"Xuxas", o maior traficante do país, condenado a 20 anos de prisão

Ana Botto , com Lusa
22 nov 2024, 16:50

O cúmulo jurídico é resultado de penas parcelares de 12 anos por tráfico, 15 por associação criminosa e 4 quatro anos e meio por branqueamento de capitais; ou seja, dos proveitos do crime - milhões de euros investidos sobretudo em património imobiliário

Rúben Oliveira, mais conhecido por "Xuxas", considerado o maior traficante português da atualidade, por associação a grandes cartéis sul-americanos que introduzem droga na Europa, foi esta sexta-feira condenado à pena única de 20 anos de prisão.

A decisão foi hoje lida pela juíza presidente do coletivo, Filipa Araújo, no Juízo Central Criminal de Lisboa, no Campus de Justiça, numa sala com forte presença policial.

O cúmulo jurídico é resultado de penas parcelares de 12 anos por tráfico, 15 por associação criminosa e 4 quatro anos e meio por branqueamento de capitais; ou seja, dos proveitos do crime - milhões de euros investidos sobretudo em património imobiliário.

"Xuxas", recorde-se, foi detido pela PJ em outubro de 2022, numa operação em que foram também capturados cúmplices da rede de tráfico de cocaina, e está em prisão preventiva desde então. Quanto aos cúmplices, entre eles o irmão, também foram condenados a penas de prisão de 13 e 15 anos.

À saída do tribunal, Vítor Parente Ribeiro, advogado de Rúben Oliveira, que tinha expectativas de absolvição, mostrou-se insatisfeito com a condenação, anunciou que vai recorrer e defendeu que “a lei não foi aplicada”, insistindo que é ilegal a condenação com recurso à prova baseada nas comunicações telefónicas encriptadas remetidas por França às autoridades portuguesas, validadas como legais pelo tribunal e que a defesa argumenta nunca ter tido oportunidade de contestar.

“É uma decisão que evidentemente nos surpreende, porque é uma violação clara dos mais elementares princípios do Estado de Direito, desde logo o princípio da presunção da inocência, a possibilidade do contraditório da prova, tudo isso foi aqui flagrantemente violado. Agora vamos continuar, o processo ainda vai no adro, é a primeira decisão, este processo não vai obviamente terminar em Portugal, porque já percebemos que para que o direito e os princípios fundamentais sejam aplicados temos que recorrer a instâncias internacionais”, disse.

Para o advogado, a prova com base nas comunicações telefónicas encriptadas, “é uma prova montada” e não “a prova efetiva que foi recolhida” e entende que o processo “cai por terra” se o Tribunal da Relação vier a considerar esta prova ilegal.

Segundo a acusação do Ministério Público, o grupo criminoso, liderado por Rúben Oliveira, tinha "ligações estreitas" com organizações de narcotráfico do Brasil e da Colômbia e desde meados de 2019 importava elevadas quantidades de cocaína da América do Sul.

A organização de "Xuxas" tinha, ainda de acordo com a acusação, ramificações em diferentes estruturas logísticas em Portugal, nomeadamente junto dos portos marítimos de Setúbal e Leixões, aeroporto de Lisboa, entre outras, permitindo assim utilizar a sua influência para importar grandes quantidades de cocaína fora da fiscalização das autoridades portuárias e nacionais.

Naqueles locais, a Polícia Judiciária realizou apreensões de cocaína que envolvem arguidos que supostamente obedeciam a ordens de Rúben Oliveira.

A cocaína era introduzida em Portugal através de empresas importadoras de frutas e de outros bens alimentares e não alimentares, fazendo uso de contentores marítimos. A droga entrava também em território nacional em malas de viagem por via aérea desde o Brasil até Portugal.

Os arguidos recorriam alegadamente a "sistemas encriptados tipicamente usados pelas maiores organizações criminosas mundiais ligadas ao tráfico de estupefacientes e ao crime violento" para efetuarem comunicações entre si.

Oito arguidos condenados a pelo menos dez anos de prisão

O tribunal condenou também a penas entre oito e 20 anos de prisão quase uma dezena de arguidos no mesmo processo de tráfico de cocaína.

A juíza Filipa Araújo apontou o elevado grau de ilicitude dos crimes praticados e justificou as penas elevadas com as necessidades de prevenção, que “são elevadíssimas”, apontando que no crime de tráfico de droga não estão em causa apenas “as consequências para os consumidores”.

Receberam penas iguais ou superiores a 10 anos os arguidos Luís Firmino (10 anos); José Cabral (10 anos e quatro meses); Luís Ferreira (10 anos e seis meses); o irmão de “Xuxas” Dércio Oliveira (13 anos); Punil Narotamo (12 anos); Ricardo Macedo (13 anos); José Afonso (15 anos, a segunda pena mais elevada neste processo).

