se somos ou não criativos enquanto estamos no Zoom pode depender de quão criativos somos em primeiro lugar e da tarefa em questão, disse Langer, que não esteve envolvida na investigação. Criar usos para um Frisbee e criar novas formas de lidar com conflitos não são a mesma coisa. Uma tarefa pode ser mais bem executada individualmente, fora de qualquer tipo de reunião.
“Provavelmente muitos de nós têm mais facilidade em fazer amigos presencialmente do que no Zoom, e a criatividade floresce quando estamos descontraídos. Mas, é importante notar que as pessoas se sentem mais relaxadas no Zoom em casa, do que durante uma experiência”, acrescentou ela.
Olson e Langer sugeriram que existe uma solução prática para o enigma que pode ser testada em futuras investigações: Se as pessoas forem convidadas a passar mais tempo a olhar em redor da sala durante as suas sessões virtuais, será que produziriam o mesmo número de ideias que durante as sessões presenciais?
Olson salientou que os gestores não deveriam apressar-se a fazer as pessoas regressar aos escritórios ou a acrescentar mais reuniões presenciais em consequência desta investigação, embora faça mais sentido realizar sessões de brainstorming em pessoa.
“Apesar de os resultados parecerem robustos, trata-se de um estudo único e as repercussões são de certa forma pequenas, o que corresponde a uma diferença de uma ou duas ideias entre os grupos. O impacto que esta situação poderá ter dependeria da empresa: pode variar entre uma diferença trivial e um enorme impacto agravante”, disse Olson.
“Eu não gostaria de ver uma empresa a duplicar as suas reuniões presenciais na esperança de melhorar o seu desempenho, caso isso também signifique duplicar o tempo de deslocação, resultando em empregados menos felizes e, porventura, menos criativos”.