Os ferros de prensar a iguaria deram lugar aos "waffle makers" com pratos aquecidos eletricamente de ambos os lados, mas a essência da iguaria mantém-se até aos dias de hoje
Feitos de massa levedada ou cozinhada entre dois pratos com padrões, os waffles são considerados uma das sobremesas mais antigas da história.
Muitas vezes cobertos com mel, natas batidas, xarope ou compota, são ideais para o pequeno-almoço ou para um lanche, por vezes saboreado a correr.
Muito populares nos países do noroeste da Europa, bem como nos Estados Unidos e na Ásia, podem ser estaladiços, doces ou salgados, com sulcos profundos ou pouco profundos.
Na Bélgica, onde são conhecidos como gaufres, é possível encontrar infinitas variações de waffles.
A origem da história
Mas de onde vêm realmente? Os especialistas dizem que as origens desta iguaria doce ou salgada remontam há milénios de anos.
E embora as suas raízes possam ser rastreadas até à Grécia Antiga, Giorgio Franchetti, autor do livro “Dining With The Ancient Romans”, acredita que os waffles derivam de uma iguaria particular da Roma Antiga.
“É muito provável que sejam descendentes dos populares 'crustulum' (plural de 'crustula'), que eram biscoitos doces adorados pelos antigos romanos”, diz Franchetti, um estudioso de comida da Roma Antiga, à CNN.
“O termo, em latim, sugere claramente que estes biscoitos eram estaladiços, com uma crosta quebradiça que derretia na boca”.
Não existem documentos históricos conhecidos sobre a forma dos crustula, mas Franchetti acredita que eram provavelmente biscoitos planos, feitos com os mesmos ingredientes básicos dos waffles e cozidos dentro de dois ferros aquecidos.
Pensa-se que o método de preparação da crustula é idêntico ao dos waffles atuais, embora não se saiba se a crustula tinha originalmente as icónicas ranhuras.
De acordo com a investigação levada a cabo por Franchetti, é provável que a crustula seja uma evolução doce do panis obelius, um pão especial com azeitonas ou figos frescos feito pelos gregos antigos que era cozinhado entre dois ferros e comido durante os rituais dionisíacos, que normalmente envolviam bebida, dança e sacrifício.
“Crustula eram biscoitos muito simples, feitos com farinha, mel e banha de porco. Hoje em dia, os waffles são feitos com manteiga, mas o filósofo romano Plínio, o Velho, escreve que o uso da manteiga diferenciava os patrícios aristocráticos e snobes dos plebeus”, diz.
Depois de ter descoberto textos sobre a crustula de Plínio, o Velho, e do poeta lírico romano Horácio, Franchetti juntou-se à “arqueo-cozinheira” Cristina Conte para trazer as crustulas de volta do túmulo.
Os romanos adoravam queijos, mas não gostavam de manteiga, que era considerada um subproduto pobre do leite e usada principalmente para cosméticos, de acordo com Franchetti.
Em vez disso, faziam as suas crustulas com banha de porco ou gordura animal.
Pensa-se que os biscoitos eram originalmente consumidos durante as cerimónias religiosas romanas e vendidos por vendedores ambulantes chamados “crustulari”, que podiam ser encontrados ao longo das ruelas da Roma antiga, geralmente perto de templos e locais de culto.
Franchetti explica que os cobiçados doces se tornaram mais tarde uma espécie de recompensa que os professores que trabalhavam para famílias ricas davam aos seus melhores alunos.
Evolução do doce
Nos seus poemas das Sátiras, Horácio escreve que os professores costumavam dar crustula “às crianças para as convencer a aprender as letras do alfabeto”.
Com o tempo, estes biscoitos simples e saborosos conseguiram conquistar uma parte muito importante da cerimónia do banquete - a sobremesa - e eram servidos no final da refeição.
As crustulas eram tão populares entre os antigos escritores romanos que alguns até as mencionavam nas suas obras.
O satírico Gaio Lucílio, considerado o inventor da sátira romana, escreveu uma vez que “gostava de se entregar apenas às crustulas”, enquanto outros autores, como o dramaturgo Plauto e os filósofos Séneca e Lúcio Apuleio, também as referiram.
Após o advento do cristianismo, a crustula foi assimilada nas receitas cristãs, diz Franchetti.
Como é que estas guloseimas evoluíram para os waffles como os conhecemos hoje?
Franchetti acredita que a técnica de cozedura da crustula terá sido aperfeiçoada durante a Idade Média, altura em que poderão ter surgido as primeiras ranhuras nas bolachas, aproximando-as dos actuais waffles.
Acredita-se que o Ferratelle - um biscoito que resistiu ao teste do tempo em várias partes de Itália - seja o elo de ligação entre as crustulas romanas e os waffles.