Foram ainda condenados Vasco Soeiro (oito anos); António Freitas (três anos e seis meses de pena suspensa por igual período); e a mulher de “Xuxas”, Carla Oliveira, condenada por um crime de branqueamento em coautoria a uma pena de dois anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, tendo a juíza sublinhado neste caso a ausência de antecedentes criminais.

O arguido Pedro Santos foi absolvido das acusações de tráfico agravado e associação criminosa, mas condenado por posse de arma e munição proibida a uma multa de 1.400 euros.

Dos 16 arguidos singulares, quatro foram integralmente absolvidos: Duarte Costa, Luís Gonçalves, William Cruz – tal como havia admitido o Ministério Público nas alegações finais para este arguido – e Gurvinder Singh, peça chave no processo, por ter colaborado com a investigação.

Gurvinder Singh é comerciante, com uma mercearia sediada nos Olivais e que foi utilizada pelos narcotraficantes para a entrada de droga no país, usando a empresa de importação de fruta do arguido para o efeito.

A empresa de Gurvinder Singh, Happy Selection foi igualmente absolvida, tendo a empresa Vascopisus, sido condenada a uma pena de dissolução e a empresa Auto Táxis, de Rúben Oliveira, sido condenada a uma pena de multa de 36.000 euros.

O tribunal condenou ainda os arguidos a uma perda de valores incongruentes no seu património, destacando-se a condenação de Rúben Oliveira à perda de mais de um milhão de euros a favor do Estado.

Rúben Oliveira, José Cabral, Dércio Oliveira, Punil Narotamo, Ricardo Macedo, José Afonso vão manter-se em prisão preventiva, por decisão do tribunal, que apontou o facto de os prazos de prisão preventiva ainda não se terem esgotado para estes arguidos.

Com a decisão de absolvição de Luís Gonçalves extinguiu-se a medida de prisão preventiva que lhe estava aplicada, mas com as condenações de hoje há três outros arguidos que se encontravam em liberdade e que passam a estar em prisão preventiva: Vasco Soeiro, Luís Ferreira e Luís Firmino.

Lapso quase condena arguido por crime de que não estava acusado

Um lapso do coletivo de juízas quase levou um arguido a ser condenado por um crime de tráfico agravado, pelo qual não estava acusado.

Foi no final de uma longa sessão de leitura da súmula do acórdão, que quando a magistrada Filipa Araújo já tinha dado a audiência por encerrada e todos se encaminhavam para a saída, que um dos arguidos, Vasco Soeiro, se insurgiu contra a decisão e, com notória incredulidade, se dirigiu à juíza, questionando como era possível o julgamento terminar a condená-lo por um crime de tráfico de droga pelo qual nunca esteve acusado.

A questão levou a magistrada a interromper a sessão para avaliar com o restante coletivo a situação, tendo, no regresso à sala, admitido “um lapso” e retificado a condenação que tinha proferido inicialmente a 10 anos de prisão em cúmulo jurídico por tráfico agravado e associação criminosa para uma pena de oito anos por associação criminosa.

Vasco Soeiro foi um dos três arguidos que entraram em situação de liberdade e face à condenação que receberam viram a juíza Filipa Araújo decretar a sua prisão preventiva imediata, uma decisão que a juíza manteve mesmo após a revisão da pena e que o arguido contestou.

A advogada do outro arguido presente para o qual também foi decretada prisão preventiva, Luís Ferreira, contestou a decisão, alegando nulidades insanáveis, contestando a impossibilidade de o seu constituinte se pronunciar, o que levou a juíza a interromper novamente a sessão para deliberação.

No regresso, a procuradora do Ministério Público pronunciou-se afirmando não encontrar qualquer nulidade na situação e defendeu que “a audição do arguido não era exigível nem absoluta neste momento”, sublinhando que este mantinha o seu direito a recorrer da medida de coação imposta.

A juíza rejeitou cabimento para qualquer nulidade insanável, insistiu no direito a recurso da medida de coação, mas permitiu aos arguidos que se pronunciassem nesta fase sobre a contestação à medida de coação, o que ambos acabaram por fazer.

Vasco Soeiro disse ao tribunal que “não estava nada à espera” de lhe ser imposta prisão preventiva, alegou ter dois filhos pequenos dos quais não teve oportunidade de se despedir, que a situação seria “um choque enorme” para a sua família e invocou o seu historial no processo de comparência perante as autoridades sempre que solicitado, afirmando não ter qualquer intenção de fugir e pedindo a compreensão do tribunal para a situação.

 

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