opinião
Professor Universitário e Doutor em Cibersegurança

Portugal, um caso sério de sucesso tecnológico

24 nov 2022, 12:03

Estas duas últimas semanas deixaram-me com um sorriso de orelha a orelha e com uma fascite plantar! Para quem não sabe o que é, acredite nas minhas parcas palavras: doi imenso. Mas ainda assim não consigo deixar de estar contente, com esperança e satisfeito com o que assisti nas mais recentes duas semanas do ano.

Antes de justificar esta minha seguinte afirmação, informo que a faço à luz da minhas experiências e observações, que dependendo do estado de humor do leitor, pode ou não estar mais ou menos de acordo. Então lá vai - Portugal está a tornar-se um caso sério de sucesso tecnológico. Antes que se comecem a rasgar as vestes ou a rasgar gargalhadas com esta minha afirmação, tenham paciência e partam comigo neste relato na primeira pessoa dos últimos tempos recentes.

Como profissional e professor de tecnologia e segurança da informação, tenho tido espaço para estar presente em vários certames tecnológicos mundo fora. De país em país, vou percorrendo feiras e conferências que obrigam a correr oceanos de distância e correrias infindáveis para estar “dentro” da temática mais recente, seja ela no meu campo de ação ou em áreas paralelas, como os avanços da tecnologia na saúde. Seja como for, nestas visitas encontrei sempre uma infindável lista de atividades para fazer e empresas e startups novas com novas ideias e projetos para conhecer e poucas eram as empresas portuguesas presentes. Não é fácil ficar acostumado a esta realidade, mas mesmo quando estes eventos aconteciam em Portugal, mesmo na WebSummit, parte das nossas sementes de inovação eram, em muitos casos, ideias e intenções que pouco sucesso conseguiram ver. De certa forma, isto é um dos processos naturais da vida empresarial pois como disse um dia um célebre professor que tive, o Prof. Manuel Pinto Teixeira, as organizações “são como as pessoas. Pedem tempo, atenção e dedicação e muitas nascem e morrem num curto espaço de tempo. As que resistem ao tempo não resistem à idade”. Durante muito tempo esta ideia não se mostrava muito evidente na minha vida até que comecei a estar presente no ciclo de inovação das empresas e agora posso dizer como ele diz, “é fatal como o destino”.

Foi precisamente este ano que notei que algo está a mudar drasticamente no nosso pequeno burgo e que tem um reflexo prático lá fora, na forma como nos veem e como passam a olhar para nós. Foi ao ganhar esta fascite plantar que percebi notoriamente que estamos diferentes (para melhor) e que isto acabará por mudar o nosso meio tecnológico e a vontade de investir em Portugal de forma diferente da atual, aquela que insiste em levar para fora os nossos recursos.

Olhando para a WebSummit este ano, mais que encontrar empresas portuguesas lá a promover as suas ideias, estavam já a promover os seus produtos de uma forma madura, séria e objetiva. Sem rodeios e promessas, mas com casos de uso e casos de sucesso e algumas com clientes que nem as grandes do seu sector conseguem apanhar. O sucesso destas operações foi perceber a internacionalização da ideia e o encontrar parceiros sérios ao mesmo nível de maturidade, isto é, juntar parceiros de outros países para encontrar a força onde havia só uma intenção. Perdi conta às startups presentes com consórcios universitários europeus. Não vou estar a cometer o desfavor a ninguém estando aqui a falar de uma ou outra, isso deixarei para quando escrever sobre a Fábrica de Unicórnios de Lisboa, quando conseguir reunir com os seus promotores. Por falar em promotores, ainda na WebSummit, lá acabei por conseguir falar com o Eng. Carlos Moedas que me dedicou tempo suficiente para um café e para conhecer o seu projeto e os seus parceiros, numa conversa sobre tecnologia, inovação e o futuro deste binómio na capital e no nosso país. Isto claro, acabando de forma muito rápida quando a Sra. Eva Longoria decidiu aparecer à nossa frente para o cumprimentar. Estava eu já de malas aviadas para ir para outras andanças, e a conversa retomou uns derradeiros segundos para a troca de cartões e promessas de reunião futura que vou aproveitar.

Este sentimento de diferença positiva foi algo notório e evidente ao longo das palestras também da WebSummit e das pessoas que cá vieram conhecer o que melhor temos para mostrar.

Durante esta primeira das duas semanas mais recentes perdi a conta às pessoas com quem falei e projetos que conheci. Das vontades de nos conhecerem melhor como país, como polo de inovação e esta ligação ao Ensino Superior e os proveitos que claramente conseguimos tirar e que antes não tínhamos ainda tão maduro. Foram dias seguidos a percorrer a pé o evento, exceto quando estive à conversa com David Chaum que se transportava em carrinho de golf e acabei como pendura. Até naquela viagem fiquei a saber que a XX Network, uma empresa imensa que está a trabalhar em soluções de segurança resistentes à computação quântica, tem nas suas fileiras vários portugueses saídos da FEUP, do IST e não só, a trabalhar na linha da frente da segurança da informação de forma remota, concretamente a trabalhar em plataformas que permitem a comunicação segura sem que terceiros a consigam capturar ou localizar os intervenientes.

