Novas rotas comerciais, os "elos fracos" na UE e a fuga pelo mar. Como Putin pode fugir às sanções do Ocidente

23 jun 2022, 19:00
Vladimir Putin discursa à nação sobre tensão com a Ucrânia (Alexei Nikolsky via AP)

Apesar dos esforços renovados para punir a violação das sanções, o mais provável, de acordo com os especialistas, é que a Rússia continue a conseguir o apoio de governos e empresas que lhe permitam contornar essas mesmas sanções.

Ao fim de quatro meses desde o início da invasão da Ucrânia, a Rússia continua a enfrentar um braço de ferro com o Ocidente, acumulando sanções cada vez mais agressivas para a economia de Moscovo. A União Europeia (UE) já vai no sexto pacote de sanções, que visa o embargo ao petróleo russo, e já se especula sobre a necessidade de um sétimo destinado a atingir o gás.

À medida que as sanções se vão avolumando, crescem também as necessidades económicas da Rússia, que está muito dependente dos investimentos estrangeiros. Além disso, o Kremlin também precisa de pagar o esforço da guerra na Ucrânia, uma tarefa que se torna cada vez mais impossível face às restrições do Ocidente.

Isto significa que, mais cedo ou mais tarde, a Rússia irá violar as sanções económicas que lhe estão a ser impostas, segundo os analistas. E há várias maneiras de o conseguir, como explicam ao Politico vários especialistas, políticos e um antigo funcionário do Departamento do Tesouro dos Estados Unidos.

É certo que nunca se falou tanto de sanções como agora, mas a verdade é que esta não é a primeira vez que a Rússia se vê confrontada com este tipo de medidas vindas do Ocidente. De facto, esta é a realidade da Rússia desde a anexação da Crimeia, em 2014, quando foi alvo das primeiras sanções económicas. Desde então, o país tem vindo a trabalhar na sua autossuficiência, mas cedo percebeu que não é possível garantir a desejada autonomia em todas as áreas.

"A Rússia precisa desesperadamente de chips, semicondutores e de várias matérias-primas essenciais, como lítio, para continuar a produzir sistemas de armas necessários para uso militar. Sem estes materiais sofisticados, a indústria militar russa será efetivamente prejudicada", sublinhou um ex-funcionário responsável pelo comércio ucraniano, citado pelo Politico.

Na verdade, a dependência da Rússia nestas matérias "é muito elevada", frisou Maria Shagina, investigadora do Instituto Internacional de Estudos Estratégicos, admitindo assim que, à medida que forem implementadas novas sanções, também as necessidades da Rússia vão aumentar, naturalmente.

Os países "na linha da frente" da fuga às sanções

De acordo com os especialistas citados pelo Politico, é muito provável que a Rússia tente importar bens sancionados através de novas rotas comerciais. E, para tal, Vladimir Putin conta com uma lista muito variada de países dentro e fora da Europa que são potenciais "elos fracos" na aplicação e cumprimento de sanções.

"Historicamente, existem algumas jurisdições que provaram estar na linha da frente" da fuga às sanções, disse um antigo funcionário do Departamento do Tesouro dos Estados Unidos, apontando a Turquia e os Emirados Árabes Unidos como exemplo disso mesmo.

Além disso, a Rússia pode ainda recorrer aos seus países vizinhos na União Económica Eurasiática (UEE), composta pela Federação Russa, Bielorrússia, Cazaquistão, Arménia e Quirguistão. Antigos funcionários dos serviços de inteligência do Ocidente citados pelo Politico admitem que poderemos vir a assistir a um aumento do comércio regular naquela zona. E com o aumento do comércio regular pode aumentar também o fluxo de mercadorias ilegais, nomeadamente os bens sancionados.

