Comer compulsivamente, sussurrar para o microfone, pregar partidas, ou até lamber locais icónicos. Vale de tudo para juntar seguidores no YouTube
Se fosse uma pessoa, o YouTube era um adolescente com 17 anos, e, mesmo num meio onde as novidades rapidamente deixam de o ser, continua a crescer de forma relevante. No início do ano, a plataforma online de distribuição de vídeo contava com dois mil milhões de utilizadores (dois anos mais velho, o Facebook tem quase três mil milhões de utilizadores) e o novo ano revelou que em 2021, os youtubers geraram 284 milhões de euros, entre receitas com publicidade e parcerias com as marcas, um aumento de 40% em relação a 2020.
Para se ganhar dinheiro no YouTube, os utilizadores têm de ter pelo menos mil seguidores e quatro mil horas de visualizações no último ano. Mas isso é apenas o início. Há quem ganhe apenas uns trocos por mês, há quem ganhe milhões de euros. No ano passado, o youtuber que ganhou mais, MrBeast, conseguiu ganhar 51 milhões de euros com os seus vídeos, de acordo com a revista Forbes mais do que, por exemplo, as estrelas Billie Eilish, Kim Kardashian ou Angelina Jolie.
E o que fazem os youtubers? Um pouco de tudo. MrBeast, um jovem de 23 anos, ficou famoso por preparar partidas épicas, como oferecer 9 500 euros a alguém para ficar sentado numa banheira cheia de cobras. Em baixo, juntamos uma lista de outros youtubers com conceitos, no mínimo, inesperados. Afinal, vale quase tudo para tentar juntar milhões de seguidores.
De violinista freelancer a comedor compulsivo
Nicholas Perry, mais conhecido no mundo virtual como Nikocado Avocado ou More Nikocado, tem vindo a conquistar milhões de espectadores no YouTube a comer quantidades desproporcionais de comida à frente da câmara. Outrora vegano, mantinha uma dieta saudável e ganhava a vida como violinista freelancer. Deixou Nova Iorque e mudou-se com o namorado para a Colômbia onde, quase dez anos depois, ficou mais rico mas o seu físico também foi afetado.
Nicholas teve a sua grande estreia no YouTube em 2014, motivado pelo parceiro, Orlin Home, que também já possuía um canal na plataforma de vídeos. Nikocado Avocado (trocadilho com a palavra "abacate" em inglês) era um espaço onde o casal discutia rotinas de exercícios e benefícios do veganismo, mas em 2016 tudo mudou: num vídeo com mais de 30 minutos Nicholas anunciava que já não era mais vegano e acusava aqueles que rejeitassem alimentos de origem animal de "desequilibrados, hostis e mentalmente instáveis".
Poucas semanas depois, e para espanto dos seus seguidores, divulgou o seu primeiro vídeo de Mukbang - fenómeno que teve início na Coreia do Sul e que consiste em vídeos nos quais o apresentador consome várias quantidades de comida enquanto interage com o público. Esta mudança de conteúdo repentina gerou preocupação entre os seus subscritores, que o alertaram para a possibilidade de ele estar a sofrer um distúrbio alimentar. Nicholas negou e respondeu com o vídeo "A minha alimentação compulsiva (inapropriado para crianças)".
Já passaram cinco anos desde que o youtuber renunciou ao veganismo e passou a ser um consumidor regular de fast food. Chegou a admitir que ganhou 100 quilos à frente da câmara, estando atualmente com cerca de 160.
Uma das transmissões mais vistas de Nikocado Avocado, onde são provados noodles "extremamente picantes", contou com a presença de outra estrela do mukbang, Hungry Fatchick. A euforia e o exagero passaram a ser cada vez mais recorrentes nos seus conteúdos à medida que a lista de seguidores foi aumentando, sendo rara a vez em que Nicholas termina um vídeo sem chorar ou gritar. Por exemplo, em "Ninguém gosta de mim, estou acabado", mostra estar a sofrer de um colapso nervoso sobre uma enorme travessa de noodles e ovos estrelados, enquanto rapa o cabelo. Este vídeo teve quase quatro milhões de visualizações.
Raspadinhas e massagens no cérebro
Capitão aos Molhos é o pseudónimo que Bruno Capitão escolheu há cerca de quatro anos quando começou a gravar vídeos de raspadinhas. De peruca aos caracóis na cabeça, ou de chapéu, dedicava entre 15 a 30 minutos a raspar blocos inteiros para os seus seguidores. Era a vontade de o ver ganhar alguns euros que atraía visualizações. E, quando não ganhava, havia castigos, que podiam ir passar por um prato de chantili na cara ou por girar uma roleta da sorte improvisada pelo próprio.