 

Mal tinha regressado ao Porto numa sexta-feira e estava no sábado a dirigir-me a Bragança para o Dia Regional do Engenheiro, onde encontrei imensos colegas de profissão repletos de projetos inovadores; adivinhei a receita do sucesso? A relação entre a academia nacional e europeia, mais concretamente com os países emergentes da Europa de Leste, sim, esses que já emergiram mais além que nós. Esta receita mágica parece ser a magia da solução, pois sempre ali a conversar com o melhor que a engenharia nacional tem no seu escaparate, não ouvi intenções ou vontades, ouvi testemunhos de sucesso. Na minha curta conversa com o Engenheiro Carlos Mineiro Aires percebi que este caminho de engenharia-sucesso vem já traçado do passado, do tempo dele e de outros Bastonários, incluindo o atual. Viram que a engenharia e a inovação andam de mãos dadas com a academia, algo que eu pessoalmente tinha já experienciado com o Vent2Life, que teve muito do seu sucesso graças a junção de forças entre Universidades, Politécnicos, Ordem dos Engenheiros, Exército Português e não só, e dezenas de pequenos inventores, técnicos de reparação de televisões e eletrodomésticos e milhares de alunos das mais variadas instituições nacionais e internacionais. O resultado? Mais de 200 ventiladores reparados em plena pandemia COVID. Não me canso de contar e dar como exemplo esta história.

 

Já de volta a Lisboa no domingo para participar na Centeris 2022, o meu pé começa a dar de si. Sem poder dar parte fraca porque o evento assim o exigia, começam a chegar dia após dia os participantes, maioritariamente professores e alunos do ensino superior europeu com uma forte presença portuguesa. É ao assistir à apresentação de mais de 260 trabalhos académicos que tudo começa a alinhar-se na minha mente. Estamos perante um momento singular nos tempos recentes, para não dizer quase totais. A maior parte das apresentações nacionais são práticas e não teóricas; são de tecnologia inovadora e que deram já no tubo de ensaio imensos resultados; o caminho a seguir é o processo de criação de empresas com projeção europeia sendo que, pelas minhas cábulas, mais de um terço já havia recebido largas dezenas de milhares de euros e em alguns casos milhões, em fundos com as mais variadas origens, desde a Califórnia a Tóquio. Percebem já a mudança? Antes, isto não passaria de ensaios para uma boa nota no mestrado ou doutoramento e agora o mestrado e doutoramento são apenas um bom cartão de visita. A isto chama-se de University Technology Transfer, um palavrão cada vez mais real em Portugal.

Já em casa de pé ao alto, dei por mim a recuperar destes 15 dias a conversa com o Nobel da Paz e Presidente de Timor-Leste, na já tão distante WebSummit. Esse tinha sido o dia mais atarefado do evento para mim e que ia a meio, pois estavam por fazer duas palestras que me ia fazer transpirar muito e a minha reunião com a malta da NATO para conhecer a versão deles da “Fábrica de Unicórnios”. Confesso que não tinha uma ideia muito formada de Ramos Horta, aliás, por que razão haveria ele de falar comigo ou até porque haveria eu ter um tema ou assunto a falar com ele? Mas o destino é maroto e acabou por nos juntar no almoço bem lado a lado.

 

Sem grande cerimónia, ele cumprimenta-me e eu igualmente, aproveitando para me apresentar e, como não podia deixar de ser, perguntar assim de mansinho o que faz o Presidente da República de Timor-Leste na WebSummit. Pois não estava preparado para a resposta! Acho que todos temos uma ideia de Ramos Horta como um homem de outras lides, pelo menos diferentes das lides da tecnologia. Para meu espanto, ele está dentro do tema e tem muito, mesmo muito para dizer.

 

Durante aqueles breves minutos, Ramos Horta descreve os desafios de Timor nesta área e como estar ali, naquele local, é mais do que cerimónia protocolar, é também para ver em pessoa o processo de inovação e visualizar aquilo que quer para o seu país, numa visão que envolve tornar Timor um hub tecnológico nos próximos anos, estabelecendo um centro de inovação Indo-Asiático, que possa dar soluções aos desafios locais. Deixou-me como a vocês agora, perplexo. Deixo para outro dia esta minha conversa em detalhe e o quão rica e surpreendente foi; deixo esta e a que vier da minha visita em Janeiro à NATO em Bruxelas, prometo.

 

Fecho estes dias com a noção clara que o jogo mudou em vários tabuleiros. Que o nosso pequeno país neste cantinho da Europa pode ainda não ter convergido em muita coisa, mas naquela que trará crescimento futuro já convergiu. Espera-se de nós mais maturidade nestes processos de inovação, que ainda não muito distante no tempo não iam mais além que palavras em relatórios e intenções de empurrar verbas daqui para ali. Não estamos sozinhos na necessidade porque agora fazemos parte da solução e é como um normal elemento deste paradigma que podemos no futuro crescer mais e melhor.

Como é que isto aconteceu? Com o investimento de décadas das nossas instituições de ensino. Recomendações? Sim, muitas, mas para já uma: que se deixe de lado a exclusividade dos professores para que estes possam acompanhar in loco os projetos dos seus alunos com uma visão maior que a de docente, como um parceiro de negócios quiçá. E o meu pé? Esse segue a receita da sabedoria do povo, abifa-se, abafa-se e medica-se!

Um abraço e até à próxima.

 

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