Como drones, telemóveis e tecnologia de satélite estão a expor as mentiras da Rússia na guerra na Ucrânia quase em tempo real

CNN , Nic Robertson
8 abr 2022, 07:00

ANÁLISE. A verdade sobre a guerra pode estar a ser identificada mais depressa do que a Rússia alguma vez imaginou

A guerra na Ucrânia está a desafiar as expectativas do presidente Vladimir Putin em cada passo que dá, não apenas no fracasso da Rússia em capturar Kiev, como planeava, mas nos crimes de guerra que os seus soldados alegadamente cometeram em Bucha, cidade próxima da capital, expostos para que o mundo inteiro veja.

Ao longo da história, as guerras foram vencidas por forças que usaram novas tecnologias em seu benefício. A vitória de 1415 do rei inglês Henrique V sobre os franceses na Batalha de Agincourt foi uma “cortesia” dos seus arqueiros e seus arcos longos recém-desenvolvidos, fazendo chover flechas com um alcance que os franceses não conseguiram igualar.

Imagem de satélite de uma vala comum em Bucha, na Ucrânia

A guerra na Ucrânia pode significar outra estreia histórica, com a tecnologia a cortar a névoa da guerra, expondo as mentiras dos agressores e acelerando os esforços para provocar a sua derrota.

Imagens de satélite de civis assassinados, comparadas com vídeos gravados semanas depois, de corpos à beira da estrada, estão a fornecer indícios convincentes de crimes de guerra russos, convencendo os líderes ocidentais a aumentar as sanções sobre a Rússia e a acelerar o fornecimento de armas à Ucrânia.

Não é claro como isso pode afetar o resultado final da guerra. Mas o que é evidente, num momento em que a Ucrânia procura urgentemente qualquer vantagem adicional à medida que as forças russas se reagrupam para uma nova ofensiva, é que as ações da Rússia em Bucha estão a fortalecer a mão da Ucrânia.

Embora as imagens de satélite do campo de batalha estejam disponíveis para os governos há décadas, e tenham sido fundamentais para identificar crimes de guerra durante a guerra civil da Bósnia na década de 1990 – nomeadamente a localização de uma vala comum com muitos dos sete mil muçulmanos bósnios massacrados na cidade de Srebrenica em 1995 – elas nunca estiveram tão imediatamente disponíveis no domínio público como agora.

Volodymyr Zelensky, dirigindo-se ao Conselho de Segurança das Nações Unidas, a 5 de abril

Putin e os seus comandantes no campo de batalha parecem não se importar, ou não ter percebido o facto de que ordens e ações agora deixam um registo indelével fora do seu controlo que pode voltar para assombrá-los.

Eles estarão cientes de que em muitos conflitos passados ​​– mesmo tão recentes quanto a guerra civil síria –, líderes como Bashar al-Assad escaparam da condenação e até foram reabilitados, apesar da larga quantidade de documentos incriminatórios retirados de instalações do governo e esquadras da polícia.

Mas esta não é a única lição à qual Putin deve prestar atenção. Depois da sangrenta separação da Jugoslávia e da guerra civil da Bósnia, o tribunal de crimes de guerra em Haia usou as próprias palavras dos líderes políticos e militares para ajudar a condená-los.

Quando o Tribunal Penal Internacional para a ex-Jugoslávia (TPIJ) julgou o presidente sérvio-bósnio, Radovan Karadzic, havia um vídeo dele a olhar sobre Sarajevo condenando os civis lá em baixo ao fogo da artilharia e de morteiros.

Choro e devastação em Bucha. Narciso Contreras/Anadolu Agency via Getty Images

O seu aliado militar em crimes de guerra, o general Ratko Mladic, também viu as suas palavras serem usadas para condená-lo, num vídeo que o mostrava nos arredores de Srebrenica a dirigir a triagem de civis, muitos dos quais seriam massacrados pelos seus soldados, seguindo as suas ordens.

