Emigrantes temem elevada abstenção e questionam: "Até que ponto é que isto será uma votação verdadeiramente independente?"

15 fev 2022, 21:53
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O Tribunal Constitucional decidiu mandar repetir os atos eleitorais nas assembleias de voto onde foram anulados mais de 150 mil votos do círculo eleitoral da Europa. Para os emigrantes, esta é uma "boa notícia", mas há questões que têm se ser clarificadas

O Tribunal Constitucional decidiu repetir as eleições  legislativas nas assembleias de voto onde foram anulados mais de 80% dos votos do círculo da Europa, mas ao mesmo momento que a decisão permite "corrigir o erro”, pode transformar-se também num aumento da abstenção, caso esteja em causa o voto presencial. É essa a convicção dos emigrantes ouvidos pela CNN Portugal, que pedem que o voto por correspondência se mantenha.

Pedro Serrano, português residente nos Países Baixos, diz estar "muito contente" com a "excelente decisão" do Tribunal Constitucional, uma vez que demonstra que "a opinião das pessoas que vivem no estrangeiro conta".

Também António Cunha, professor honorário da Universidade de Lausanne, na Suíça, considera que esta é "uma boa notícia", uma vez que "há que restabelecer o direito de votar em boas condições". "Os emigrantes são já muito pouco representados politicamente, e dar mais valor desta maneira é uma boa coisa", acrescenta.

Ainda assim, Pedro Serrano diz estar "dividido", porque a repetição das eleições 'a posteriori', quando já são conhecidos os resultados globais, pode influenciar a decisão dos eleitores, e questiona: "Até que ponto é que isto será uma votação verdadeiramente independente?"

Mas há uma outra questão que preocupa os emigrantes e que tem a ver com a modalidade de voto. Isto porque a lei eleitoral para a Assembleia da República indica que "declarada a nulidade da eleição de uma assembleia de voto ou de todo o círculo, os atos eleitorais correspondentes são repetidos no segundo domingo, posterior à decisão", isto é, a 27 de fevereiro. 

Tendo em conta que a tomada de posse do Governo, que estava prevista para 23 de fevereiro, fica dependente da publicação dos resultados finais, os eleitores do círculo da Europa receiam que, para tornar o processo mais eficiente e "não deixar o país parado" só seja possível votar presencialmente. 

"Se não puder votar por correspondência, então vai ser difícil, para mim e para muitos outros, votar presencialmente nos nossos consulados", admite Daniel Soares, português residente em Bremerhaven, na Alemanha, localidade que fica a 200 km do consulado mais próximo, na cidade de Hamburgo.

Isto significa que, para poder exercer o seu direito de voto, Daniel Soares tinha de fazer uma viagem de 400 quilómetros, contando com ida e volta. "A maior parte dos eleitores da minha região, que são entre 1500 a 2000, não o vão fazer [votar], porque é extremamente longe", acrescenta.

Pedro Rupio, português residente em Bruxelas e presidente do Conselho Regional das Comunidades Portuguesas na Europa, manifesta a mesma preocupação: "Se tivermos unicamente a possibilidade de votar presencialmente, isso vai implicar uma redução enorme da participação das comunidades portuguesas na Europa, e esse é o meu principal receio."

Portugal fica "numa situação muito difícil" politicamente

Apesar dos constrangimentos associados ao voto presencial, os eleitores residentes na Europa dizem perceber a decisão "tendo em conta o contexto" político do país.

"Nós estamos agora numa situação muito difícil. Se autorizarem o voto por correspondência, todo o país ficaria parado até haver uma decisão final das eleições. Não podemos parar o país por causa das eleições do círculo da Europa. Mas, por outro lado, o direito de voto dos portugueses no circulo da Europa fica extremamente reduzido com esta história", assinala Daniel Soares.

Também Pedro Rupio admite perceber a "urgência" de realizar as eleições "o mais depressa possível". "Tendo em conta o contexto, percebo que devemos ter a repetição das eleições o mais depressa possível, porque tanto em Portugal como na diáspora as coisas têm de avançar, devemos ter um Governo e um Parlamento a funcionar", diz.

O Tribunal Constitucional decidiu esta terça-feira mandar repetir os atos eleitorais nas assembleias de voto onde foram anulados mais de 150 mil votos do círculo eleitoral da Europa, considerando que ocorreram "procedimentos anómalos" no apuramento dos votos daquele círculo. 

A decisão surge na sequência dos recursos apresentados por quatro partidos - Chega, PAN, Livre e Volt Portugal - que recorreram da decisão de se anular mais de 157 mil votos de emigrantes nas eleições legislativas antecipadas, tomada no apuramento geral dos resultados.

Em causa estão protestos apresentados pelo PSD após a maioria das mesas ter validado votos que não vinham acompanhados de cópia do cartão de cidadão do eleitor, como exige a lei.

Como esses votos foram misturados com os votos válidos, a mesa da assembleia de apuramento geral acabou por anular os resultados de dezenas de mesas, incluindo votos válidos e inválidos, por ser impossível distingui-los uma vez na urna.

 

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