A maior economia da Europa está em crise. Basta olhar para a Volkswagen

CNN , Análise de Hanna Ziady
30 out 2024, 13:00
Carros Volkswagen fotografados em Wolfsburgo, Alemanha, a 28 de outubro de 2024. Sean Gallup/Getty Images

A queda acentuada dos lucros do construtor automóvel só veio intensificar as más notícias sobre o crescimento económico da Alemanha

A Alemanha escapou por pouco a uma recessão no terceiro trimestre, revelam dados oficiais nesta quarta-feira, oferecendo algum alívio à maior economia da Europa, à medida que a sua sorte vacila.

O produto interno bruto aumentou 0,2% no período de julho a setembro, impulsionado por um aumento das despesas públicas e das famílias, após uma contração de 0,3% nos três meses anteriores, de acordo com o Serviço Federal de Estatística da Alemanha (Destatis). O Destatis reviu em baixa os valores do PIB para o segundo trimestre, anteriormente de -0,1%.

A economia alemã contraiu-se no ano passado pela primeira vez desde o início da pandemia de covid-19. As perspectivas não são muito animadoras: o Fundo Monetário Internacional prevê um crescimento económico nulo este ano, o que representa o desempenho mais fraco entre as principais economias.

A queda acentuada dos lucros da Volkswagen só veio intensificar as más notícias sobre o crescimento económico. Os problemas que a economia alemã enfrenta são ilustrados pela crise do maior construtor do país, que poderá encerrar fábricas no país pela primeira vez em 87 anos de história e reduzir milhares de postos de trabalho.

A Volkswagen disse esta quarta-feira que o lucro operacional dos nove meses até ao final de setembro caiu 21% em relação ao ano anterior, para 12,9 mil milhões de euros, prejudicado pelo fraco desempenho da sua marca principal e pelos custos de reestruturação. As vendas de veículos caíram 4% devido à fraca procura na China.

Os resultados “demonstram a necessidade urgente de ação num ambiente volátil caracterizado por uma concorrência intensa”, disse o diretor financeiro Arno Antlitz numa conferência com analistas e jornalistas, alertando para decisões “dolorosas”.

“Não nos esquecemos de como construir grandes carros”, continuou Antlitz, mas sublinhou que os custos nas operações alemãs do fabricante de automóveis "estão longe de ser competitivos".

“As coisas não podem continuar como estão agora”, acrescentou. A empresa vai retomar as conversações com os sindicatos e representantes dos trabalhadores na quarta-feira e discutir “possíveis encerramentos de fábricas na Alemanha”, assumiu Antlitz.

Os fracos resultados da Volkswagen apontam para o agravamento das condições do sector privado na Alemanha. De acordo com um inquérito publicado na semana passada pela S&P Global e pelo Banco Comercial de Hamburgo, as empresas industriais e de serviços registaram este mês a maior queda no emprego em quase quatro anos e meio.

A confiança das empresas e dos consumidores está em baixa. “A maior preocupação é atualmente o grande pessimismo na Alemanha”, observou Marcel Fratzcher, presidente do Instituto Alemão de Investigação Económica, em Berlim.

“Esta depressão mental, este incrível pessimismo é talvez o maior obstáculo a curto prazo”, reconheceu à CNN.

Os problemas da Volkswagen refletem os da Alemanha

A Volkswagen é o reflexo do negativismo que afeta a Alemanha. Os problemas do fabricante de automóveis vão repercutir-se em toda a indústria automóvel, que é o maior sector do país, representando 5% do PIB e empregando quase 800.000 pessoas - cerca de 37% das quais trabalham para a Volkswagen, muitas delas com empregos bem remunerados.

A Volkswagen, que também detém a Audi e a Porsche, é o exemplo da capacidade de fabrico e do sucesso das exportações que transformaram a Alemanha numa das maiores economias do mundo, agora gravemente ameaçada.

“Não estamos a viver uma crise na indústria automóvel, estamos a viver uma crise na Alemanha como local de negócios”, afirmou um porta-voz da associação automóvel alemã VDA, num comunicado após uma cimeira automóvel no mês passado.

Fábrica da Volkswagen em Osnabruck, Alemanha, a 29 de outubro de 2024. (Hauke-Christian Dittrich/dpa/AP

Tal como a Volkswagen, a Alemanha enfrenta custos laborais elevados, uma produtividade fraca e a concorrência da China. Já não pode contar com a procura em alta das suas exportações na segunda maior economia do mundo, que está a produzir cada vez mais localmente muitos dos bens que costumava importar da Europa.

“A China tornou-se um rival (da Alemanha)”, argumentou Carsten Brzeski, diretor mundial de macroeconomia do banco holandês ING.

De acordo com um estudo recente encomendado pela Federação das Indústrias Alemãs (BDI), uma organização que reúne grupos de pressão empresariais, um quinto da produção industrial da Alemanha está em risco até 2030, principalmente devido aos elevados custos da energia e à contração dos mercados para os produtos alemães.

“A liderança que o país acumulou ao longo de décadas em áreas como a tecnologia de combustão está a perder importância e o modelo de exportação alemão está cada vez mais sob pressão devido às crescentes tensões geopolíticas, ao protecionismo global e às fraquezas de localização”, refere o relatório, elaborado em coautoria pelo Instituto Económico Alemão (IW) e pelo Boston Consulting Group.

O relatório aponta para as desvantagens tradicionais da Alemanha em termos de custos, como os elevados impostos e custos da mão de obra e da energia, e cita também a ameaça que o envelhecimento da população representa para uma oferta tradicionalmente forte de trabalhadores qualificados.

O estudo conclui que a economia alemã necessita “do maior esforço de transformação desde o pós-guerra”, exigindo investimentos adicionais em tudo, desde as infraestruturas e a inovação até à educação e às tecnologias verdes, de cerca de 1,4 biliões de euros até 2030.

A sorte continua a ser difícil de alcançar

No entanto, uma reforma económica desta envergadura parece improvável, dadas as fortes restrições ao endividamento público - o chamado “travão da dívida” - consagradas na Constituição alemã.

Uma frágil coligação governamental tripartida também tem obstruído a formulação de políticas durante meses e deixou o governo sem uma visão clara para o país.

Embora a descida da inflação possa ajudar a impulsionar o consumo no próximo ano, uma melhor sorte económica só poderá surgir em 2026, quando estiver em funções um novo governo na sequência das eleições gerais previstas para setembro próximo, segundo Brzeski do ING.

“No meu cenário de base, teremos mais um ano de uma economia mais ou menos estagnada”, antecipou.

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