Putin falou de corrida nuclear e Moscovo evoca "Cuba 1962" para travar Tomahawks de Trump na Ucrânia 

10 out, 16:14
Vladimir Putin e Donald Trump na cimeira do G20 no Japão em 2019 (Getty Images)

O Kremlin sobe o volume: Putin diz que a corrida nuclear “já está em curso” e um deputado acena à memória da crise de 1962. Isto tudo enquanto Washington avalia o envio de Tomahawks para Kiev

A sexta-feira abriu com novas declarações ameaçadoras de Vladimir Putin. O presidente russo afirmou que a “corrida global às armas nucleares já está em curso”, admitiu que a Rússia poderá testar armas se outros o fizerem e repetiu que, sem um acordo nuclear — desde logo entre Moscovo e Washington —, o controlo de arsenais pode ruir. 

As palavras surgem num momento em que Moscovo acusa os EUA de planearem dotar a Ucrânia de mísseis de cruzeiro de longo alcance.

Na véspera, o think tank Institute for the Study of War (ISW) descreveu uma campanha de reflexive control (na ciência política, é a técnica de moldar a perceção do adversário com informação calculada para que ele, por decisão própria, escolha a opção que o adversário pretende) do Kremlin para dissuadir Washington do envio de Tomahawks, incluindo a ameaça — ventilada por responsáveis e propagandistas russos — de deslocar mísseis russos para Cuba. O ISW cita, entre outros, o deputado Alexei Zhuravlyov a sugerir que a cooperação militar com Havana permitiria o posicionamento de meios perto dos EUA, numa evocação explícita de 1962. 

Em paralelo, Moscovo tem endurecido o discurso sobre os Tomahawks: um veterano da Duma avisou que a Rússia “destruirá” os mísseis e as suas plataformas caso cheguem à Ucrânia. E diplomatas como Sergei Ryabkov alertaram para uma escalada “qualitativa” se os americanos os enviaram para Kiev. 

A administração Trump admite que está “a considerar o pedido ucraniano”, mas ainda sem decisão final. 

A referência a Cuba funciona como retrovisor histórico — um throwback à Crise dos Mísseis de 1962 —, mas, até agora, não há prova pública de preparativos logísticos ou militares para uma implantação real em território cubano. O ISW enquadra a mensagem como instrumento de “pressão psicológica” para travar o envio dos Tomahawks, mais do que um movimento operacional concreto. 

Tudo isto cruza-se com o impasse do último grande tratado nuclear EUA–Rússia (“New START”) e com a retórica de Putin que disse que, se não houver extensão do “New START”, “não é nenhum drama para a Rússia”, apesar de considerar desejável manter limites por mais um ano.

O resultado é um tabuleiro mais volátil: guerra na Ucrânia, braços de longo alcance em debate em Washington e uma narrativa russa que reabre o léxico do Caribe para tentar influenciar a decisão americana. 

Em outubro de 1962, os EUA detetaram por fotografias de aviões U-2 que a URSS estava a instalar mísseis nucleares em Cuba. Ação-reação: Washington impôs uma “quarentena” naval à ilha, o mundo viveu 13 dias de confronto direto e, após negociações, a União Soviética de então aceitou retirar os mísseis em troca de um compromisso público de não invasão de Cuba e de uma retirada secreta dos mísseis norte-americanos Jupiter da Turquia (e, depois, de Itália).

O episódio levou à criação da linha direta Washington–Moscovo (ou Kennedy-Kruschev) e marcou o início de esforços mais formais de controlo de armamentos para reduzir o risco de guerra nuclear.

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