Um exemplo disso mesmo foi partilhado por Kevin Limonier, professor associado do Instituto Francês de Geopolítica, que deu conta da chegada ao Quirguistão de um "elevado número de russos que trabalham no setor das Tecnologias da Informação". "Mas depois de frequentar os bares de Bishkek, percebemos que nem todos estão aqui por motivos políticos. Alguns fugiram com o aval dos seus empregadores para contornar as sanções", acrescentou, numa publicação no Twitter.

Além de recorrer aos países vizinhos, a Rússia também pode procurar os controlos de fronteiras mais fáceis da UE, tendo em conta que algumas jurisdições são mais leves do que outras no que diz respeito à aplicação e cumprimento de sanções. A Itália é exemplo disso mesmo, apontou Maria Shagina, lembrando que o país esteve muito perto de enviar bens sancionados para a Rússia logo após as primeiras sanções de 2014. Além disso, várias embarcações com ligações a Alemanha, Itália, Grécia e Bulgária também atracaram em portos da Crimeia que foram alvo de sanções.

A investigadora sublinha, também, que a atuação da UE quando confrontada com a violação de sanções deixa muito a desejar. A alemã Siemens, por exemplo, viu-se envolvida numa polémica depois de duas turbinas de gás terem sido removidas de território russo e transportadas para a Crimeia em 2016, altura em que a região foi alvo de sanções de Bruxelas que impediam as empresas dos Estados-membros de fornecerem elementos tecnológicos relacionados com a produção de energia. 

A eurodeputada polaca Anna Fotyga recorda que alguns funcionários da empresa ainda foram investigados, mas nunca chegaram a ser conhecidas as conclusões dessa investigação. “Até agora ainda não ouvimos nada sobre consequências legais dessa violação. Pelo contrário, a Siemens manteve as suas ações inalteradas durante estes anos. Essas atitudes só foram possíveis porque convergiam totalmente [com] a política russa de Berlim”, acrescentou a também antiga ministra dos Negócios Estrangeiros da Polónia.

Em resposta a estas declarações, um porta-voz da Siemens esclareceu que a empresa nunca foi alvo de qualquer acusação, acrescentando que “os processos [em causa] dizem respeito a indivíduos (a maioria ex-funcionários)”. A empresa garantiu ainda que apoia as sanções contra a Rússia.

A fuga pelo mar

Com o recente embargo europeu ao petróleo russo, os especialistas advertem que Vladimir Putin pode encontrar formas engenhosas de vender esta matéria-prima para financiar a invasão e alimentar a sua economia. Uma dessas formas pode ocorrer em pleno mar, com transferências de petróleo de navio para navio. Por exemplo, um navio russo em águas internacionais descarrega petróleo para um segundo navio-tanque, que atraca depois no porto de um país da UE e rotula o petróleo como proveniente de um país que não foi alvo de sanções.

Um outro truque - que, aliás, tem sido muito utilizado desde o início da invasão da Ucrânia, passa por desligar os rastreadores das embarcações para ocultar os seus percursos e atividades.

Recentemente, a UE avançou com planos para criminalizar a fuga às sanções implementadas contra a Rússia, de modo a tornar mais fácil a apreensão dos bens de empresas e indivíduos que contornam as sanções.

Além disso, o bloco comunitário tem em curso uma nova iniciativa denominada “Operação Oscar” para apoiar investigações financeiras que visam ativos de origem criminosa detidos por pessoas singulares e coletivas abrangidas por sanções da UE. Contudo, o sucesso desta operação vai depender, em última análise, dos esforços das autoridades responsáveis ​​pela aplicação da lei de cada país. advertem os especialistas.

Apesar dos esforços renovados para punir a violação das sanções, o mais provável, de acordo com os especialistas, é que a Rússia continue a conseguir o apoio de governos e empresas que lhe permitam contornar essas mesmas sanções. Mas os países que facilitam os fluxos comerciais da Rússia "sabem fazer negócios", sublinhou Francesco Giumelli, especialista em sanções da Universidade de Groningen, na Holanda. “[A Rússia] vai ter de pagar caro por isso.” 

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