Em dois anos de canal, Bruno Capitão conta que chegou a gastar 2500 euros em raspadinhas e recuperou apenas metade do valor. “Psicologicamente era muito desgastante e não ganhava muito dinheiro”. Eis que veio a pandemia e o confinamento levou-o a enveredar por outra área - o ASMR. A sigla em inglês significa resposta sensorial meridiana autónoma ou autónoma e designa uma sensação, também conhecida como “massagem cerebral”, estimulada através do som, sejam eles sussurros, crepitações, estalidos, etc.
“Descobri através de um amigo e era algo que gostava imenso”, recorda. “Tinha um estúdio para isolar bem o som, material, e apostei nisso”. Rapidamente começou a receber mensagens de agradecimento por parte de quem encontrou nos seus vídeos uma forma de relaxar e dormir melhor. Hoje em dia conta já com 18 mil subscritores no YouTube, mais de 123 mil no TikTok, e é ainda um dos membros da Thumb Media. A produtora, distribuidora e gestora de conteúdos audiovisuais e propriedade intelectual em plataformas digitais é a única empresa em Portugal oficialmente certificada pelo YouTube.
As ideias de Bruno surgem enquanto assiste ao trabalho de outros youtubers, mas acrescenta o seu cunho pessoal. "Costumo interpretar personagens, mas raramente é planeado", explica. Serve de exemplo o "barbeiro senhor Manel", protagonista de um dos vídeos de ASMR que teve mais sucesso no seu canal. "Ele cortava o cabelo e contava histórias épicas sobre a vida dele, como quando foi ao Pólo Norte e engatou a prima do Pai Natal", ri-se. O cliente era, nada mais nada menos, do que um microfone com espuma de barbear.
Apesar do seu crescimento, ainda é cedo para o "Capitão aos Molhos" abdicar do seu trabalho como comercial para uma carreira a full-time na internet. Considera o YouTube "uma corrida a longo prazo" e o canal ainda só lhe rende, em média, 50 euros por mês. "Demoram-se anos até conseguir um canal grande o suficiente para alguém se tornar independente". Em termos monetários, tudo depende de apoios mensais, subscrições, donativos, entidades que queiram patrocinar.
Os piores tutoriais do YouTube
Desde a sua criação em 2011, o canal australiano de comédia juntou mais de 17 milhões de assinantes induzindo-os em erro com vídeos bizarros e destrutivos disfarçados de tutoriais para práticas comuns. "Como limpar um colcão manchado" é apenas um dos exemplos, que acaba na verdade com um colchão coberto de tinta, ovos e outros materiais indecifráveis.
O criador não fala nem mostra o rosto. Em 2013, deu uma entrevista à 9News em que aparece desfocado e de costas para a câmara, preservando o anonimato. Ainda assim, três anos depois foi considerado um dos maiores canais australianos no YouTube.
Das paródias às provas gastronómicas
Faz sucesso com paródias musicais como "Tudo a vacinar!" e "Vou casar esta noite", mas ainda se autodenomina de "provadora oficial de comida do YouTube". "Cozinhei e provei a comida asiática do Lidl" foi o desafio mais recente numa panóplia de degustações de outros supermercados e marcas.
Natural de Torres Vedras, Mariana Malhado deu início ao seu percurso no YouTube em 2018 como "criadora de conteúdos de entretenimento para todas as idades", como descreve nas suas redes sociais. Desde então já captou a atenção de 106 mil inscritos na plataforma de vídeos e mais de 96 mil no Instagram. Nos seus conteúdos também constam desafios de 24 horas e partidas junto de amigos e familiares. Em "multando pessoas que não usam máscara" vestiu um colete refletor e abordou os transeuntes, simulando uma fiscalização.
O homem que lambe
Chama-se Licking Guy e, como o próprio nome indica, é "o homem que lambe". Viaja pelos EUA em busca de lugares famosos onde consiga deixar a sua "marca", e regista tudo no seu canal, sempre de máscara no rosto. Numa entrevista à LADBible em 2016, conta que a primeira vez foi num prédio em Boston, por influência de um amigo. Garante que estava embriagado, mas assim que acabou de lamber o edifício foi aplaudido por uma multidão "como se fosse um herói".
Certo é que não parou, mas qual é o objetivo? "Gosto muito de toda a correria. A emoção de alcançar o alvo faz a minha adrenalina subir", explica. Os seus alvos vão desde turbinas eólicas no deserto, comboios de carga na estrada e até já incluiu uma estátua do T-Rex no percurso entre Los Angeles e Palm Springs.
Levar a cabo esta prática sem provocar desconforto em quem o rodeia não é tarefa fácil, e Licking Guy admite que já foi seguido pela polícia e abordado por pessoas que por ele passavam. "Dizia-lhes que era para o meu canal no YouTube, e lamber não é contra a lei".
"Escolho alvos isolados e de difícil acesso". A verdade é que seis anos depois da entrevista esteve na entrada da Area 51, uma base militar norte-americana de acesso reservado. O vídeo alcançou mais de quatro milhões de visualizações.