Esse tipo de relação pode ser mais difícil de atribuir a Putin, mas, se os tribunais de crimes de guerra anteriores servirem de precedente, a sua tese de 20 páginas publicada no verão passado sobre porque considerava que a Ucrânia não é um país, e os seus comentários na televisão sobre porque a Rússia deveria invadi-la, poderão ser usados contra ele enquanto autor e realizador da guerra.

Se Putin for a julgamento, o seu desmoronamento pode ter começado com a sua incapacidade de compreender as fraquezas do seu exército e os pontos fortes da Ucrânia. O fracasso em cumprir o seu primeiro grande objetivo, a captura de Kiev, forçou as suas tropas a recuar, deixando a sua maré de terror exposta.

Eles fizeram o que fizeram tantas vezes antes, na Síria, na Chechênia, na Georgia: cometeram terríveis abusos. E Putin e os seus funcionários fizeram o que tantas vezes antes fizeram: mentiram para encobrir os seus crimes.

Autoridades de defesa russas alegaram que fotos e vídeos que surgiram em 2 de abril, a mostrar civis assassinados - com tiros na cabeça, alguns com as mãos e pernas amarradas - eram falsos, afirmando que as suas tropas partiram antes de os assassinatos ocorrerem. "As tropas deixaram a cidade em 30 de março", disse o Ministério da Defesa em comunicado. "Onde estavam as filmagens durante quatro dias? A sua ausência apenas confirma a falsificação."

Elas foram muito claros sobre a data. O ministro dos Negócios Estrangeiros, Sergey Lavrov, um dos mestres mais experientes de Putin, agravou o encobrimento desajeitado, insistindo que "as forças russas deixaram a área da cidade de Bucha já em 30 de março".

Mas imagens de satélite publicamente disponíveis, da empresa de tecnologia espacial Maxar, tiradas a 18 de março, enquanto as tropas russas estavam no controlo, mostraram os civis mortos na beira da estrada exatamente nos mesmos locais onde as forças ucranianas os descobriram, quando reentraram na cidade no princípio de abril. E um vídeo de drone filmado antes de 10 de março mostrou um ciclista a ser baleado e morto por tropas russas. As forças ucranianas encontraram o seu corpo semanas depois, exatamente onde ele caiu.

Nos meses anteriores à invasão da Rússia, e nos dias depois de as imagens de Maxar aparecerem, fazendo o rastreio às forças russas e à sua destruição, o entendimento do público sobre o campo de batalha sofreu uma revolução. Juntamente com a utilização quase omnipresente de câmaras de smartphones, tecnologia de geolocalização e drones sofisticados, Putin enfrenta o possível acerto de contas de que escapou em conflitos anteriores.

Zelensky, durante a visita a Bucha, a 5 de abril (Getty Images)

O presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, quer mais câmaras e um acesso mais amplo, para que o público veja por si mesmo: "É nisso que estamos interessados, acesso máximo a jornalistas, cooperação máxima com instituições internacionais, inscrição no Tribunal Penal Internacional, verdade completa e responsabilização total", afirmou num discurso em vídeo esta segunda-feira.

O enigmático líder ucraniano percebeu que não são apenas armas de alta tecnologia, como mísseis Javelins e NLAW, ou mísseis terra-ar como Stingers e Starstreaks, que podem mudar o rumo da guerra. É também a verdade, e as ferramentas – satélites, drones e smartphones – para mostrá-la.

Com este uso sem paralelo em qualquer guerra moderna, a tecnologia pode dar ao oprimido esta vantagem surpreendente, minando as mentiras de um agressor sobredimensionado. Zelensky esforçou-se para que as Nações Unidas entendessem isso quando lhes falou na terça-feira: “Agora é 2022. Temos provas conclusivas. Há imagens de satélite. E podemos conduzir investigações completas e transparentes".

Como Henrique V em 1415, Zelensky reconhece uma vantagem quando a vê. Embora as imagens de satélite possam não ser tão revolucionárias como um ramo de árvore de um metro e oitenta e um fio de cânhamo, se ele puder usá-las com inteligência, poderá forçar Putin a negociar muito mais cedo do que o presidente russo gostaria.

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