“Em Molise e em Abruzzo, os habitantes locais foram desmamados com ferratelle, que se comem durante todo o ano e têm diferentes formas e tamanhos”, diz Franchetti.
O nome “ferratelle” vem da prensa de metal ou ferro, que se traduz por “ferri” em italiano, uma ferramenta que ainda hoje é utilizada para fazer os biscoitos em alguns locais.
As ferratelle, também conhecidas como pizzelle, apresentam as pequenas ranhuras quadradas encontradas nos waffles, enquanto a receita básica e os ingredientes são provavelmente os mesmos que os utilizados anteriormente para a crustula, diz Franchetti.
Antigamente, as ferratelle eram sempre feitas em casa e revelaram-se particularmente populares durante as celebrações do Natal e do Carnaval.
As famílias utilizavam ferros especiais gravados com o brasão ou as iniciais da família para marcar as suas ferratelas.
“Os romanos transmitiram-nos estes biscoitos divinais. Desde o início dos tempos que os devoramos”, afirma Maria Teresa Spagnoli, da pastelaria Dolci Aveja, de L'Aquila.
Nos anos de 1700, os pais ofereciam ferros de prensar ferratelas com as iniciais da família às filhas que iam casar, como parte do dote.
“Hoje em dia, comemo-los ao pequeno-almoço, depois do jantar, com um digestivo de licor, ou durante as viagens de carro”, acrescenta Spagnoli.
Ainda moldadas em ferros de prensar, as ferratelle de Abruzzo são feitas com ovos, azeite, leite, baunilha e casca de limão ralada.
As que se vendem em L'Aquila são de todos os tamanhos, incluindo diamantes, estrelas e corações.
Guloseimas preciosas
Para além da receita original, Dolci Aveja, o principal produtor de ferratelle em L'Aquila, produz variantes com cereais e uma versão salgada com alecrim, que combina bem com prosecco como aperitivo.
A preparação das ferratelle continua a ser um grande ritual para quem as produz.
“Segundo a nossa tradição, para fazer um ferratelle perfeito e autêntico, é preciso rezar uma Avé Maria enquanto se cozinha o primeiro lado e um Pai-Nosso para o outro lado”, diz Spagnoli.
Para acelerar a cozedura, os habitantes de Abruzzo também utilizam atualmente ferros eléctricos.
Com este método, não é necessário virar a ferratelle durante o processo, uma vez que cozinha simultaneamente de ambos os lados.
Em Vasto, uma cidade costeira de Abruzzo, as ferratelle têm cobertura de chocolate preto e chamam-se “catarrette”.
Os habitantes locais guardam com carinho os ferros antigos utilizados pelos seus antepassados e gravados com as iniciais da família.
O historiador de Vasto, Gianfranco Bonacci, recorda que a sua avó cozinhava ferratelle aos domingos ou em ocasiões especiais e que a família as comia durante a semana.
“Era um prazer diário. Infelizmente, a minha família perdeu os ferros antigos e, atualmente, é difícil encontrar um ferreiro que os fabrique, uma vez que restam muito poucos ferreiros”, diz Bonacci.
Nas regiões italianas vizinhas, incluindo o Lácio, existem variedades de ferratelle com nomes diferentes.
Na Ligúria, encontram-se bolachas tipo waffle, enquanto no Piemonte são conhecidas por gofri e têm um padrão de favo de mel profundo e rugoso, que faz lembrar as gaufres belgas.
Como e quando é que estes “waffles italianos” migraram para o norte da Europa e para os EUA?
“Os romanos, a par da sua cultura, também espalharam os seus alimentos por todo o império. A crustula tinha muitas pernas e acabou por chegar à atual França, Benelux e Inglaterra”, diz Franchetti.
Na altura em que o Império Romano se desmoronou, a crustula já tinha sido assimilada na gastronomia local destas terras.
Um outro desenvolvimento terá ocorrido ao longo das rotas comerciais europeias durante a Idade Média, quando as ferratelas de favo de mel italianas foram exportadas para o norte da Europa.
Finalmente, o salto para o Novo Mundo ocorreu no início dos anos de 1600 com os primeiros colonos holandeses que desembarcaram na cidade de Nova Iorque.
“Foi nessa altura que a crustula-ferratelle evoluiu para waffles e criou raízes na América”, diz Franchetti.
Atualmente, os waffles podem ser encontrados em quase todo o mundo.
Nos Estados Unidos, o dia 24 de agosto, aniversário do dia em que o holandês-americano Cornelius Swarthout obteve a patente para o primeiro ferro de waffles nos Estados Unidos, é celebrado como o Dia Nacional dos Waffles.